Domínio público no Brasil, somente 70 anos após o falecimento do autor

Caso da perda de exclusividade da Disney sobre a versão original do Mickey, nos EUA, desperta a atenção sobre o tema.

Enize Vidigal
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A notícia de que a primeira versão do Mickey, Steamboat Willie, vai cair em domínio público a partir de 2024, agita o mundo do entretenimento. A Disney perderá o direito de exclusividade sobre a versão original do personagem 95 anos após ter sido criada. No Brasil, o direito autoral com efeito patrimonial cai por terra após 70 anos a contar do dia 1º de janeiro do ano subsequente ao falecimento do autor ou, no caso de obras coletivas, no mesmo prazo da morte do último autor. Com isso, por exemplo, as obras solo do maestro paraense Waldemar Henrique, falecido em 29 de março de 1995, e as que tiverem parceiros falecidos antes dele, cairão em domínio público em 1º de janeiro de 2066, segundo a União Brasileira de Compositores (UBC).

O direito autoral no Brasil é regido pela Lei 9.610/98. As obras intelectuais, amparadas pela lei, “são todas aquelas que protegem a criação do espírito expressa por qualquer meio ou fixada por qualquer suporte tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro”, explica a advogada Lívia Donza Barroso, especialista em Direito Constitucional e em Patentes, Marcas, Desenhos Industriais e Indicações Geográficas, mestranda em Propriedade Intelectual e Transferência de Tecnologia para Inovação e consultora do Sebrae e do Parque Tecnológico do Guamá.

“Isso engloba o universo de invenções, como obras literárias, artísticas, composições musicais, obras coreográficas, obras dramáticas, programas de computador, coletâneas ou compilações, antologias, enciclopédias, dicionário, as adaptações, traduções, cenografia, projetos, esboços, obras plásticas, obras de engenharia e de arquitetura, projetos de topografia, obras fotográficas e cinematográficas... enfim, o universo que o intelecto possa vir a desenvolver com a sua criatividade”, esmiuça.

O escritor paraense Alfredo Garcia observa que os autores dificilmente conseguem auferir lucro da sua arte em vida. “Já tenho uma estrada de quase 40 anos como escritor com 61 livros publicados. A título de direitos autorais, apenas 10% do preço de capa de cada livro é do autor. Isso é irrisório! Em literatura, como em qualquer outra arte, você cria uma obra que acaba te perpetuando, mas quem vai auferir lucro provavelmente serão os filhos, mas, certamente, os meus netos”, destaca. O artista já está declarando um dos filhos como curador literário.

Dentro do prazo dos 70 anos, está em vigor o direito autoral patrimonial e, consequentemente, a monetização do autor é obrigatória. A exceção fica por conta dos autores que não possuírem herdeiros, que entram em domínio público antes do prazo. Mas, mesmo sem direito autoral patrimonial, Lívia explica que não se extingue o “direito moral” de ser mencionado como autor da obra. “Independente do lapso temporal sobre o domínio público de um direito patrimonial, de uma obra autoral, não se pode reproduzir a obra de qualquer maneira. Plagiar é um ilícito mesmo que a obra esteja em domínio público”.

E o que dizer das criações surgidas nos interiores ou nas periferias, como as canções populares, sem registro autoral? A advogada explica que o registro autoral não é obrigatório no Brasil, mas a autoria precisa ser comprovada em casos de litigância. Por isso, registrar a autoria é importante.

Exemplos da MPB

O gerente do setor Artístico & Repertório da UBC, Chico Ribeiro, detalha que artistas como o autor da ópera “Il Guarany”, maestro Carlos Gomes, falecido em Belém em 1896, está com as obras em domínio público desde 1º de janeiro de 1997. Enquanto as obras de Chiquinha Gonzaga, autora da marchinha “Ô Abre Alas”, e Noel Rosa, de “Com Que Roupa?”, falecidos em 1935 e 1937, respectivamente, estão na mesma condição, quando se referir a composições feitas com parceiros falecidos a menos de 70 anos.

“Uma obra em regime de domínio público pode, de acordo com a lei vigente, ser arranjada/adaptada, ou seja, alguém pode efetuar um cadastro e se equipar a autor (chamado AD, que significar autor arranjador/adaptador)”, explica Ribeiro, referindo-se à obras musicais. Ele exemplifica com o caso da música “Três Apitos”, de autoria original de Noel Rosa, que já está em domínio público: “Essa obra foi arranjada e adaptada pelo Martinho da Vila e Rildo Hora. O Noel Rosa consta com a menção de compositor-autor (CA) para se respeitar o direito moral dessa obra, que é imprescritível, e com o percentual de 0,0% (de arrecadação de direito autoral)... e o Martinho da Vila e Rildo Hora por serem seus arranjadores/adaptadores e as respectivas editoras musicais ficaram com o percentual de 100%”.

Outro exemplo dado por Chico Ribeiro é sobre a canção “Pierrot Apaixonado”, de Noel Rosa com Heitor dos Prazeres. O parceiro do sambista de Vila Isabel faleceu em 4 de outubro de 1966 e, por isso, essa obra só entrará em domínio público em 1º de janeiro de 2037.

“Quando uma obra está em regime de domínio público, o plágio é muito difícil. Só poderia acontecer se alguém pegasse uma obra fizesse uma letra original e um outro produtor fonográfico aproveitasse essa letra (ou parte dela), gravasse e cadastrasse como sendo de sua autoria. Mas se fosse gravada uma letra tradicionalmente gravada, como é o caso de ‘Jingle Bells’, e todos gravam a mesma letra, não haveria possibilidade de se alegar plagio. A livre inspiração é permitida, desde que não tenha conteúdo ofensivo”.

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