Tripas de boi-bumbá falam sobre paixão, cultura e resistência nas ruas de Belém
Márcio Gomes, Arthur Felipe e Vagner Oliveira compartilham suas rotinas e histórias de dedicação à cultura popular
Quando os primeiros acordes da canção “Reunida”, do Arraial do Pavulagem, ecoam pela Praça da República, em Belém, é sinal de que o Boi Pavulagem vai entrar em cena. Neste domingo (22/06), o Boizinho Azulado volta a guiar pelas ruas da capital paraense o segundo Arrastão de 2025. A concentração começa às 9h com uma apresentação especial da Mestra Normalina e do Boi Faceiro de Colares, junto à Roda Cantada e à banda Arraial do Pavulagem, e segue às 10h em cortejo até a Praça Waldemar Henrique, com a presença dos bois de Banda e de Igarapé-Miri, além do Boi Malhadinho. A programação se encerra com apresentações das artistas Íris da Selva e Nazaré Pereira.
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Mas por trás de toda a magia que toma conta das ruas está a força e a dedicação dos tripas - brincantes que assumem o desafio de estar debaixo do boi e dar vida ao personagem que dança e interage com o público. O motorista de aplicativo Márcio Gomes, de 47 anos, carrega uma longa trajetória dentro do Arraial, sendo 30 deles como tripa do Boi Pavulagem. A história começou em 87, quando integrou o Boi Malhadinho como o personagem Matuto. Desde então, não deixou mais de participar da brincadeira.
Para encarar os arrastões, ele revela que segue uma rotina disciplinada: “Me preparo tomando bastante líquido, me alimentando bem. E, diariamente, antes dos arrastões, corro de 8 a 10 quilômetros”, afirma.
Ele acredita que o segredo para não sentir dores durante os eventos está na preparação física e no cuidado com o corpo. “Antes de entrar embaixo do boi, eu me aqueço, faço um alongamento. Na verdade, você tem que ter jeito para dançar, não é força”, pontua.
Entre os marcos da trajetória de sua trajetória dentro do cortejo está a participação como representante do Arraial do Pavulagem no revezamento da Tocha Olímpica, em 2016. “Até hoje guardo a roupa de lembrança. Usei uma vez só. É uma coisa que eu sinto orgulho”, lembra.
Resistência cultural nas ruas da Terra Firme
Também no domingo (22/06), o bairro da Terra Firme será palco de outra celebração. A partir das 16h, o grupo cultural do Boi Terra realiza o “Arraiá de Encerramento”, com programação que inclui carimbó, samba, xote, forró, quadrilha e a presença do boi alaranjado e florido do bairro.
Arthur Felipe Silva, de 29 anos, é o tripa responsável por dar vida ao Boi Terra. Ele conta que assumiu o papel há quatro anos, após longa admiração pelo cortejo. “Desde criança, eu já acompanhava os cortejos do bairro, muito pelo incentivo da minha irmã e do meu cunhado. Quando surgiu a oportunidade de ser tripa, eu me senti honrado. Sabia que não era apenas uma brincadeira, mas uma missão de manter viva uma tradição que atravessa gerações”, diz.
Ele enxerga o papel do tripa como algo que vai além da performance. “O boi leva coletividade, respeito e amor pela cultura. Representa a força criativa do povo, transforma algo inanimado em vida e emoção”, explica.
Para Athur, ver o boi nas ruas é uma forma de inspirar a juventude a criar e resistir. “Nossa cultura vale ouro. Ela forma identidade, coisa essencial para qualquer juventude”, acrescenta.
32 anos de tradição e mensagens sociais
Ainda na Terra Firme, o Boi Marronzinho celebra, neste domingo, 32 anos de existência com um cortejo que sai do Barracão Cultural “Seu Cici”, às 16h. Ao fim do percurso, haverá distribuição de mingau, banho-de-cheiro e apresentações musicais.
Há quatro meses, o autônomo Vagner Oliveira, de 34 anos, assumiu o papel de tripa no grupo. Ele foi convidado por uma integrante do boi, após uma apresentação em outro grupo cultural. “A gente não é um grupo, a gente é uma família. Eles me acolheram e hoje sou parte disso”, conta.
Segundo ele, o Boi Marronzinho tem como foco mensagens de preservação do meio ambiente e valorização da cultura da periferia. “A Terra Firme não tem só bandido. Tem cultura, tem boi-bumbá, tem dança, tem quadrilha. A gente mostra isso para quem está dentro e fora do bairro”, diz.
Vagner também destaca o papel educativo do grupo, que promove oficinas de artesanato, canto, confecção de bois e roupas. “Ensinamos o que está acontecendo com o meio ambiente, com o clima. E no meio dos cortejos, levamos alegria e consciência para as pessoas”, complementa.
Ele explica que cada passo de dança é pensado para comunicar algo. “Tudo é da minha cabeça. Eu crio minhas próprias coreografias, movimentos, caqueado. Às vezes, outras tripas me pedem para ensinar. É uma troca”, pontua.
O desafio, diz ele, é emocionar o público. “Ver o sorriso de uma criança, de uma senhora de idade, saber que você mudou o dia de alguém, que tirou ela de um pensamento ruim, é isso que move o meu trabalho como tripa. Como se o boi estivesse tentando falar com elas”, conta emocionado.
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