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Por Marco Antônio Moreira

Coluna assinada pelo presidente da Associação dos Críticos de Cinema do Pará (ACCPA), membro-fundador da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (ABRACCINE) e membro da Academia Paraense de Ciências (APC). Doutor em Artes pelo PPGARTES/UFPA; Mestre em Artes pela UFPA. Professor de Cinema em várias instituições de ensino, coordenador-geral do Centro de Estudos Cinematográficos (CEC), crítico de cinema e pesquisador.

Jean-Luc Godard: “Ao Contrário”

Marco Antonio Moreira
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O falecimento do cineasta Jean-Luc Godard esta semana foi uma noticia triste para o Cinema e seus admiradores. Desde o final dos anos 1950, quando ele iniciou sua trajetória como cineasta, Godard demonstrou em cada filme realizado um intenso amor pela sétima arte. Esse amor pelo Cinema se expressava em um desejo selvagem de pensar e fazer filmes fora do senso comum cinematográfico buscando novas possibilidades de se fazer um filme e contribuir com outros pensamentos sobre a linguagem cinematográfica. Sua constante coragem em pensar o cinema de modo diferenciado gerou filmes que surpreenderam críticos e estudiosos de cinema que, em sua maioria, sempre esperavam com ansiedade suas novas produções, pois sua postura como artista demonstrava que seu talento estava conectado com um profundo interesse pela inovação, provocação e, muitas vezes polêmica.

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Desde seu primeiro filme, a obra prima Acossado (1959), era perceptível que crítica e público estavam diante de um artista que buscava descobrir caminhos para o cinema que ainda não tinham sido pensados. Godard refletia em seus trabalhos uma busca pela criação artística inovadora a partir das inventividades na utilização dos elementos da linguagem cinematográfica. A montagem, fotografia, som, música, iluminação, narrativa, figurinos e cenografia em seus filmes sempre apareciam de modo radicalmente oposto aos clichês exaustivamente usados pela maioria dos cineastas, especialmente em Hollywood. Ele sugeria ao espectador que procurasse uma diferente percepção dos seus filmes, e por consequência, do Cinema. Não era possível assistir um filme de Godard como se fosse um filme clichê de narrativa convencional. Ele convencia o espectador a sair da sua zona de conforto e pensar e sentir de outras maneiras suas propostas fílmicas. Uma frase de Godard resume esta proposta: “Uma história deve ter início, meio e fim, mas não necessariamente nesta ordem”.

É evidente que, infelizmente, propostas fílmicas corajosas sobre o Cinema tornaram Godard um cineasta pouco popular. O público, muitas vezes, sem assistir seus trabalhos, o rotulava como um artista complexo demais para ser acompanhado e admirado. Felizmente, apesar da distância da maioria do público, ele seguiu sua vocação revolucionária e realizou obras que, progressivamente impulsionaram o Cinema para outros caminhos de realização. Seus filmes influenciaram diversos diretores, geraram análises fílmicas vinculadas a outras áreas de estudo como a filosofia e sinalizaram que o Cinema, como ele dizia, ainda estava em uma fase inicial de suas possibilidades artísticas.

Sua inquietação como cineasta me provocou novas percepções sobre a sétima arte. Lembro-me que quando assisti Week End (1967), fiquei completamente surpreendido. Foi incrível presenciar uma obra tão audaciosa e corajosa que rompia com as barreiras tradicionais da estética cinematográfica. Desde que assisti Week End (1967), ainda adolescente, procurei acompanhar e entender sua obra com atenção, respeito e admiração. Percebi diversas fases na sua carreira como cineasta e entendia suas mudanças e distintas posturas artísticas que geraram produções surpreendentes na fase da Nouvelle Vague (movimento que ele criou ao lado de outros geniais cineastas como François Truffaut e Jacques Rivette) como O Demônio das 11 Horas (1965), no período dos filmes políticos como A Chinesa (1967), na época da busca de outros olhares fílmicos como em Salve-se quem puder (A Vida) (1980) e na sua fase mais radical de (re) criação estética com filmes como Adeus a Linguagem (2014) e Imagem e Palavra (2018).

Com 91 anos, e jovem no seu pensamento cinematográfico, Godard demonstrava força e disposição para realizar outros filmes. Ele declarou, recentemente, que dirigiria mais dois filmes e, posteriormente, se aposentaria do cinema. Mas, ele decidiu que era sua hora de partir. No seu epitáfio está escrito uma frase que ele escolheu: “Au Contraire” (ao contrário). Como diria meu irmão Alex, fã de Godard, é “bem Godard” deixar essa frase como símbolo de uma vida artística que procurou ser contrária a qualquer tipo de limitação artística. Agora, Jean-Luc Godard é imortal. Ele deixou a vida para ficar eterno em cada filme que pensou e realizou em uma carreira brilhante e extremamente significativa. Godard sempre será uma referência do que espero do Cinema: uma arte inovadora, corajosa e audaciosa!

Ele realizou mais de 40 longas-metragens durante 70 anos de carreira, além de vários curtas-metragens, documentários experimentais, vídeos e ensaios cinematográficos. Godard nos mostrou que o Cinema pode e deve ter outras perspectivas artísticas de realização e reflexão por meio de uma carreira brilhante e inspiradora. Um gênio do cinema! Agradeço a Godard pelas obras que ele deixou para nós, cinéfilos, e particularmente, pelo incentivo a minha cinefilia ao entender que o Cinema pode e deve nos surpreender, sempre! Espero que seu trabalho seja estudado e reconhecido com profundidade nos próximos anos como uma homenagem ao seu talento, amor e respeito pelo Cinema!

Dedico este artigo aos godardianos Alex (meu irmão), Luzia Álvares, Vicente Cecim e José Otávio Pinto.

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