Trabalhadores dos cemitérios mantêm sensibilidade para momentos de perda e luto
Veja histórias de quem trabalha no meio cemitério público de Belém, o Santa Izabel
O momento da perda de um familiar, amigo ou pessoa querida para a morte é sempre doloroso e difícil. Cada pessoa enfrenta esse momento natural para os seres humanos de maneira particular. Quem convive com a morte diariamente e tem no trabalho dos cemitérios o pão de cada dia adquire uma sensibilidade necessária para lidar com a perda e o luto dos outros. No Cemitério Santa Izabel, no bairro do Guamá — o maior cemitério público de Belém — os trabalhadores procuram entender a morte como um momento em que todos merecem respeito, independentemente de raça, classe ou credo.
O Cemitério Santa Izabel deve receber neste domingo (2) — Dia de Finados — aproximadamente 40 mil pessoas. O coveiro do cemitério, Divino Silva, de 57 anos, já trabalhou em tantos enterros que perdeu a conta ao longo de 11 anos. “Eu trabalho com perdas, com entes queridos das pessoas. Então, eu respeito muito esse meu trabalho, porque trabalho com a dor do próximo. Eu não trabalho tirando gracinha. Procuro atender com toda educação possível, demonstrando respeito pela família e pelo que vai ser sepultada também”, conta.
Divino é coveiro concursado do Santa Izabel. Ao longo de mais de uma década, ele praticamente mapeou o cemitério na cabeça e conhece as principais sepulturas entre as mais de 80 mil presentes no local. Ele explica os procedimentos de acordo com o tipo de túmulo. “A minha função é fazer a localização, explicitar para a família o que vai ter que ser feito e, se uma sepultura for construída, o que nós chamamos de jazigo, informamos que vai limpar a gaveta e vai ser usada laje para chumbar e lacrar. Quando é de cavar, cavamos até a profundidade, a gente desce a urna e volta a terra de novo”, explica.
Além de dominar o mapa de túmulos, ele também explica os diferentes tipos de sepulturas presentes no Santa Izabel, como os jazigos — espaços para colocar as urnas nas gavetas —, as jardineiras, construídas em uma estrutura baixa com plantas em cima, e os mausoléus, que chamam a atenção muitas vezes pelas esculturas, formatos e estruturas.
Divino também trabalha com a exumação, quando é necessário abrir as sepulturas. No final de semana de Finados, os coveiros, como ele, ajudam na localização das sepulturas que as famílias procuram para realizar suas homenagens. O trabalho no cemitério fundado em 1880 — o mais antigo em funcionamento de Belém — já teve vários momentos sobrenaturais.
“Já vivi muitos momentos aqui como no São Jorge. Há quem diga que eu tenho dom de ver, eu simplesmente vejo. Tem algumas histórias aí”, falou. Ele já ouviu sons de correntes na capela de Santa Izabel à noite, e não havia nada.
Atualmente, estão cadastrados aproximadamente 300 trabalhadores autônomos no Cemitério Santa Izabel, entre diferentes funções, como pedreiros, zeladores, ajudantes e lapideiros. Uma dessas trabalhadoras autônomas, que recebeu permissão para atuar no espaço, é Gina Silva, de 53 anos. Ela trabalha desde os 12 anos, com a mãe, como zeladora autônoma — responsável por limpar as sepulturas. Graças a esse trabalho, conseguiu pagar um curso técnico em enfermagem, no qual se formou. Após um tempo afastada do cemitério, Gina voltou e hoje divide seu tempo entre os dois tipos de cuidados diferentes.
A zeladoria se tornou uma renda extra para Gina, que cuida de aproximadamente 40 sepulturas todos os meses. “Eu gosto de trabalhar aqui, é um dinheirinho que eu ganho, é um extra. Somos zeladores independentes, neste espaço que a prefeitura cedeu para a gente trabalhar”, garante.
Gina cuida das sepulturas pelas quais é responsável com muita atenção e carinho. A zeladora fica dividida entre a alegria de cuidar com zelo das sepulturas e a tristeza que os familiares demonstram no local. “Quando eu pego uma sepultura de alguém que terminou de falecer, eu vou zelar por aquela pessoa. Os parentes dizem ‘cuida aí que é a casa da minha mãe’. Quando o cliente volta daqui a 15 dias ou com três dias, tudo está limpinho e organizado”, diz.
O trabalho ficou mais simples com a chegada dos smartphones e do Pix. Gina limpa as sepulturas, faz uma foto e envia para os clientes, que respondem com o pagamento mensal. “Esse celular é muito útil pra gente. De longe, eu tenho quatro fregueses que não moram aqui, que moram longe. Daqui, eu tiro fotos e envio para eles”, revela.
Gina, que também trabalha em um hospital, reflete que as pessoas precisam demonstrar amor e afeto aos outros enquanto estão vivos. “É uma tristeza para quem vai sepultar seu filho, sua mãe, seu pai. Eu digo que cuide. Se você tem pai ou mãe, cuide deles enquanto estão vivos, dê carinho e atenção. Aqui só é a saudade e a memória”, assegura.
A florista Dinair Miranda, de 59 anos, trabalha há 35 anos em frente ao cemitério e lembra dos momentos difíceis que as pessoas enfrentaram, como durante a pandemia de Covid-19, quando muitas perderam parentes. “Era tanta gente morrendo, e não podia entrar a família, já iam levando os caixões da porta. Foi muito triste. Para mim foi muito difícil, eu senti pelas pessoas. Imagina para a família que perdeu alguém e não pôde entrar para se despedir. As pessoas gritavam e choravam aqui na frente”, relembra.
Para o Dia de Finados, Dinair já encomendou R$ 3.500 em flores entre calandivas, mini margaridas e rosas. “A gente pode aprender muita coisa. Quando uma pessoa morre, os outros choram, gritam, mas durante a vida tratavam mal quando estava viva. Tem que tratar bem durante a vida. Depois que morrer, não vai adiantar nada”, assegura.
Na opinião de Divino, o cemitério é um local místico que necessita do respeito de todos que transitam por ali. “Eu tenho as visões, mas não sei explicar ao fundo o que é. Eu entendo que aqui é o lugar deles. Nós estamos aqui para trabalhar e respeitar”, afirma.
Sobre a morte, Divino tem uma opinião formada. Ele acredita que a vida terrena é apenas uma parte do que nós conhecemos. “Como reflexão, é que a nossa vida é passageira, aqui devemos sempre fazer o bem. Aqui é só um estágio. A nossa vida de verdade é após a morte. As pessoas que foram sepultadas aqui estão em um lugar, só não sabemos onde. Essa nossa vida é apenas um lugar, apenas uma passagem”, acredita.
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