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Solidariedade de São Cosme e Damião movimenta ruas de Belém

A Casa de Zé Pelintra, que é de umbanda cruzada, em Ananindeua, exerce o sincretismo religioso e nessa data procura fazer ações de solidariedade, em Belém

Bruna Lima
fonte

A tradicional celebração de São Cosme e Damião, marcada pela tradicional distribuição de doces e bombons, ainda resiste nas ruas da periferia de Belém. Porém, ao longo dos anos essa prática vem se renovando e dando lugar a novas formas de manifestar a devoção aos santos gêmeos nessa data.

A Casa de Zé Pelintra, um terreiro de umbanda cruzada - que mescla dois tipos de rituais, a umbanda e a quimbanda - localizado em Ananindeua, segue os preceitos do sincretismo religioso e nessa data procura desenvolver ações de solidariedade voltadas não apenas às crianças, mas, às pessoas de qualquer idade e, principalmente, em situação de rua.

A Yalorixá Karol D'Oya Oju Iná, que é zeladora da casa de santo, explica que a caridade é um dos pilares da religião, de matriz africana. E, como parte dos preceitos, em dias de festa é necessário agir e propagar ações que proporcionem o bem ao próximo.

"Se um dos pilares da umbanda é a caridade, a gente exerce esse tipo de ação e procura sempre envolver essas pessoas em situação de rua, pois, se a tradição é levar esse acolhimento às crianças, entendemos que essas pessoas são tão indefesas quanto elas [crianças]", pontua a mãe de santo.

O grupo começa as entregas pela Praça Waldemar Henrique e depois percorre as Praças do Relógio e da República. "A ideia de ir a esses locais é porque neles é onde se concentram esses grupos. Uma vez por mês nós promovemos essas ações, de acordo com as datas comemorativas da nossa religião", acrescenta a Yalorixá.

Nesta sexta-feira (27), foram entregues mais de 700 sacos de bombons, além de roupas, alimentos e materiais de higiene.

Ivanilsa Ferreira, 32, relatou que vive em situação de rua desde os cinco anos, depois que perdeu os pais para as drogas. Ela conta que esse tipo de ação é o que lhe conforta, pois é o momento em que consegue ganhar roupas e alimentos. "Hoje, além de roupas e alimento, também ganhei bombom", festejou, com uma alegria típica de criança.

Sincretismo

Os santos católicos São Cosme e Damião eram dois irmãos médicos, que tinham um irmão mais novo que ficou doente. E como promessa, eles passaram a cuidar do irmão e também dos menos favorecidos. Eles são padroeiros dos médicos e das crianças.

"O Erê, que é uma entidade de luz, é uma força grande, pois quando um erê faz um trabalho ou um pedido, ninguém consegue desfazer, pois nele há a pureza, a simplicidade, o amor. O pedido para uma criança sempre é atendido", esclarece a mãe de santo.

Cosme e Damião estão incluídos no rol de santos católicos que passaram a ser objeto de culto popular após o martírio. Ambos teriam sido perseguidos e mortos pelo governo romano. Porém, o que se sabe sobre os irmãos não tem registro histórico, baseia-se apenas na tradição, esta sim, documentada.

O culto a São Cosme e Damião remonta ao período entre o século 4º e o 5º. A maior parte dos relatos sobre eles confirma que eram irmãos, e gêmeos. Acredita-se que eles tenham nascido onde hoje é a atual Turquia - ou, ainda segundo algumas fontes, na região da Síria - e tenham atuado como médicos da época, perambulando e curando doentes. Todavia, não aceitavam pagamento por seus préstimos.

E foi a “grande fama” decorrente das curas “sem nada cobrar” que fez com que os irmãos conquistassem muitos adeptos para à fé cristã. Mas, isso teria incomodado o governador da região à época, Deocleciano, que determinou a morte da dupla. E nesse capítulo especial da vida dos irmãos santos reside uma particularidade: segundo a Igreja Católica, ele teriam sido submetidos a uma série de suplícios antes de finalmente serem mortos, com golpes de espada.

Como descreve o 'Il Santo Del Giorno’, uma apresentação de santos de todos os tempos, que são considerados como exemplos de vida cristã, Cosme e Damião foram primeiramente condenados ao apedrejamento, mas pedras voltavam contra os perseguidores. Em seguida, foram colocados no paredão para que quatro soldados os atravessassem com setas, "mas os dardos voltavam para trás e feriam a muitos, porém os santos nada sofriam”. Por esse motivo, então, acabaram sendo decapitados por uma espada.

Já o costume de celebrar a data dedicada aos irmãos santos com a distribuição de doces e guloseimas é tipicamente brasileira e tem no sincretismo uma das explicações. Como os senhores de terras e engenhos portugueses não eram simpáticos às práticas religiosas trazidas pelos negros africanos, os antigos escravos, como forma de camuflar suas crenças, passaram a associar seus orixás a santos da Igreja Católica. E as crianças, que em algumas religiões africanas são chamadas de Ibeijis, e também são gêmeos, foram relacionadas aos santos católicos Cosme e Damião.

Também nas religiões de matriz africana, algumas imagens de Cosme e Damião trazem uma terceira criança menor entre os irmãos. Trata-se do Doum. Várias lendas explicam que, na realidade, os gêmeos eram três e que, com a morte de Doum, os outros dois irmãos se tornaram médicos para curar a todas as crianças, sempre de forma gratuita. Doum é considerado o protetor das crianças até sete anos.

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