Sincretismo religioso revela troca cultural entre religiões

Nomenclaturas e símbolos contam histórias de fé e dividem opiniões

Eduardo Rocha
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A mistura de elementos de religiões atravessa séculos de história no País, tem a capacidade de revelar ângulos novos da história das manifestações de fé por meio do trabalho de pesquisadores e está mais presente na sociedade do que se imagina.  No entendimento da professora Taissa Tavernard de Luca, 44 anos, do PPGCR da Universidade do Estado do Pará (Uepa), doutora em Ciências Sociais - ênfase em Antropologia pela UFPA, essa relação entre as religiões é salutar. “Sincretismo é um fenômeno social inerente a toda e qualquer matriz religiosa. Toda vez que dois grupos entram em contato, seja de forma simétrica ou assimétrica, há trocas culturais. O sincretismo é fruto desse contato intercultural. Trata-se de um processo de ressignificação das matrizes em contato. Não é uma simples junção, é reinterpretação e reorganização dos elementos envolvidos (mitos, símbolos, cosmologias, rituais, etc)”, observa.

Para a professora Taissa, se todas as religiões são sincréticas, cada uma delas possui processos específicos com características próprias, sendo o sincretismo algo dinâmico. Ela ressalta que o pesquisador Massimo Canevacci, no livro dele “Sincretismos”, afirma ser este um fenômeno de antropofagia simbólica que transborda o fenômeno religioso, ou seja, o sincretismo está em constante atualização, seu processo não tem início nem fim. "Não há um ponto zero do sincretismo, ou seja, uma religião pura. O discurso de pureza é meramente ideológico, muitas vezes usado em momentos de disputas de poder, de mercado religioso. Na prática não há religião que seja pura, nem as dominantes”, destaca a docente.

image Taissa: a dinâmica do sincretismo contribui para a sobrevivência das religiões (Foto: Filipe Bispo / O Liberal)

 Resistência

O sincretismo entre as comunidades negras brasileiras foi, talvez, a primeira estratégia de resistência cultural e religiosa, segundo a professora. Os negros no Brasil foram autônomos, inclusive, para modificar as religiões dominantes. “O catolicismo popular é uma ação de modificação da doutrina cristã católica feita pelas comunidades que em sua maioria eram não brancas. O negro escravizado não foi pacífico ao processo de dominação e de imposição cultural, ele reagiu modificando a religião do opressor e ressignificando seus símbolos sagrados ao incluí-los em sua liturgia”.

A teoria da máscara colonial, nome dado a esse tipo de sincretismo no qual os deuses negros são associados aos santos católicos, “foi um processo maior e mais rico do que simplesmente uma estratégia de esconder orixás atrás das imagens dos santos para garantir a continuidade da adoração”. “Foi uma ação hermenêutica de leitura da hagiografia desses santos e associação com deuses africanos cuja mitologia possuía correspondência. Às vezes, foi até um processo de reordenação do panteão das religiões africanas a partir da inclusão dos santos católicos, ou seja, o sincretismo é uma ação inteligentíssima de reflexão e reordenamento”, defende a professora.  “O sincretismo é responsável pelo processo de sobrevivência - através da recriação - de muitos (senão todos) fenômenos religiosos. Não há contato intercultural com modificação apenas de uma das partes. Os brancos modificaram as religiões dos não brancos, mas o inverso também aconteceu", arremata a professora. 

Pé de dinheiro

Há casos de pessoas que optam por uma religião, mas possuem em seu imaginário a crença em elementos de outras. “Eu tive oportunidade de conviver com um casal de evangélicos que tinham uma pequena mercearia de bairro chamada “Deus é quem guia”, mas na porta da mesma tinha plantado um “pé de dinheiro em penca” e um pé de “comigo ninguém pode’. A primeira é uma planta usada pelas populações amazônicas para atrair bons rendimentos e a segunda como de proteção de porta” , acrescenta.

Sobre o sincretismo relacionado a religiões de matriz africana, a professora Taissa Tavernard destaca que a teoria da máscara funciona por paralelismo (teoria do professor Sérgio Ferretti), associando santos com orixás, como Jesus – Oxalá; Nossa Senhora da Conceição – Iemanjá; e São Jorge – Ogum. O sincretismo de tempo (Anaíza Vergolino) que ressignifica tempos do cristianismo como a Quaresma, a Páscoa, o Natal e outras datas. E o sincretismo que transcende o fenômeno religioso e agrega outros elementos da cultura, como a política dentre outros – associação entre São Sebastião – Obaluaê (ou Oxossi) – rei Sebastião (rei português morto na batalha de Alcacer Quibir lutando contra os não cristãos no norte da África).

Mistura

Para Francisco Nonato Paiva, conhecido no Candomblé como Doté Oya Nironge e Pai Chico de Mariana, na Umbanda. A casa religiosa dele funciona no bairro do Telégrafo. Pai Chico considera que no caso do Candomblé o sincretismo religioso descaracteriza a religião, “porque nossos deuses africanos não tem nada a ver com os santos da Igreja Católica”. “Já na nossa Umbanda, os santos da Igreja Católica também fazem parte dos nossos rituais como Santo Antônio, que é usado para fazer amarrações, assim como fazemos homenagem a São Sebastião, São Jorge, Nossa Senhora da Conceição e outros. Dentro da liturgia umbandística, tem as famosas procissões e ladainhas”, pontua.

image Pai Chico: Umbanda expressa sincretismo religioso no país (Foto: Thiago Gomes / O Liberal)

Pai Chico lembra que na colonização do Brasil, houve repressão contra celebração de cultos e crenças religiosas do povo negro, que buscou preservar seus cultos. "Nesse momento, há o início de um importante sincretismo religioso no Brasil afro-cristão. A Umbanda é um dos grandes exemplos desse sincretismo. Ela é uma mistura do Catolicismo, das religiões afro-brasileiras e do Espiritismo. Hoje no Brasil, existem seguidores de diversas religiões;  essa diversidade é resultado do processo histórico de construção do país que recebeu povos de diferentes regiões do mundo”, finaliza. No Dia de São Jorge, terreiros de Umbanda prestam homenagens a Ogum.

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