Trânsito de Belém: desorganização atinge meio milhão de veículos nas ruas

Falta de investimentos no sistema de transporte de ônibus gera aumenta de carros e motos nas vias. Especialista aponta saídas para os congestionamentos constantes

Eduardo Rocha

A cada ano, aumenta a frota de veículos em Belém e não tem havido investimentos estruturais que modifiquem o trânsito na cidade. Resultado: os belenenses enfrentam trânsito caótico que se apresenta lento em corredores de tráfego da cidade, ao longo do dia, e registra congestionamentos em diversos pontos, nos horários de pico. Isso sem falar que quando algum evento, acidente ou mesmo obras são verificados no perímetro urbano, aí tudo fica mesmo congestionado de veículos. Com uma frota geral de mais de 520 mil veículos, o trânsito de Belém tem saída ou não? De acordo com a pesquisadora e professora da Universidade Federal do Pará (UFPA), Patrícia Bittencourt Neves, sim, desde que sejam concretizadas medidas estruturais, a começar por investimentos no transporte público por ônibus.

Segundo levantamento do Departamento de Trânsito do Estado (Detran), é verificado um aumento na frota de veículos em Belém nos últimos quatro anos e meio. Assim, em 2019, eram 466.217 veículos; em 2020, 482.970 veículos; em 2021, 494.393 veículos; em 2022, 508.136 veículos e, em 2023 (até agosto), são 521.956 veículos.

image Trânsito desorganizado afeta a vida de belenenses, todos os dias (Foto: Cristino Martins / O Liberal)

"Atrapalha"

A estudante Emanoeli Galvão faz o curso de Química-Licenciatura na UFPA. Ela leva uma hora e meia para se deslocar de casa, no Distrito de Icoaraci, até o campus universitário no bairro do Guamá, "por causa do trânsito". "Se eu pegar o primeiro ônibus eu consigo chegar em uma hora, só que lotado e em pé; aí, eu prefiro pegar três ônibus, o Paracuri I, que para no BRT, pego o BRT e, depois, o Satélite-UFPA", relata. Ela conta que os ônibus enchem mesmo de passageiros pela manhã, e que "o trânsito atrapalha um bocado a vida não só minha, mas de muita gente". Para resolver, como diz, Belém deveria ter um trânsito mais organizado.

image Emanoeli Galvão: uma hora e meia de ônibus só para ir à Universidade (Foto: Cristino Martins / O Liberal)

Para o motorista de aplicativo Victor Melo, os congestionamentos em Belém se devem à circulação de ônibus em qualquer faixa da pista, estacionamento de caminhões nas ruas e à falta de agentes de Trânsito para inibir infrações". "Eu já deixei de aceitar corrida por causa do trânsito travado no pico", declara. Ele observa que muita gente faz retorno indevido na Augusto Montenegro com a avenida Centenário e, aí, fica tudo engarrafado e sem agentes para fiscalizar. Victor defende que em Belém deveria ser adotado o rodízio de carros.

image Victor Melo: rodízio de carros em Belém (Foto: Cristino Martins / O Liberal)

Lucas Rodrigues também é motorista de aplicativo e constata que Belém precisa ter dois viadutos: no cruzamento das avenidas Magalhães Barata e José Bonifácio, em São Brás, e na confluência das avenidas Pedro Álvares Cabral e Arthur Bernardes, no bairro do Telégrafo. "Se tiver um acidente na José Bonifácio com a Magalhães Barata, Belém para", ressalta.

"A malha viária de Belém praticamente é a mesma de 20 anos, mas a frota aumentou muito", destaca Lucas. Para ele, entre outras medidas, "falta a sincronização de semáforos, como tem na Almirante Barroso e na avenida Nazaré".

Na avenida Augusto Montenegro, os condutores de veículos e passageiros de ônibus atestam todos os dias os transtornos de um trânsito congestionado, sobretudo, nos horários de pico. Corredores de tráfego, como a avenida Alcindo Cacela, avenida Governador José Malcher e boulevard Castilhos França, mostram-se com trânsito lento, fora dos horários de pico.

