'Estão atrasados para descobrir a cultura da Amazônia', diz Edyr Augusto Proença, autor de 'Pssica'

Autor paraense celebra o sucesso da minissérie baseada no romance dele e não para de criar e viver a arte produzida na região

Eduardo Rocha

Em um apartamento de um prédio simples no bairro do Marco, em Belém, mora o escritor paraense Edyr Augusto Proença, 71 anos, autor do livro que inspirou a minissérie "Pssica", ambientada no Pará, na Amazônia, e sucesso dentro e fora do Brasil. A sala tem as paredes forradas de livros e objetos de memória afetiva de Edyr (máquinas de escrever e fotos, por exemplo), duas mesas, cadeiras de madeira (daquele tipo antigo usado em escolas) e uma poltrona hitchcockiana aconchegante. Esse ambiente remete, então, o visitante aos cenários de filmes noir (clássicos de detetive na literatura e no cinema), onde as tramas começam a envolver leitores. Sobre esse autor, pode-se dizer que ele mergulha em imagens e palavras, e palavras e imagens tomam conta dele, a qualquer hora do dia, a ponto de daí surgirem retratos multifacetados de uma nova realidade que assusta os menos avisados, pela semelhança com a vida real de todo dia e pela linguagem forte, rápida e rebuscada do escritor. Para o morador desse apartamento, de onde saiu "Pssica", tem muito mais.

Entre os livros no apartamento, Edyr bate um papo com a Reportagem do Grupo Liberal sobre como é ser escritor e também ser escrito pelo que encontra na vida. Acerca do sucesso da minissérie, ele destaca que se deve dar um crédito imenso à O2 Filmes, empresa do cineasta Fernando Meirelles, e ao filho dele, Kiko Meirelles, "pelo trabalho deles, magnífico, sensacional". Destaca ainda o trabalho de Bráulio Mantovani, um dos roteiristas, com o roteiro genial sendo um dos segredos da produção. Enaltece a Netflix, que distribui a série para 190 países.

"Então, é uma coisa muito forte, que toma conta dos ares. Ela é quarto lugar na França, é o segundo lugar em países de fala inglesa. Aqui, no Brasil, ela suplantou o 'Wandinha', uma série enorme, produção gigantesca americana. De modo que, contando com todos esses elementos, né?, eu acho que tinha tudo para fazer sucesso e, graças a Deus, está fazendo", diz.

Por trás desse sucesso todo, tem o fato de que, por dois anos, Edyr colecionou notícias de jornais de Belém acerca de tráfico de escravas brancas e também sobre ratos-d’água. Esse tráfico, como pontua o autor, ocorre no mundo todo, mas ele se reportou ao que se dá em Belém, por a capital do Pará sempre ser o cenário de todos os seus livros.

image Edyr Augusto Proença: mundo de livros para ler e reler o mundo, a partir da Amazônia (Foto: Wagner Santana / O Liberal)

"Um dia, um amigo meu de trabalho me mostrou no celular uma cena de dois jovens namorando. Eu disse: 'E aí, o que que tem?' Ele disse: 'A menina é muito linda e tal, só que ela brigou com o namorado, e o namorado botou nas redes sociais eles fazendo sexo. Um dia, ela foi para a escola, chegou lá e todo mundo ria da cara dela e tal. E aí, o pai deu uma surra nela e mandou para a casa de uma tia, até baixar a poeira, né?'. E aí, eu disse: 'Opa! Eu acho que eu tenho o começo do meu livro, né? Eu precisava de uma heroína, e aí comecei a misturar essa coisa do tráfico de escravas branca com a ação dos ratos d´água.", conta Edyr.

Ele celebra o fato de a minissérie ter sido gravada em Belém, para se ter "um registro da nossa cidade", assim como faz nos livros dele. O romance "Pssica" saiu em 2015, e com esse título próprio da linguagem paraense, amazônida, semelhante ao romance "Os Éguas", nos anos 1990, primeiro romance de Edyr. Na época, uma livraria chegou a ligar para a editora Boitempo, que lança os livros de Edyr, para dizer que havia um erro grave na capa e que o título deveria ser "As Éguas". Assim, nesse contexto, Edyr escolheu "Pssica", por considerar interessante, ser uma palavra sonora e com vários sentidos a descobrir, como frisa o autor.

O sucesso de "Pssica", na avaliação de Edyr, indica haver um patrimônio artístico imenso a ser descoberto na Amazônia. "Nós sempre fomos insulares, separados daquela turma (eixo sul-sudeste do Brasil), nós sempre tivemos que dar o nosso jeito. Então, tudo o que é feito aqui, no Pará, é brilhante, é muito bom, como também é muito diferente daquilo que se faz ali, no sudeste. Nossa música é diferente, nossa literatura é diferente, nosso teatro, linguagem. Nós temos muita coisa para mostrar para o Brasil todo, muita coisa, e eu posso dizer o seguinte: 'Tá todo mundo atrasado, nós já somos há um bocado de tempo muito bons. Temos muita excelência e precisamos desse olhar da grande mídia para cá para descobrir que aqui tem uma mina de ouro".

No meio de tudo

A relação de Edyr Augusto Proença com as artes começou cedo. Aos 16 anos, ele fez, junto com o irmão Janjo Proença, a primeira peça,  “O Boto Andrógino”, uma irreverência com a lenda do amante amazônico, e não parou mais: 37 peças, quatro livros de poesia, quatro de crônicas, um livro com texto de teatro e sete romances.

Edyr é dramaturgo, poeta, cronista (por força do jornalismo) e romancista. Sempre mergulhou fundo no que observa no mundo: no teatro, universo do rock, na poesia, marginal, no jornalismo, no mundo do rádio, na literatura, na cultura amazônica. As obras dele nascem “no caos”, como diz, e ele sempre espera por um começo sem saber como vai terminar.  “Essa é a delícia de escrever, você não sabe o que vai acontecer”, pontua. 

Nesse clima de criação, Edyr revela que o interesse pelo romance policial e outros voos dele vêm do teatro, arte em que se aprende a escrever, com diálogos rápidos, além de ser um leitor voraz. “Minha mulher (a atriz Zê Charone) diz que eu sou hóspede de uma biblioteca.  São cinco irmãos (Edyr, Edgar, Janjo, Ana Carolina e Celina), e, fora Edyr, todos sempre tocaram algum instrumento musical. Mas, ele é o único que faz música. Compôs 150 jingles comerciais e faz trilhas sonoras para peças de teatro, fora as parcerias com o pai, o saudoso radialista e compositor Edyr Proença. Edyr é filho de Celeste Proença, professora e compositora.

Ser diretor do Theatro da Paz é uma enorme responsabilidade e honra para Edyr. Isso pelo zelo com essa casa centenária, por o avô dele (Edgar Proença, que dá nome ao estádio Mangueirão) ter sido diretor do Theatro e pela sua relação com a arte teatral. 

“A escrita se dá a qualquer momento. Você tem um tempo livre, você está com aquilo na cabeça, vai lá e faz”, diz Edyr. Esse autor tem dois trunfos. “A minha maior qualidade é ser curioso. Se você tirar a curiosidade da minha vida, eu sou um homem morto. A outra qualidade é a observação". Com essas duas ferramentas, Edyr cria personagens e cenas surpreendentes que mostram ao mundo um pouco do talento amazônico. Talento que não se acaba, como as imagens e palavras. 

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