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Projeto 'Corpo de verão': precisamos falar sobre isso

Conversamos com uma mulher gorda, um homem transexual e uma mulher com deficiência física para entender o que é ter um corpo de verão para quem está "fora dos padrões"

Tainá Cavalcante

"Prepare seu corpo para o verão em 20 dias". Em uma rápida busca ao Google, milhares de matérias aparecem associadas à frase anterior. O problema, talvez, não esteja na frase em si: seu conteúdo poderia apresentar orientações de saúde, como formas de manter o corpo hidratado, por exemplo, mas não é isso que vemos: dicas para emagrecer de maneira rápida ou disfarçar as "imperfeições" estão no topo dos conteúdos das referidas reportagens que, de certa forma, determinam o que deveria ser um corpo de verão - e excluem tantos outros. 

O padrão, as formas feitas, as caixas fechadas, entretanto, nunca se adequariam aos corpos de Regilene Araújo, Armando León e Sinara Assunção, uma mulher com deficiência física, um homem transexual e uma mulher gorda, respectivamente. O corpo cultuado e ensinado por tantas matérias não lhes cabe e, por isso, perguntamos a eles o que é ter um corpo de verão. 

Deficiente físico também tem corpo de verão

"É ter teu corpo, colocar uma roupa de praia, porque nem todo mundo gosta de biquíni, sunga, enfim, é colocar a roupa de praia e se divertir" afirma Regilene Araújo, de 26 anos, atleta paralímpica de vôlei adaptado que precisou amputar uma das pernas, aos 16 anos, depois de ser atropelada por uma caçamba. 

"Eu fiquei cinco meses internada, porque estavam tentando salvar a minha perna. Acabou que infeccionou e eu precisei tirar. Lembro de o médico dizer que eu tinha duas opções: amputar a perna ou deixá-la, mas correr o risco de infeccionar todo o corpo e eu morrer. Disse que ele podia tirar, porque eu preferia a minha vida" conta a atleta, também conhecida pelo apelido Flor de Lis. 

image Regilene Araújo (Fábio Costa / O Liberal)

Não precisa ter o corpo "sarado", barriga "tanquinho". O corpo de verão é o corpo que se aceita e está bem consigo mesmo.

A atleta conta que, depois do acidente, ocorrido em 2019, voltar à ativa foi muito difícil, mas afirma que aprendeu a ressignificar a sua nova condição. "A gente está acostumado a viver de uma maneira e, de repente, muda tudo. Quando recebi alta, no primeiro dia, senti muito. Saí em um cadeira de rodas do hospital, sem a minha perna, então foi complicado. Mas hoje eu já superei. Faço de tudo e não é a falta de um perna que vai me limitar de algo" garante, acrescentando que "ou você vive, ou você morre fingindo que está vivendo". "Eu escolhi viver", conclui.

Transexual também tem corpo de verão

Armando León, autônomo de 20 anos, identificou-se como homem transexual aos 18. Há quase três anos em um processo de transição e iniciando o tratamento hormonal, o jovem afirma que estar na praia, enquanto pessoa trans, é uma forma de resistir.

"Chega de padrões, né? Não existe isso de corpo de verão. O corpo ideal é como a pessoa se sentir bem", diz ele, que enfrentou, no início de seu processo, uma batalha interna quanto a exposição de seu corpo. "O meu primeiro verão foi muito engraçado: eu tinha três meses de transição quando fui à praia. Fomos eu e a minha namorada. Lembro de não querer entrar na água, de ficar sentado o tempo todo, com uma grande camisa. Via todo mundo na água e queria entrar, mas não sabia como fazer. Acabei entrando, mas me senti muito desconfortável por ser homem e não poder tirar a minha camisa", lembra. "Foi só depois de um ano, entre amigos, em uma piscina, que consegui tomar banho sem a blusa. Vi um amigo trans entrar e quis repetir aquilo, quis entrar também. Naquele dia eu me senti muito bem", completa.

image Armando León (Fábio Costa / O Liberal)

Os outros precisam parar de olhar torto, parar de se importar com o que estamos vestindo, se é um homem trans ou não, se já é operado ou não, se tem cicatriz ou não. É preciso entender que o corpo ideal é a pessoa estar bem com ela mesma.

A camisa se faz necessária em algumas ocasiões, quando Armando prefere não tirá-la por ainda não ter feito a mastectomia (cirurgia de remoção total da mama). "É bom lembrar que não é todo homem trans que quer fazer a cirurgia - e, mesmo que não queira, pode tomar banho sem blusa também. Esse é um processo meu. Eu ainda não me sinto completamente à vontade em todas as situações e eu quero muito, no meu tempo, fazer a mastectomia, mas cada um é de um jeito e todos têm que ter seu espaço", diz, ao explicar que, quando opta por tirar a blusa, toma banho de binder (tecido elástico que aperta os seios, reduzindo o volume dos seios na roupa, muito utilizado por homens trans).

Gordo também tem corpo de verão

Sinara Assunção, estudante e modelo de 23 anos, é uma mulher gorda, negra e de cabelos cacheados. Seu processo de aceitação está em total evolução, mas nem sempre foi assim. Felizmente, o encontro com a representatividade a salvou. Infelizmente, o mesmo não ocorreu com Dielly - adolescente de 17 anos que se suicidou, em maio de 2018, no banheiro de sua escola, em Icoaraci, após ser vítima de bullying e gordofobia por muitos anos.

"Eu sempre fui gorda e por isso sempre tive alguém que estava me dizendo que eu tinha que fazer dieta, apesar de eu ser saudável, praticar esportes na escola e ter sido bailaria até os 15 anos. Ser gorda sempre chegou para mim como um problema, sempre pareceu errado, mas hoje em dia não é mais", relata.

image Sinara Assunção (Fábio Costa / O Liberal)

Essa história de padrão nos adoece psicologicamente e é isso que não pode acontecer. Corpo de verão é qualquer um que se dispõe a curtir o verão.

Se sentir representada, segundo Sinara, foi essencial para que ela passasse a se encontrar em seu próprio corpo. "Uma vez eu estava no Facebook e vi uma mulher com a qual eu me identifiquei muito enquanto pessoa gorda, negra e de cabelo cacheado. Percebi que ela era muito bem com ela mesma e me senti muito representada no momento que eu me deparei com a imagem dela, porque parecia muito com a minha e ela estava muito bem com aquilo. Foi quando eu comecei a refletir mais sobre isso, de que eu também poderia me sentir bem mesmo que as pessoas ainda dissessem e achassem que isso era errado", afirma.

Sobre a ideia de preparar o corpo para o verão, Sinara defende que qualquer pessoa pode fazer academia, "mas deve ser algo que ela quer e não por imposições externas, porque dizem que ela precisa emagrecer já que esse seria o bonito". "Eu posso cuidar do meu corpo e continuar sendo gorda. Posso querer entrar na academia por uma questão de saúde, de condicionamento físico, não necessariamente para emagrecer” conclui.

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