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EXCLUSIVO: Arthur Nogueira escreve sobre a partida de Antonio Cicero; 'Valeu'

"Com quase 45 anos de diferença de idade, em muitos momentos eu me senti mais velho que o Cicero", revela Arthur Nogueira

Arthur Nogueira
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Na primeira manhã do mundo sem Antonio Cicero, meu gato veio se deitar perto de mim, olhei para ele e não vi a morte. Seu olhar é só presente. O passado e o futuro são só meus. Fico pensando que, não por acaso, meu amigo adorava os gatos, teve alguns e lhes deu sempre o mesmo nome: Otto.

Com quase 45 anos de diferença de idade, em muitos momentos eu me senti mais velho que o Cicero. Ele gostava de contar histórias, mas preferia vivê-las. Eu nunca conheci alguém tão entregue ao presente, sem medo nem esperança. “O amor odeia indolentes”, escreveu Ovídio, e Cicero foi pura poesia, no sentido grego da palavra, que pressupõe ação. Ele dizia que a filosofia era mais urgente, porém seu grande amor era a poesia, à qual sonhava poder se dedicar exclusivamente até o fim.

Por isso, mais difícil do que a notícia do suicídio assistido, foi o dia em que soube do diagnóstico de Alzheimer. A morte do corpo é menos cruel do que a morte da razão, sobretudo para um arauto da lucidez e da justiça. Diante de um desfecho de coerência inabalável, no primeiro momento eu não me senti triste, mas inspirado por sua dignidade e orgulhoso de sua coragem. Só que “a morte cai do azul”, nunca estamos prontos para ela e, depois, para os que ficam, resta a consciência do vazio sufocante, do silêncio devastador.

Eu sei que Cicero lutou para que nossa amizade fosse maior que todos os abismos que nos separavam. “Nem eu entendo direito como nos tornamos tão próximos”, ele me disse no Bar Lagoa, em uma das nossas últimas noites cariocas. Também não entendo, mas foi assim. E não tenho palavras para agradecer-lhe. Valeu.

A vida era menos sufocante quando, a qualquer momento, Antonio Cicero poderia me mandar um e-mail ou ligar para dizer um poema. Não sou capaz, neste momento, de imaginar ao certo como será a minha existência sem ele. Mas, se o corpo está morto, só me resta viver, para que seu espírito permaneça em minha memória. Salve musas, salve razão!

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