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'Noturno': apresentando jogo de luz e sombra, Maria Bethânia canta o Brasil novamente

Uma das vozes mais marcantes do país presenteia fãs com novo disco, e em entrevista exclusiva, fala de processo de criação e pandemia

Lucas Costa
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Fora dos palcos desde o início da pandemia - a casa onde recebe todos para compartilhar sua arte da interpretação - Maria Bethânia entrega de presente aos fãs um novo disco de estúdio, “Noturno”, onde constrói uma narrativa que passeia entre o crepúsculo e a luz do dia. O disco com 12 faixas foi gravado no segundo semestre de 2020, e chega agora a todas as plataformas de música e também em formato de CD, celebrando uma das vozes brasileiras mais exuberantes da história.

Em entrevista exclusiva para O Liberal, Bethânia falou sobre como tem vivenciado o momento atual, e também sobre o processo de gravação do novo disco. Ela também confessa a vontade de voltar a Belém: "Tenho saudade desse teatro lindo de vocês”, diz.

Em “Noturno”, além de construir uma narrativa com as canções, Bethânia também dedica cada uma delas a pessoas ou grupos diferentes. A faixa que abre o álbum, “Bar da Noite”, de Bidu Reis e Haroldo Barbosa, é dedicada “para mim e meus recôncavos”; “O Sopro do Fole”, de Zeca Veloso, “para o público minha sorte e minha alegria”; seguindo com dedicação “para Maria” e também “para todo povo barranqueiro”.

“Fiz o disco e resolvi dedicar não o disco, mas cada canção, a um sentimento, a uma pessoa, a uma ideia, e foi isso o que ocorreu. Está dedicado, é definitivo”, explica.

Sem se isentar de falar da pandemia e como os brasileiros tiveram que enfrentá-la com dificuldade, Bethânia dedica “Música, Música”, de Roque Ferreira, “para os sobreviventes”. Dando voz aos versos em que diz “A vida / De novo me convida / Ao som divino de um violino / Chama pra cantar”, a intérprete faz um convite para que a vida possa retornar.

<“Gravei o disco em outubro de 2020, auge da pandemia, já muito difícil para o mundo, para o Brasil particularmente, com muita angústia, mas há uma urgência de intérprete. Eu, sem ter palco, sem poder me expressar de outra maneira, pedi que me ajeitassem uma maneira de gravar um disco”, conta ela.

Bethânia explica que parte do repertório vem de seu último show, “Claros Breus”, incluindo outras canções inéditas em sua voz. De volta ao estúdio sob rigorosos protocolos sanitários, ela também relembra a dificuldade do processo de gravação, mas destaca que todos os protocolos foram cumpridos. Bethânia confessa ainda a tristeza em ver a forma como o país atravessa a pandemia.

“Acho gravíssimo para o mundo, para um país como o Brasil, com uma população gigantesca e muito pobre, acho que é muito muito difícil. Imagino as pessoas já com as dificuldades que essa pandemia causa, e além disso as dificuldades diárias, para se alimentar, para se vestir, para morar. É muito triste, é tudo muito triste”, diz.

A voz que canta o Brasil, em favor do Brasil

Em “Noturno”, Maria Bethânia volta a pôr sua voz à disposição da sociedade. Ela interpreta “Dois de Junho”, composição de Adriana Calcanhotto sobre o triste caso da morte do menino Miguel, de 5 anos, que caiu do nono andar de um prédio de luxo em Recife (PE). A mãe trabalhava como empregada doméstica no local, e quando a fatalidade aconteceu, ela passeava com o cachorro da patroa, que teria ficado cuidando do menino.

