Preservação de nascente no Parque do Utinga, em Belém, garante água de graça para a população

Alguns moradores usam a água para consumo próprio e, também, para vender o produto a um preço acessível

Dilson Pimentel

Em meio ao crescimento desordenado de Belém, olhos d'água e nascentes são preservados em alguns pontos da cidade. Em algumas dessas áreas, a população usa a água para consumo próprio ou mesmo para vender o produto a um preço acessível.

A preservação dos olhos d'água e das nascentes está prevista na lei 12.651/2012 (Código Florestal Brasileiro). Na próxima sexta-feira (22), é celebrado o Dia Mundial da Água. No Parque Estadual do Utinga há uma nascente de água comprovada, por meio de testes, que é mineral.

image Moradores pegam água mineral no Parque Estadual do Utinga (Everaldo Nascimento/O Liberal)

Durante o dia, muitos moradores vão até o local para buscar água. Esse acesso é liberado. Eles chegam em bicicletas e colocam o líquido em garrafões de água mineral. Esse produto é para o consumo deles. Mas também é vendido por R$ 5 - em média, metade do preço de uma água mineral vendida nos estabelecimentos comerciais.

O vigilante José Henrique Silva, 57 anos, frequenta o local há 20 anos e disse que essa fonte de água é "uma bênção" para as pessoas. "A água, por si só, já é uma bênção. Nosso corpo é formado por 70% de água", contou. "E essa água aqui é serventia para todo mundo. Você pode até ficar sem alimento, mas sem água ninguém vive", contou. Ele faz isso duas vezes por semana.

"Às vezes chego a fazer até três viagens (por dia). Antes, eu carregava mais (até 16 garrafões). Agora estou pegando bem pouco (8, 10)", contou. José Henrique disse que a água é para o consumo dele. Mas que, às vezes, as pessoas vão à casa dele em busca de água. "Eu sirvo água para eles e eles me dão uma ajuda de custo da viagem (para ir buscar a água)", contou. Essa ajuda é no valor de R$ 5. José Henrique mora no Entrocamento, para onde vai de bicicleta.

image No Utinga, moradores pegam, de graça, água para o seu consumo (Everaldo Nascimento/O Liberal)

Em nota enviada à reportagem, o Instituto de Desenvolvimento Florestal e da Biodiversidade (Ideflor-Bio), responsável pelo Parque Estadual do Utinga, informa que o acesso à bica é livre, de segunda a sexta-feira, das 6 às 14 horas e aos sábados, domingos e feriados, de 8 às 12h. "O Instituto ressalta que a água é proveniente de uma nascente, ou seja, vem do lençol freático. O Ideflor-Bio sempre orienta os visitantes a manter o local limpo".

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"É uma dádiva de Deus”, diz morador de residencial

Há quatro nascentes também no Residencial Bosque Felizcidade, no bairro do Mangueirão. Em uma delas há uma placa: “Nascente do Arancuã. Sejam bem-vindos. Preserve a nossa fonte de água viva (bica). Mas só os moradores do local têm acesso a esses recursos naturais.

O mecânico Ismael Pinto, 70 anos, pega água e coloca em um garrafão de água mineral. “Isso aqui é uma dádiva de Deus”, afirmou. “Porque a gente, quando não tem dinheiro para comprar água, vem aqui e tem água disponível. Agora tem muita gente que tem vergonha de vir pegar. Mas, do jeito que está a situação, não tem que ter vergonha não”, contou. Ele lembrou que um garrafão custa, no mínimo, R$ 10. Por semana, ele enche dois garrafões. Ismael usa a água para beber e para cozinhar.

image Eduardo Cravo, morador de condomínio onde se localiza uma nascente de rio. (Everaldo Nascimento / O Liberal)

O microempreendedor Eduardo Cravo, 51 anos, mora há 20 anos no mesmo residencial e destaca a importância dessas nascentes. “É muito importante para nós, principalmente a questão mesmo da água. Aqui a gente tem um sistema de água que precisa passar por manutenção e, quando esse sistema às vezes falha, nós recorremos às nascentes para pegar a água. E muitos moradores, inclusive, consomem a água dessa nascente. É uma água de muita qualidade, potável”, contou.

Eduardo também falou da importância de se preservar esse recurso natural, como, por exemplo, não “agredir” a nascente. “Evitando levar materiais químicos e tentando manter o ambiente em torno sempre preservando, as árvores, principalmente para que essas nascentes não venham a morrer. Essa água é para o nosso consumo”, afirmou.

image Eduardo Cravo, morador fala da importância da preservação das nascentes. (Everaldo Nascimento / O Liberal)

Melhor estratégia de conservação é mapear o que existe, diz geóloga

A geóloga Aline Maria Meiguins de Lima disse que a bacia hidrográfica urbana tem como desafio competir com a necessidade de locais para implantação de moradias e com o processo de urbanização das cidades. “Assim, a presença de nascentes, que exige a manutenção de áreas conservadas em sua proximidade, é algo que aparenta ser impossível de ocorrer”, afirmou.

