Sem-tetos vivem entre a vida e a morte

Rotina de quem mora nas ruas é de dificuldades e medo

Eduardo Rocha

Em geral, as ruas de uma cidade são espaços para as pessoas se locomoverem, seguirem para algum destino. Mas, e quando pessoas moram nas ruas e se movimentam em busca de um destino melhor a cada dia? É o caso de moradores de rua, em particular em Belém. O dia nasce e eles comemoram estar vivos, porque a noite é sempre temerosa, como relatam, por causa do medo de serem assassinados por milicianos, por causa de discussões entre os próprios moradores de rua e outros motivos. No bairro do Mooca, em São Paulo, um morador de rua teve o seu corpo queimado e acabou morrendo no dia 6 deste mês. A noite vem e eles comemoram, porque venceram mais um dia entre carros, sol forte, chuva, fome, sede e outros obstáculos. Nas ruas é que moram, por razões diversas, e encontram a esperança na solidariedade de pessoas e grupos que levam alimentos e mensagens de amor e fé até esses homens, mulheres e crianças que transformam vias em casas. É o caso de "Lourinho", 35 anos, que mora no começo da avenida Governador José Malcher, a partir da Almirante Barroso, no bairro de São Brás.

Todas as noites "Lourinho" (ele não quis revelar o nome) monta a cama dele sob a marquise de um prédio, valendo-se de pedaços de papelão e uma mochila que ele cobre com esse material para transformá-la em travesseiro. "A droga me trouxe para a rua", relata, informando está nas ruas há cinco anos. A dependência química começou há 20 anos, e ele já esteve em clínicas de reabilitação por 12 vezes, sem se superar o uso de entorpecentes. A família de "Lourinho" mora no bairro da Terra Firme, mas ele leva a vida sozinho. "Eu acordo às 6 horas e vou daqui (de São Brás) a pé para o Ver-o-Peso, onde faço carreto de gelo e de peixe e tiro o meu sustento", conta.

Quando tem sede, esse morador de rua pede nas casas e hotéis e segue seu caminho. "A gente tem medo mesmo quando vai dormir à noite; na verdade, a gente não dorme, passa a noite", destaca. Ele relata que moradores de rua têm receio de serem confundidos com assaltantes e serem mortos.

"Lar"

O que não falta nas ruas são histórias de quem vive nela. Como a do casal Diego Richard Castro, 35 anos, natural de Manaus (AM), há três anos em Belém, e Nicole Magalhães, 20 anos, com o filho de um ano, idade completada em 1º de janeiro de 2020. Diego mora em Belém há três anos. "Nós pagamos R$ 30,00 por um quarto aqui, na Riachuelo com a 1º de Março; quando a gente não tem dinheiro suficiente, ela vai para a casa da mãe dela e eu me viro, durmo aqui, mesmo, na escada dos Correios (na avenida Presidente Vargas)", revela Diego. Ele também constata que dormir à noite é algo complicado para quem mora na rua.

É no final da noite, por volta das 23 horas, que a família vai para o quarto, que nem sempre é o mesmo. Antes de irem para a "casa", pais e filho se alimentam a partir das doações de transeuntes e da ação de grupos de apoio que percorrem a cidade ajudando moradores de rua. Diego envolveu-se com o consumo de droga ainda em Manaus e, então, perdeu o vínculo familiar. Ele veio para Belém a fim de tentar a vida, como diz. Na capital paraense, Diego, que vende acessórios para celular, encontrou Nicole, que morava em Ananindeua. Ela passou, então, a morar na rua com o homem. Estão juntos há dois anos. Ele tem curso de vigilante, e ela, cursos técnicos de atendente de Farmácia, de administração e de informática. O casal pede ajuda para comprar passagens de barco para Manaus.

Não distante dos Correios fica a calçada das Lojas Americanas, perto do Cine Olympia, na avenida Presidente Vargas. Ali, todas as noites, moradores de rua juntam-se para dormir, não sem antes aguardar pela chegada de pessoas e grupos de apoio que levam comida para eles. Entre os moradores no local está Rosileide Santos, 50 anos, uma artesã alagoana. "A gente tem medo de tudo, de que tirem a gente daqui, de agressões, do preconceito que é muito forte, da fome, do frio", afirma Rosileide, conhecida como "Lêu", há um ano em Belém. Ela já circulou pelo Brasil todo. "Eu gosto de ser hippie; amo o que faço", reitera.

Daniel, 36 anos, é flanelhinha. Mora na rua desde 2019. Ele foi para as ruas desde que perdeu o emprego de cartorário e também os pais. "Tem gente que não dá nem bom dia para a gente; mas, tem gente que dá pão para a gente tomar café", ressalta.

Luz

Toda segunda-feira, às 20h30, moradores de rua concentram-se no coreto da Praça da República, em frente ao Cinema Olympia. É lá que o Grupo Luz no Mundo, da Comunidade Evangélica Vinho Novo, do bairro de São Brás, leva alimentos, como bolos, sopa de macarrão, sucos e água a quem mora naquela área do centro de Belém. Além da refeição, o grupo leva a Palavra de Deus, como ocorreu no dia 6, primeira segunda-feira de 2020, quando todos oraram e debateram acerca do ensinamento de Jesus Cristo de ir ao encontro de quem mais precisa de ajuda.

"A Igreja vai até quem não tem forças para ir até ela", destaca o coordenador Fernando Gillet, analista de sistemas. O Luz no Mundo atua há quatro anos, desde 24 de dezembro de 2015. Desde 2018, o coreto passou a ser sede da distribuição dos alimentos, funcionando sempre como uma Igreja, como pontuou Gillet. O apoio dos voluntários tem contribuído para mudar a vida de alguns dos moradores de rua. "O que eu vou responder a Jesus, no último dia da minha vida, sobre o que fiz por Ele?", expressa-se Fernando Gillet, sintetizando a intenção de servir aos moradores de rua em Belém.

Atendimento

Em Nota, a Prefeitura de Belém informa: "A Prefeitura Municipal de Belém, por ações da Fundação Papa João XXIII, atende atualmente cerca de 520 pessoas em situação de rua por meio de quatro espaços de média e alta complexidade, respectivamente, os dois Centros de Referência Especializado para População em Situação de Rua (Centro Pop) e as duas Casas Abrigo de Moradores de Rua, esses últimos sendo destinados a homens e famílias.

O trabalho psicopedagógico da equipe da Funpapa está direcionado a expedir novos documentos aos atendidos e esclarecer as causas do afastamento do convívio familiar. Além disso, a Fundação atua ainda para o restabelecimento dos vínculos de parentesco e para a autonomia das pessoas em situação de rua".

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