Professores inspiram o despertar da arte interior em cada pessoa
Inês Ribeiro e Neder Charone compartilham vivências sobre o ofício de ensinar arte como ferramenta de transformação social, sensibilidade e cidadania
"A arte está em nós." A frase da professora Inês Ribeiro, 63 anos, sintetiza o espírito de um trabalho construído há décadas com dedicação, afeto e resistência. À frente do tradicional Auto do Círio, que leva expressões artísticas às ruas de Belém às vésperas da maior festa religiosa do Pará, Inês é uma das vozes que reafirmam a importância da arte como força presente no cotidiano da humanidade.
Ao lado dela, o professor Neder Charone, 75 anos, nome consagrado no Carnaval de Belém, compartilha dessa mesma missão: ajudar pessoas a descobrirem a potência criadora que existe dentro de si. Para ambos, ser professor de arte no Brasil é um desafio constante — mas também uma escolha de amor, de construção de um mundo mais justo, sensível e fraterno.
A trajetória de Inês: teatro, educação e resistência
Nascida em Abaetetuba, às margens do rio Piquiarana-Açu, Inês veio para Belém nos anos 1970. Graduou-se em Pedagogia pela Universidade do Estado do Pará (Uepa) e estudou Teatro na Universidade Popular (Unipop). Iniciou sua atuação na rede pública como professora do Ensino Fundamental na Secretaria Municipal de Educação de Belém (Semec) entre 1995 e 2009.
Foi pioneira ao levar aulas de teatro às escolas municipais durante a gestão da então secretária de Educação, Therezinha Gueiros. Em seguida, passou a lecionar na Escola de Teatro e Dança da Universidade Federal do Pará (ETDUFPA), onde atua até hoje.
Inês também coordena o projeto Preamar Teatral – Arte, Educação e Cidadania, voltado para escolas públicas em áreas ribeirinhas e florestais, e integra o Museu das Infâncias na Amazônia, em parceria com o Movimento de Emaús, fundado pelo padre Bruno Sechi — a quem dedicará um espetáculo no fim deste ano, ao lado da professora Ana Unger.
Com 23 anos como docente e quase 30 como atriz, Inês mantém vínculos com a tradição dos pássaros juninos, especialmente no grupo Tem Tem, do bairro do Guamá, e atua em teatro infantojuvenil e no Auto do Círio.
“Aprendi a ler com amor, com o amor da minha tia Teca”, relembra Inês, ao destacar a importância do afeto na educação e na descoberta do próprio potencial criador.
“Todo ser humano pode ser artista”
Para Inês, toda pessoa carrega em si uma veia artística — basta ter incentivo. “O artista é aquele que transforma a realidade. Ele a observa e a representa”, diz. Desde a infância, como quando brinca de casinha ou imita um avião, o ser humano já ensaia seu olhar artístico sobre o mundo.
Ela cita Paulo Freire ao lembrar que é preciso questionar para transformar: “Sem problema, não existe criação”, pontua. Foi assim também durante a pandemia de Covid-19, quando arte e ciência se tornaram fundamentais para lidar com a crise.
Neder Charone: entre o desenho e o Carnaval
Com quase quatro décadas de docência e 45 anos dedicados ao Carnaval, o arquiteto e professor aposentado Neder Charone é outro pilar da educação artística paraense. Sua carreira começou como monitor na Faculdade de Arquitetura da UFPA, onde também lecionou no curso de Educação Artística (hoje Artes Visuais).
Fez especialização em Educação e Problemas Regionais, mestrado em Arte e doutorado em Arte Cultura, com foco nas expressões artísticas em Belém nas décadas de 70, 80 e 90. É conhecido pelo trabalho com desenho e escultura, e pela defesa da arte como linguagem fundamental da humanidade.
“O desenho é uma escrita. É uma crônica, uma poesia feita com imagens”, diz Neder, lembrando de quando, ainda criança, rabiscou o pátio recém-pintado de casa com carvão — um gesto de expressão espontânea que já apontava sua vocação.
No Carnaval, ele transforma palavras em formas visuais: figurinos, carros alegóricos, estandartes — tudo começa com um esboço, com o desenho como ponto de partida para a tridimensionalidade.
“A arte nos equilibra”
Para Neder, a arte é essencial ao ser humano porque ativa todos os universos cognitivos — coordenação, emoção, percepção, memória e criatividade. “Nós não somos loucos porque fazemos arte. A arte nos equilibra”, afirma com convicção.
Auto do Círio: arte que ocupa as ruas
Neste ano, os professores Inês Ribeiro e Neder Charone seguem firmes em mais uma edição do Auto do Círio, levando às ruas de Belém música, teatro, dança e diversas linguagens artísticas em celebração à fé e à cultura popular.
O evento acontece no próximo dia 10 de outubro, a partir das 19h, com saída da Praça do Carmo, no bairro da Cidade Velha.
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