Na avenida José Bonifácio com a avenida Duque de Caxias, no final da tarde, todos os dias verifica-se um fluxo intenso de veículos. Com a realização da 26ª Feira Pan-Amazônica do Livro e das Multivozes, no Hangar, as vias do entorno, como a Dr. Freitas, Brigadeiro Protásio e Júlio César, têm apresentado congestionamento de veículos no final de tarde e começo da noite.

Sem mobilidade

A professora do Instituto de Tecnologia da UFPA (ITEC), Patrícia Bittencourt Neves, atua como pesquisadora da Faculdade de Engenharia Civil, lecionando as disciplinas de Transporte Urbano e Sistemas de Transporte, como docente da área de Transporte da Universidade. Para ela, na Cidade de Belém foi investido em um modelo que sempre favoreceu o automóvel e agora a motocicleta. "Então, por que a gente vive esse caos na mobilidade urbana? Porque todo mundo tem dificuldade em se deslocar em Belém, não só em Belém, mas em todas as cidades do país praticamente? Mas, falando da nossa realidade, não foi feito nenhum investimento no sistema de transporte público", reforça.

image Professora Patrícia Bittencourt: investir no transporte público (Foto: Cristino Martins/ O Liberal)

Como relembra a professora, em 1991, foi elaborado o Plano Diretor de Transporte Urbano (PDTU), mediante parceria entre os governos do Brasil e do Japão. Mas, nada foi em frente. Em 2000, ou seja, dez anos depois, esse plano foi revisado, mas nada novamente aconteceu. Em 2010, na gestão da então governadora Ana Júlia Carepa, foram dados os primeiros passos nesse sentido: a avenida Independência e o elevado da avenida Júlio César com avenida Pedro Álvares Cabral, obras previstas no plano. A proposta era escoar o trânsito por ali para liberar a avenida Almirante Barroso para a construção do Sistema de Transporte Integrado. Em 2012, foi iniciado o projeto do BRT de Belém, que ainda não funciona de forma plena.

"Não foi dada a devida atenção ao sistema de transporte público, e ao longo dessas décadas. O que aconteceu? A frota cresceu assustadoramente. Se as pessoas não encontram acolhimento no sistema de transporte público, migram para outros modos de transporte individuais, transporte desregulamentado, como mototáxi e vans, e até mesmo o transporte por aplicativo, com um número excessivo de veículos que a rede viária não consegue acomodar", enfatiza a professora Patrícia.

Subsídio

A Prefeitura de Belém está trabalhando em cima do BRT, e o O Governo do Estado, no BRT Metropolitano, como pontua a pesquisadora. Muitas cidades brasileiras trabalham seus sistemas de transporte com subsídios governamentais, até porque, como assinala a professora, o usuário não tem condições de arcar com todos os custos do sistema de transporte. Em Belém, todo sistema de ônibus é pago pela tarifa, não há subsídio algum. Assim, a tarifa acaba ficando cara, com um valor alto para o perfil do usuário.

O Governo do Estado pretende fornecer 100 ônibus elétricos e as garagens para o sistema metropolitano, o que é uma forma de subsídio, como destaca a professora. Com subsídio, se enxuga mais a tarifa urbana, uma vez que o Poder Público vai ceder parte da frota. Outro aceno do Governo estadual é construir quatro elevados em cruzamentos de Belém.

 

Soluções envolvem medidas estratégicas, aponta especialista

"Quais as soluções para o trânsito? Primeira questão: sistema de transporte público de qualidade, porque para a gente reduzir esses conflitos no trânsito, melhorar a fluidez, fazer com as pessoas gastem menos tempo nos seus deslocamentos, é preciso ter um sistema de transporte público eficiente, de qualidade, seguro para o usuário, que as pessoas se sintam atraídas a usar esse sistema; paralelamente, a gente precisa regulamentar, começar a levar a sério a questão da carga e descarga (por caminhões), porque esse tipo de ação se observa nos corredores de tráfego a qualquer tempo, praticamente", ressalta.

