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Brincar com características físicas e fatos históricos não é fantasia

Ativistas fazem reflexão sobre as escolhas de fantasias para o carnaval

Bruna Lima

Todos os anos o período do carnaval traz uma questão pertinente para o centro do debate: as fantasias que as pessoas escolhem usar e desfilar na avenida. E para entender um pouco sobre essa questão, a reportagem conversou com representantes da comunidade negra e indigena para falar sobre a falta de respeito que é brincar na folia levantando a bandeira do preconceito.

Gabriel Conrado, que é Mestrando em Ciência Política e produtor de conteúdo, explica que para entender o que deve ou não ser usado como fantasia no carnaval é necessário, antes de qualquer coisa, entender o que é fantasia. 

"A definição de fantasia é algo ficcional, imaginado, fantástico, ou seja, nada que corresponda a uma realidade ou verídico. O que acontece no carnaval e em outros eventos "a fantasia" é a mimetização de pessoas e geralmente com intuito de ser engraçado e/ou hipersexualizado. E essa prática teve início em 1830, nos EUA, quando foram criados os black faces, que eram pessoas brancas interpretando pessoas negras em peças de teatro. Essas pessoas brancas se pintavam de preto, exageravam nas características física como boca, cabelos bagunçados e faziam interpretações de negros como se fossem burros, com algum problema mental, bêbados ou até assediadores das mulheres brancas. E isso durou anos, foi reproduzido em filmes da Disney, cinema e desenhos animados", destaca Gabriel.

O produtor de conteúdo completa que essa prática continua até hoje com pessoas se fantasiando de "nega maluca", utilizando perucas black power, se pintando de preto, tratando características físicas como algo engraçado e cômico. 

"As características físicas ou culturais de qualquer pessoa, etnia, não são algo fictício, fantasio, que não existe. Esses elementos que são utilizados como fantasias têm um significado religioso, cultural ou de uma luta de resistência. O black power, por exemplo, foi símbolo, e é símbolo de resistência da população negra que por muito tempo teve seus cabelos cortados por uma questão de aculturação, para que pessoas de uma mesma etnia que estavam sendo escravizada não se reconhecesse, depois foi sinônimo de sujeira, desleixo, de feio. O movimento negro ressignificou o black power e o transformou em um símbolo de resistência a esse racismo", completa.

image Ativistas fazem reflexão sobre temas de fantasias para o carnaval (Divulgação)

Gabriel Conrado reforça que a reflexão sobre o uso desse tipo de fantasia não é questão de politicamente correto, é questão de respeito, de entender que o sujeito negro não é algo fantasio, é um ser que existe. "Quando se trata de se fantasiar de algo que remete a um fator histórico como a escravidão, ou um assassino como Jeffrey Dhamer, que matou homens negros gays nos EUA, isso se torna desrespeitoso com a dor do outro e transforma em chacota um evento ou pessoa que matou, feriu e/ou desumanizou o outro. Da mesma maneira que se repudia alguém fantasiado de Hitler, ou de Judeu em campo de concentração, as pessoas precisam repudiar e parar de achar que está tudo bem", reforça.

Os indígenas também são alvos desse tipo de violência no carnaval. Por isso, a escritora, poeta e doutoranda em estudos linguísticos pela UFPA, Marcia Kambeba, diz que sempre que se aproxima o carnaval escreve um poema decolonial buscando contribuir com esse entendimento de não se ver a cultura indígena ou mesmo o " ser indígena" como um tema de carnaval. 

"Temos que respeitar a cultura e a identidade uns dos outros. Como escritora e ativista indigena, e afirmo minha identidade Kambeba, busco fortalecer junto com meus parentes e parentas a luta por meio da literatura educacional. O cocar é elemento sagrado e ancestral. Para nós povos Indígenas ele tem espírito, pois é feito utilizando a pena das aves que simbolizam a liberdade de viver em sintonia e comunhão com a natureza, numa relação intrínseca, sentindo essa espiritualidade todos os dias numa convivência harmônica do bem - viver", explica a indígena.

Kambeba esclarece que cada povo tem sua forma de confeccionar o cocar e essa singularidade contribui para a identificação. " Ele serve para identificar a posição social de cada indivíduo na sua aldeia. O cacique usa um tipo de cocar que ao vê-lo já se sabe que ele é uma liderança política. O pajé tem seu cocar que também o identifica como líder espiritual de um povo. Meu povo Kambeba, por exemplo, não usa cocar de penas grandes, usamos penas pequenas de arara e essa característica nos representa diante de outros povos", detalha.

Em meio à discussão, um ponto importante abordado por Kambeba é com relação a comercialização de cocar. "Muitas pessoas me perguntam, mas tem indígenas comercializando cocar. O que você pensa sobre isso? Respondo: ora, a cidade nos fez ser capitalistas.  Sem a moeda do real a gente passa fome. Eles vendem, é verdade, para sobreviver, agora vai da pessoa que compra a consciência de que não está comprando uma fantasia e sim um elemento de identidade e pertencimento cultural, sagrado e memorial", pontua.

 

 

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