NFT: entenda o que há por trás da nova forma de comercializar arte digital que promete revolução

O novo mercado, que já fez circular milhões de dólares em criptomoedas, pode ser a vitória dos artistas digitais, mas ainda há muito a ser descoberto sobre este novo universo

Lucas Costa
fonte

Já faz um tempo que o mundo do blockchain - aquele que envolve as transações em criptomoedas - bagunça a cabeça de muita gente com a quantidade de informação que circula por lá. Bem, desta vez esse universo atingiu em cheio o mundo das artes, e uma sigla tem prometido (e cumprido) uma espécie de revolução no mercado, principalmente no que diz respeito a obras digitais: trata-se do NFT.

A sigla NFT quer dizer Non-Fungible Token, ou token não-fungível; uma espécie de produto criptográfico único, incomparável a outro, de existência exclusiva. É a nova forma de vender arte digital pela internet, mas o conceito ainda tem gerado belas confusões, e não faltam motivos para isso.

image Recorte de 'Everydays: The First 5,000 Days', de Beeple (Beeple/Reprodução)

O NFT acabou virando notícia pelo mundo depois que uma obra do artista francês Beeple foi vendida em um leilão por US$ 69 milhões, em março deste ano. “Everydays: The First 5,000 Days" foi o primeiro NFT vendido pela famosa casa de leilões Christie’s. A obra em questão é uma compilação de 5 mil peças produzidas por Beeple, e literalmente pode ser baixada por qualquer pessoa com internet - mas isso ocorre praticamente com qualquer obra vendida por NFT.

Beeple é um artista bastante conceituado, então um valor tão alto por uma peça virtual é justificável? E se a obra, na verdade, for o famoso GIF "Nyan Cat", de Chris, vendido em NFT por US$ 590 mil? Sim, o GIF do gatinho no céu com um arco-íris, que agora tem um dono, mas ainda pode ser baixado de graça em uma rápida pesquisa.

via GIPHY

O NFT abarca basicamente qualquer produção digital - imagem, vídeo, música, postagem em rede social - mas a dualidade entre acesso e exclusividade é algo que gera desconfiança por aqui. Ao pesquisar “quadro mais caro do mundo”, é fácil chegar a “Salvator Mundi”, pintura de Leonardo da Vinci comprada por US$ 450 milhões. Ninguém questiona esse valor, já que só existe um exemplar original feito por Da Vinci, mesmo que haja uma série de imagens dele pela internet, ou até mesmo cópias físicas. O NFT bebe, de certa forma, nesse conceito.

Uma obra em NFT tem um código, único e não-fungível, e isso a torna valiosa para o mundo dos colecionadores e galeristas. Quando alguém compra uma obra em NFT, é como se estivesse levando um certificado de propriedade intelectual. Mesmo que haja uma série de cópias pela internet, no caso da arte digital é como se o comprador levasse o arquivo original.

É possível comparar o que ocorre no NFT com casos como o de “Comedian”, do italiano Maurizio Cattelan. A obra é literalmente uma banana colada a uma parede branca com uma fita adesiva prateada, e foi vendida por US$ 120 mil em 2019. Qualquer pessoa pode fazer isso, certo? Mas o comprador, detentor do certificado de propriedade intelectual, é quem tem direito sob as reproduções da obra em galerias.

Especulação: quem manda nos preços por aqui também

Como em todo mercado de arte, algo que motiva preços tão altos no NFT é a especulação. O artista visual paraense Kambô entrou no mundo dos NFTs recentemente, motivado pela novidade em relação ao mercado de arte digital, e também pela possibilidade de atingir novos públicos. Os valores altos, claro, também chamaram a atenção, mas ele explica que não dá para entrar nesse mundo esperando ganhar milhões logo de cara.

“Em relação aos valores, estão relacionados única e exclusivamente pela especulação. E nesse caso, como é um novo mundo, um outro tipo de registro, uma nova maneira de negociação. Os colecionadores e galeristas mais influentes do mundo estão botando uma grana para ter os primeiros criptoartes registrados, os registrados pelos artistas conceituados. Então, de certa forma, eles visualizam lá na ponta da lança: o primeiro criptoarte, um cripto do Beeple, um artista consagrado. Isso é muito relativo em relação à especulação. Ou a obra é muito fantástica, ou o artista já tem que ter um renome, tem que ter uma fanbase grande, um trabalho reconhecido para que se alcance esses altos valores”, explica Kambô.

O paraense, que tem na arte digital o pilar principal de seu trabalho, já tem algumas obras em NFT. A mais recente delas é “Cirio”, onde imagens da procissão religiosa são elevadas ao universo sensorial de Kambô. A obra é uma parceria com o músico Lucas Estrela e está à venda na plataforma Hicetnunc.