O transporte escolar precisa ter uma atenção maior, para as pessoas usarem mais esse transporte e reduzir o aglomerado de veículos nas portas de escola, como se verifica no corredor da avenida Nazaré que retém o fluxo desde a Praça da República, como destaca Patrícia Bittencourt. Há necessidade de ser melhorada a sinalização de trânsito nas vias de Belém.

Hidroviário

A pesquisadora salienta que o sistema de transporte público de passageiros não se restringiria a ônibus. "A gente também poderia trabalhar com o sistema hidroviário integrado ao sistema de transporte coletivo por ônibus, porque a gente temos um potencial hidroviário muito grande na RMB, e esse potencial ainda não está sendo explorado. E não estamos dando atendimento às ilhas, que não têm um sistema de transporte regulamentado pelo Poder Público, e precisamos disso", destaca.

Patrícia Bittencourt  pontua que um sistema hidroviário enxugaria o fluxo de veículos dos corredores mais conflitantes, as avenidas Augusto Montenegro e a Almirante Barroso.

Uma cena do cotidiano em Belém verificada pela professora é a circulação de motos pelas calçadas, algo difícil para o gestor controlar e que envolve a questão educacional. Ela considera ser necessária atenção maior para os ciclistas. "Em Belém, só funcionam as ciclovias, porque as ciclofaixas praticamente não funcionam, porque é veículo estacionado, é motociclista circulando, é obstrução da pista", completa.

Caso não se mudar essa configuração do trânsito de Belém, "cada vez mais os tempos de deslocamento serão maiores", ou seja, as pessoas gastarão um tempo maior no deslocamento diário na cidade. A expectativa da professora Patrícia Bittencourt é de que projetos de mobilidade urbana a cargo do Poder Público se concretizem com vistas à realização da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP30), em 2025, em Belém.

Semob

Em nota, a Superintendência Executiva de Mobilidade Urbana de Belém (Semob) informou que, de acordo com o Relatório Estatístico de Acidentes de Trânsito em Belém, produzido pelo órgão a partir de dados do Departamento de Trânsito do Pará (Detran), a frota de veículos de Belém, em 2019 era de 466.217 veículos; em 2020, passou para 482.970; em 2021, para 494.393; em 2022, para 508.136; e até agosto de 2023, a frota está em 521.956 veículos. 

Dentro desse contexto, a Semob comentou que essa frota de veículos é composta por automóvel, caminhão, caminhão-trator, caminhonete, camioneta, ciclomotor, micro-ônibus, motocicleta, motoneta, motor-casa, ônibus, reboque, semirreboque, sidecar, trator de rodas, trator misto, triciclo, utilitário.

A Semob afirmou que em eventos realizados na cidade, como jogo de futebol e eventos culturais, congressos e feiras, por exemplo, "mantém equipes no trabalho de orientação e organização do trânsito para garantir a fluidez e a segurança viária e coibir infrações como estacionamentos irregulares, em locais proibidos, em fila dupla, em conformidade com o Código de Trânsito Brasileiro (CTB)".

"Em relação às ações relacionadas ao transporte público, podemos destacar: estudos de revisão da lei orgânica do município de Belém no que tange a ampliação no prazo de concessão dos serviços de transporte público de passageiros, medidas de melhoria e prioridade ao transporte público coletivo (implantação/substituição de abrigos de passageiros, ampliação dos corredores de BRS com faixas exclusivas e preferenciais, ampliaçao dos serviços integrados, etc), além de ações da Prefeitura de Belém, Governo do Estado e o sindicato das empresas operadoras de transporte (SETRANSBEL), para a renovação da frota (aquisição de ônibus novos com ar-condicionado)", detalha a nota.

Quanto a carga e descarga de bens e mercadorias, a Semob comunicou que deve-se observar que esta é permitida nos locais onde não exista regulamentação proibitiva. "A Semob mantém fiscalização regular de carga e descarga em vias sinalizadas, de acordo com o Decreto Municipal nº 66.368/2011, de 31 de Março de 2011", pondera.

"A autarquia também desenvolve projetos de implantação de sistema de videomonitoramento para otimizar o serviço de fiscalização de trânsito e de semáforos adaptados (também conhecidos como semáforo inteligentes) para promover melhoria na circulação das principais vias do município", finaliza a nota.

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