“Mas sua presença traria um benefício muito grande em termos de qualidade para o ambiente e para a população local, que teria um espaço verde próximo para o lazer e uma área que no momento do período de maior volume de chuvas, auxiliaria a dissipar o efeito dos alagamentos”, completou.

Professora doutora do Instituto de Geociências da Universidade Federal do Pará (UFPA), ela disse que é importante lembrar que, com o desaparecimento das nascentes, a relação entre as águas superficiais (incluindo a contribuição das chuvas) com o aquífero livre (água subterrânea com maior relação com a superfície) também fica comprometida, pois a recarga deste depende da interação com estes sistemas hídricos.

Ela explicou que a melhor estratégia de conservação é mapear o que existe e propor um plano de revitalização de bacias hidrográficas incluindo a manutenção de um “corredor verde” ao longo das margens do curso d'água e no entorno das nascentes. “Ressalta-se que é extremamente importante que exista um plano diretor da cidade que se articule com uma proposta de saneamento básico e de política de habitação, onde estas áreas sejam marcadas como relevantes para conservação de suas margens e não utilização para lançamento de efluentes sanitários”, afirmou.

Nascentes podem, sim, sumir, alerta geóloga

Aline Maria disse que o alto grau de comprometimento das bacias urbanas e de suas nascentes com o lançamento de efluentes e despejo de resíduos (lixo) tem tornado os canais urbanos de Belém uma fonte de rejeição social, pois a população só consegue enxergar o problema e não o potencial de sua conservação.

Ela alertou que olhos d’água e nascentes podem, sim, sumir. “Na atualidade elas são extremamente difíceis de se identificar, pois o grau de alteração das bacias hidrográficas urbanas é extremamente alto. Assim como a geometria implantada com as obras de macrodrenagem dificulta a compreensão do novo formato destas bacias e se as mesmas ainda têm alguma fonte natural de recarga de água”, afirmou.

Apenas em algumas regiões onde existem a presença de algumas áreas verdes, ou que estão na fronteira da ocupação, é que se percebe mais a presença destas. Mas, como não existe uma ação direcionada para sua conservação como parte de um plano de “cidade e comunidades sustentáveis’, a tendência é o seu gradual desaparecimento.

A população pode ter muitos benefícios com essas fontes de água, afirmou a geóloga. Entre os benefícios estão as áreas que auxiliam o controle das cheias e marés, principalmente neste período de chuvas intensas. É fonte de água para o abastecimento. Com sua manutenção, é possível que alguns cursos d’água também consigam ter um volume de água potencial que possa ser utilizado para o abastecimento de água voltado ao consumo humano, melhorando assim as condições de segurança hídrica.

"Outros benefícios: espaços de qualidade ambiental e lazer para a população, com a manutenção de áreas verdes; a conservação destes espaços também favorece as águas subterrâneas, pois são considerados ambientes potenciais de recarga destas. E o investimento em uma cidade de maior respeito às águas e ao seu papel como uma cidade da Amazônia, onde a resposta não é a degradação e a extinção de suas águas e, sim, um convívio de benefícios mútuos, com menores conflitos sociais associados ao uso do solo, e maior controle por parte do poder público da gestão destes espaços", afirmou.

Dia Mundial da Água

Em 22 de março de 1992, a Organização das Nações Unidas (ONU) criou o Dia Mundial da Água em solo brasileiro. A data foi lançada durante a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, também conhecida como Eco-92, no Rio de Janeiro, como um esforço da comunidade internacional para colocar em pauta as questões essenciais que envolvem os recursos hídricos no planeta. Em 2024, o tema definido pela ONU globalmente para o Dia Mundial da Água é Água para a Paz.

Diferença entre nascente e olho d’água

O olho d’água ou, como também é conhecido, mina d’água, fio d’água, cabeceira e fonte, é uma nascente, o aparecimento da água na superfície do solo. Pode ser uma fonte de água potável que brota do solo. A nascente é o local onde as águas subterrâneas emergem na superfície da Terra. No Brasil, a maioria das nascentes está localizada nas áreas montanhosas, que são os locais onde a infiltração da água ocorre mais facilmente.

Onde fica a nascente de água?

Na manhã de segunda-feira, a reportagem de O Liberal foi ao Parque Estadual do Utinga e conversou com o geólogo e educador ambiental Ronaldo Nascimento, que mostrou o local da nascente de água mineral. “Essa nascente vem da região do Icuí, pega aqui dentro da área do Parque, percorre cerca de 50 metros e se encontra com a nascente dos Peixes, e depois ela é desviada para o Igarapé do Icuí”, disse.

Ele disse que a água tem uma qualidade mineral devido às rochas presentes na área do Parque. “É uma água mineral que, em teste, deu uma qualidade considerada boa. A quantidade de metais pesados, por exemplo, que são prejudiciais à saúde, é menor que os limites aceitáveis para água potável”, afirmou. "É uma água alcalina e tem um pH em torno de 7,5", contou.

Ronaldo Nascimento disse que a água serve para o consumo humano. Mas para isso é preciso que ela passe por testes, que é feito por instituições especializadas. “Ela pode ser considerada uma água potável, mas a gente não pode afirmar isso sem ter os laudos”, afirmou.

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