Caso de metanol em Belém: 'Se a dose fosse maior, teríamos o óbito', alerta médico
O caso do engenheiro Flávio Acatauassu expõe o perigo de bebidas adulteradas e mostra como a quantidade ingerida e a intervenção médica evitaram o pior
O caso de contaminação por metanol envolvendo o engenheiro paraense Flávio Acatauassu, de 63 anos, ganhou novos desdobramentos com a avaliação de especialistas consultados pela reportagem do Grupo Liberal. Flávio afirma ter sido contaminado após ingerir uma dose de uísque adulterado comprado no Supermercado Mais Barato da av. Alcindo Cacela. A bebida foi comprada no dia 5 de novembro, e, após consumir uma dose ao chegar em casa, Flávio começou a passar mal no dia seguinte, 6 de novembro, quando então buscou atendimento médico.
Ele relata também ter sido vítima de negligência médica na Unimed Prime Belém, onde, segundo ele, não foram realizados os exames corretos para investigação de intoxicação exógena. Dias depois, um exame específico feito em laboratório particular apontou resultado positivo para metanol, confirmado por contraprova.
“Estava envenenado por metanol”, afirmou o engenheiro.
A reportagem do Grupo Liberal procurou um médico para comentar o assunto e analisar o exame obtido pelo engenheiro. O médico intensivista Luiz Felipe Bittencourt afirma que a evolução só não foi fatal devido à pequena quantidade ingerida. “Se a dosagem fosse maior, teríamos o óbito”, disse o médico.
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Ele explica que o diagnóstico ideal de intoxicação por metanol “possui 5 componentes, segundo as diretrizes da Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB)”, mas ressalta que “nem sempre vamos conseguir alcançar todos os 5 componentes”. Para ele, a conduta inicial em situações como essa deve priorizar a preservação da vida. “O mais importante é realmente lançar mão das medidas de suporte à vida o quanto antes”, afirmou.
Segundo Luiz Felipe, a nota técnica da AMIB aponta que “uma dose de 240 ml de uma solução a 40% pode ser considerada letal”. O médico destaca ainda que “o exame mostra-se positivo em baixa titulação”, o que indica exposição reduzida, reforçando a tese de que a gravidade só não foi maior porque a quantidade ingerida foi pequena.
“Certamente se a dose fosse maior teríamos desfecho negativo (óbito). A intoxicação por metanol é gravíssima. No meu entender, os fatores principais que podem ter contribuído para o desfecho clínico favorável foram: baixa quantidade ingerida e atendimento médico rápido”, concluiu o médico.
Especialista reforça gravidade da intoxicação por metanol
O médico William Rodrigues também avaliou o caso e destacou os riscos severos associados ao metanol. Segundo ele, “a intoxicação por metanol é muito grave, pois o metanol após ingerido se degrada em formaldeído e ácido fórmico, que podem levar a acidose metabólica grave, disfunção do sistema nervoso central e do nervo óptico”. Ele explica que, diante do aumento da acidez no sangue, “todos os órgãos também podem apresentar disfunção severa e levar o paciente ao óbito”.
Limite aceitável
O especialista afirma que o limite considerado aceitável no organismo é de até 200 mg/L (20 mg/dL). “Valores acima disso são extremamente danosos e prejudiciais”, alerta. Para o diagnóstico, Rodrigues explica que é necessária a soma de dois elementos principais: um quadro clínico compatível, que pode incluir embriaguez persistente, dor abdominal, turvação visual, confusão mental e convulsões, e exames laboratoriais que confirmem acidose metabólica associada a gap osmolar acima de 10 mOsm/L.
A confirmação também pode ocorrer por exame positivo para metanol no sangue ou na urina. O médico reforça que “o exame com valor inferior a 20 mg/dL não exclui o diagnóstico, pois não depende apenas dele”, e ressalta que resultados podem ser afetados por falhas técnicas. “Há diversas especificações para coleta, transporte e armazenamento do exame, as quais podem trazer resultados falsos positivos, se não realizados corretamente em todos os processos”, afirmou.
Resposta das autoridades
Em contato com reportagem, a Secretaria Estadual de Saúde (Sespa) explicou que o exame foi feito em uma rede particular e, por isso, “ainda não recebeu notificação oficial referente ao caso”. A reportagem também pediu informações para a Polícia Civil, que afirmou “não ter nenhum registro da ocorrência”.
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e a Unimed foram procuradas pelo jornal. Em nota, a Unimed Belém afirmou que “o beneficiário esteve na urgência do Hospital Unimed Prime na data mencionada” e que as informações registradas no prontuário “estão sob análise pela Diretoria de Recursos Próprios e pelos núcleos responsáveis pela qualidade e segurança do paciente”.
A operadora declarou que o exame específico para metanol não foi solicitado porque “os testes específicos para detecção direta de metanol são solicitados apenas quando o quadro clínico se enquadra nos critérios oficiais de caso suspeito, conforme definido pela Nota Técnica nº 01/2025 – DEVS/DVS/SESPA”. Ainda segundo a Unimed, “as análises são feitas por laboratório externo definido pela própria vigilância e Ministério da Saúde destinado para investigação deste tipo de evento, que obrigatoriamente perpassa pelo Lacen ou Ciatox”.
A Unimed acrescentou que segue integralmente a Nota Técnica nº 360/2025 do Ministério da Saúde e a Nota Técnica nº 01/2025 da Sespa, e afirmou ter instaurado “apuração assistencial completa para avaliar a condução do atendimento”.
A instituição também reforçou orientações aos consumidores, como evitar bebidas de procedência desconhecida, procurar atendimento imediato diante de sintomas compatíveis e comunicar suspeitas às autoridades sanitárias, destacando ainda que, “segundo a SESPA, até 09/10/2025 não havia casos confirmados de intoxicação por metanol no Pará, embora o estado esteja em vigilância intensificada”.
O Supermercado Mais Barato, onde a bebida foi comprada, enviou um posicionamento sobre a situação.
"O Grupo Mais Barato informa aos seus clientes, parceiros e à sociedade em geral que, diante das informações divulgadas pela imprensa sobre o whisky Red Label adquirido em uma de nossas lojas, todas as medidas cabíveis já foram tomadas.
No entanto, causa-nos estranheza que, mesmo após 30 dias do consumo, a garrafa de whisky em questão não tenha sido disponibilizada para condução de análise técnica, a ser realizada pelas autoridades competentes e essencial para verificar a suposta contaminação.
Ainda assim, os whiskies citados foram recolhidos de nossas prateleiras e estão à disposição dos órgãos competentes. Além disso, acionamos os protocolos de verificação e rastreamento junto ao fornecedor DIAGEO, reconhecido como uma das maiores indústrias de bebidas do mundo e fornecedor dos principais varejistas e distribuidores no estado do Pará.
O Grupo Mais Barato permanece à disposição e colaborando para o esclarecimento completo do caso. Reafirmamos o compromisso com a transparência e a confiança de nossos consumidores", comunicou.
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