Na canção, Bethânia volta a denunciar o caso, que completou um ano em junho de 2021 em um processo que ainda parece longe do fim. “Essa cantiga da Adriana é como uma crônica de um acontecimento trágico e violento no Brasil. É uma música muito forte, é um grito, um pedido de socorro e uma denúncia. É tudo o que se possa imaginar de dilacerante. Um menino de 5 anos, acontecer isso, no meio da pandemia porque sua mãe era obrigada a levá-lo para seu trabalho, enquanto passeava o cachorro ele morre, por descuido. É muito triste, muito dramático”, descreve Bethânia.

“A minha voz sempre esteve à disposição e pronta para cantar o sentimento do brasileiro, do meu povo, da minha região, da minha nação, do meu Brasil de dentro. E sigo nisso, nunca vou mudar. Ser intérprete é isso, se entregar ao sentimento. Me deixo à disposição para entender, sentir, e traduzir cantando”, complementa.

Com o cunho político presente, “Noturno” vai além, segundo Bethânia, não se trata de apenas uma ideia, mas de um compilado de sentimentos ali estabelecidos, complementando passeio entre luz e sombra que conceituam a obra. 

“São muitos lados, eu acho, mais do que dois, mas certamente que a caminhada é entre o escuro noturno e a luminosidade, o claro. A linda canção do Chico César [Luminosidade] e o poema do Jorge Sena [Uma Pequena Luz], com o que eu encerro o disco, de uma maneira teatral, dramática, porque sou uma cantora que gosto da dramaturgia. Não sei trabalhar somente cantando, eu preciso de algum subtexto, de alguma estrutura de teatro por trás, para ancorar e amparar a minha interpretação”, explica a cantora.

Neste jogo de luz e sombra, Bethânia também encontra uma geração de compositores contemporâneos, como o sobrinho Zeca Veloso, Tim Bernardes e Xande de Pilares. Com Xande, inclusive, ela divide os vocais de “Cria da Comunidade”. 

“Foi uma surpresa”, descreve ela sobre o encontro com esta nova geração. “Zeca me procurou e me mostrou essa canção, não que ele tenha feito para mim; ele me mostrou como uma criação dele, um momento dele, mostrou porque queria me mostrar. E eu que me apaixonei pela canção e pedi para ele que eu pudesse gravar, e ele autorizou”, conta.

“O Tim Bernardes eu sou fã, acompanho o trabalho dele[...]. Acrescento o Xande de Pilares, que têm mais tempo de estrada mas é jovem compositor. Acho neles uma contemporaneidade expressiva, forte, que me interessa”, explica.

Faz pouco mais de um mês que Bethânia completou 75 anos, data que ela não comemorou pois diz não significar muita coisa. “Não é muito minha praia”, diz ela, completando com o que acha interessante de fato sobre a maturidade.

“O que conta é  minha vontade, minha ânsia de criar, de seguir trabalhando, de cantar, de me expressar, de traduzir os sentimentos; é isso o que me interessa[...]. Lógico que comecei com 17 anos, com 75 tem um longo período, mas a maturidade também ajuda, mas sem essa coisa tão numérica, tão cronometradazinha. Acho chato. Mas não comemorei não”, conta.

Dona dos palcos, onde coleciona shows marcantes, muitos deles transformados em DVDs e CDs, Bethânia revela a ânsia em voltar a cantar ao vivo, mas entende que o momento ainda não permite. “Quero muito fazer show, pode ser o ‘Noturno’, pode ser ‘Rosa dos Ventos’, que comemora 50 anos esse ano. Agora não temos show, sabemos que infelizmente a pandemia proibiu esse tipo de expressão”, diz.

“É muito triste, é desolador ver o Brasil, ver lugares onde cantei, e tantos outros artistas estiveram, nos palcos sagrados, virarem supermercados, ou fecharem, estarem empoeirados. É muito triste ver o circo não funcionar. De todo o modo, sabe Deus. Acho que essa maldição uma hora terá fim, e se eu estiver viva, com saúde, com alegria e com vontade de realizar, farei sim. ‘Noturno’ estará certamente em meu repertório", adianta Bethânia.

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