Kambô tem um acervo de obras digitais imenso, e não pensa em parar nos primeiros NFTs. “Pretendo continuar subindo, até como uma forma de colocar meu trabalho em evidência dentro desse novo modo de mercado, e de certa forma trilhar um caminho, mas que seja prioridade. Por hora, eu não consigo colocar isso como prioridade por conta da alta especulação das coisas”, conta.

Pouco menos de um ano para cá, a corrida pelo NFT ficou cada vez mais acirrada, e as plataformas onde esse tipo de arte é negociada têm sido cada vez mais disputadas. Há locais como o Hicetnunc, onde as vias de ingresso são mais acessíveis; mas também há plataformas como o Foundation, onde só é possível ingressar por meio de convite de outro artista, curadoria ou voto entre membros.

O paraense Ian Barreto já teve uma obra vendida pelo Foundation. Trata-se de “Fake Preacher”, arrematada por 0,20 ETH, equivalente a uma média de R$ 2,5 mil. O ilustrador digital, que carrega uma identidade ligada ao cyberpunk, vê possíveis bons frutos para a arte digital no NFT, mas acha que ainda faltam alguns passos para cantar vitória.

“Ainda acho cedo pra dizer que é uma vitória para a categoria, já que nem todos os artistas estão por dentro do assunto e muitos ainda não entendem como esse mercado funciona e possuem alguns preconceitos. Mas para mim, pessoalmente falando, até o momento tem sido uma vitória”, conta.

image 'Fake Precher', obra de Ian Barreto vendida em NFT por R$ 2,5 mil (Ian Barreto)

Essa dificuldade de acesso ao mundo do NFT se dá por uma somatória de fatores, que vão desde a novidade sobre o mundo dos blockchains, até a necessidade de investir um dinheiro para ter os primeiros NFTs disponibilizados em uma plataforma; mas Ian explica que a pesquisa resolve.

“Não é difícil entrar na rede, se você procurar entender antes como tudo funciona. Fiquei semanas estudando como cada coisa funciona antes de experimentar, então se você não fizer uma boa pesquisa antes, vai encontrar dificuldades. E sim, acho que quanto mais gente entrar, melhor, pois assim acredito que o mercado aos poucos irá se estabilizar, o nível das artes criadas aumenta e os colecionadores irão escolher melhor o que vão comprar”, avalia.

image Obra da série 'MechMasks', de Ian Barreto, vendida pelo Hicetnunk (Ian Barreto)

Ainda é preciso manter os olhos abertos

Mas há quem discorde que o mundo dos NFTs é apenas uma maravilha para os artistas digitais. O artista visual e designer Filipe Almeida, que tem na arte digital um dos principais pilateres de seu trabalho, acredita que tanto dinheiro investido na novidade pode abrir margem para encobrir crimes, e acha que o NFT difere das práticas do mercado de arte tradicional nesse caso. 

“Acredito que tem gente muito rica que aparentemente gosta de colocar dinheiro na parede de casa. Por vezes não há nenhuma ligação especial com a peça, no mercado de arte mais amplo os valores são balizados pelo artista como marca: a circulação dele, o valor das obras dele no mercado[...]. Adquirir uma obra vira um investimento a longo prazo, que pode ser comercializada ou leiloada no futuro quando o nome/marca desse artista estiver em alta”, explica Filipe.

image 'Chegança', obra de Filipe Almeida (Filipe Almeida)

Se por um lado a vitória dos artistas digitais pode ser comemorada, pois passam a ter seus trabalhos tão valorizados quanto arte tradicional; por outro, tanto dinheiro investido em itens como a primeira publicação feita pelo criador do Twitter na rede social, ainda soa um tanto ambígua.

“Para além disso, existe algo que poucas pessoas falam a respeito do mercado de arte: porque pagar valores exorbitantes em determinados trabalhos? A resposta pode ser simples: lavagem de dinheiro. Quando vemos, por exemplo, tendências como essas do NFT, e ficamos ligados que a comercialização é feita em criptomoedas, é importante lembrar que cripto moedas também são dinheiro. Pense também, melhor do que você dispor de uma galeria pessoal, climatizada e desumidificada, e que pode ser assaltada; melhor é ter a sua peça de arte num HD, o custo de manutenção é zero”, defende.

Entre no nosso grupo de notícias no WhatsApp e Telegram 📱
Cultura
.
Ícone cancelar

Desculpe pela interrupção. Detectamos que você possui um bloqueador de anúncios ativo!

Oferecemos notícia e informação de graça, mas produzir conteúdo de qualidade não é.

Os anúncios são uma forma de garantir a receita do portal e o pagamento dos profissionais envolvidos.

Por favor, desative ou remova o bloqueador de anúncios do seu navegador para continuar sua navegação sem interrupções. Obrigado!

ÚLTIMAS EM CULTURA

MAIS LIDAS EM CULTURA