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População migrante, refugiada e apátrida soma mais de 5 mil no Pará

Capital paraense vive momento de estruturação para receber quem precisa de proteção internacional

Camila Guimarães

As investigações que apuram o caso dos nove corpos em decomposição encontrados em um barco à deriva em Bragança, no Pará, no dia 13 de abril deste ano, ainda não chegaram a uma conclusão final sobre esses viajantes, mas já apontam que eles vieram de Mauritânia e Mali, países do continente africano. A informação tem levantado questionamentos sobre refúgio e migração no Pará. Segundo a Agência da ONU para Refugiados (ACNUR) no Brasil, o Pará tem, atualmente, 5,3 mil pessoas em necessidade de proteção internacional - o que representa migrantes, refugiados, solicitantes de refúgio e apátridas.

Conforme explica o presidente da Comissão de Relações Internacionais da OAB-Pará, Samuel Medeiros, o refugiado é a pessoa que foi obrigada a sair do próprio país e não pode retornar, sob o risco de perder a própria vida. Diferente do migrante, que é quem sai voluntariamente de seu país. No entanto, ambos têm direitos garantidos por lei no Brasil.

“Relacionado a direitos básicos, tanto o migrante e o refugiado, quanto nós, brasileiros, temos os mesmos direitos: à saúde, trabalho, educação. Não existe a ideia de que nós, que nascemos aqui, temos mais direitos sociais que os refugiados ou migrantes. Não há distinção”, afirma.

Independente do status de migrante ou refugiado, Medeiros afirma que, em todos os casos, é necessário formalizar a residência no país.

“É a regularização migratória que vai permitir acessar o SUS, os sistemas educacionais, abrir conta bancária, acessar programas de redistribuição de renda e outros serviços assistenciais como qualquer brasileiro. O migrante precisa pedir autorização de residência no Brasil (existe uma lista de motivos legais), já o refugiado precisa protocolar o pedido de refúgio e, então, passa a ser um ‘solicitante de refúgio’. A lei diz que ele tem direito a uma residência provisória e a ir e vir livremente em qualquer estado brasileiro”, informa.

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Belém tece estrutura para quem precisa de proteção internacional

Em Belém, desde 5 de abril de 2023, migrantes, solicitantes de refúgio e apátridas passaram a contar com três iniciativas que buscam amparar melhor suas necessidades: a sanção da Lei 9.897, que institui diretrizes, objetivos e ações para atendimento dessa população; a criação do Comitê Municipal para a População Migrante, Apátrida, Solicitante de Refúgio e Refugiada, derivado do Decreto 106.780; e o Termo de Cooperação Técnica entre o Alto-comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) e a Prefeitura de Belém para promover a capacitação dos servidores municipais no atendimento e prestação de serviços à população sob proteção internacional.

Segundo o presidente do Comitê, o vice-prefeito de Belém, Edilson Moura, a Lei 9.897 é a primeira na região Norte voltada para migrantes e a única do país que traz especificações para migrantes indígenas.

“A maior parte dessa população chega com problemas gravíssimos de saúde, desnutrição, tuberculose, problemas respiratórios, que afetam principalmente as crianças. E a gente tem que trabalhar com cuidado, porque a nossa forma de abordagem precisa respeitar a cultura que eles trouxeram. Por isso, eles demandam uma especificidade bem maior”, comenta.

Atualmente, o Comitê já finalizou um “Plano Municipal para Proteção de Migrantes, Refugiados e Apátridas”, que lista o papel de cada órgão que compõe o serviço público de Belém no amparo a essas comunidades. “Eu já enviei para o prefeito para que ele mande à Procuradoria Geral do Município para que, depois, ele seja sancionado e publicado no Diário Oficial”, informa o vice-prefeito.

Africanos migram em busca de oportunidades no Pará

De acordo com a ACNUR, as principais origens de pessoas em necessidade de proteção internacional no Pará são: Venezuela; Colômbia; Guiné Bissau e Angola. Destes, os dois últimos são países africanos. Apesar de não serem maioria no Estado, a relação Pará-África ganhou destaque recentemente, depois que a Polícia Civil divulgou indícios de que os corpos encontrados na embarcação à deriva, em Bragança, eram de mauritanos e malineses.

Para a antropóloga Sônia Albuquerque, o Pará e a África têm relações históricas. “O historiador Vicente Salles já falava que o Pará compunha uma parte importante da escravização africana. Ele está relacionado com o maior contingente de afrodescendentes que se tem em vista dentro do contexto nacional. Nós fomos porta de entrada de um grande fluxo de migração forçada”, comenta.

Também vice-presidente do instituto Hafama (abreviatura indireta de Instituto Hounsou de Integração África-Amazônia), associação da sociedade civil que presta serviços à comunidades de origem africana em Belém, Sônia Albuquerque afirma que, atualmente, muitos migrantes africanos vêm por motivações diversas:

“Tem um grande número de africanos que migram para o Pará por questão religiosa, porque nós temos grandes terreiros de religiões de matriz africana. Também mulçumanos africanos, que frequentam o centro islâmico. Além disso, tem muita migração temporária, como os estudantes que fazem intercâmbio no Pará”, comenta.

image Gbenonde Expedit Lodeou, 29, é médico formado pela UFPA. Natural de Benin, país da África Ocidental. (Thiago Gomes / O Liberal)

É o caso do médico Gbenonde Expedit Lodeou, 29, de Benin, no oeste da África Ocidental. Ele chegou em terras paraenses em 2015, para cursar o ensino superior na Universidade Federal do Pará (UFPA) – local que escolheu em alternativa às federais do Rio de Janeiro e São Paulo.

Ao longo dos quase 10 anos na Cidade das Mangueiras, nos quais ele se formou em Medicina e, hoje, atua na Fundação Hospital de Clínicas Gaspar Vianna (FHCGP), Expedit conta que passou por um longo processo de adaptação. Organizações como a Associação dos Estudantes Estrangeiros da UFPA foram fundamentais:

“Eu fui membro da associação durante o processo de formação. Era muito difícil, tinha muita gente que via o estrangeiro de um jeito esquisito e a gente se sentia um pouco intimidado pelos olhares das pessoas, mas, com o empoderamento da comunidade, isso fortaleceu muito a autoestima do estrangeiro no Pará”, comenta.

Mesmo depois de formado, Expedit ainda precisou superar obstáculos: “Eu sou preto e muitas pessoas ainda estranham um negro com um jaleco branco, como médico, à frente, atendendo. Já cheguei no consultório atendendo e a pessoa perguntando ‘quem é o médico’. Mas hoje em dia eu tenho superado muito isso trabalhando na minha autoestima, na minha capacidade intelectual, sempre em busca de melhoria. A gente acaba se tornando motivação para outras pessoas, dando incentivo para outros continuarem”, comenta.

Expedit ainda pretende fazer especialização em Belém e, no futuro, retornar a Benin: “Quero fazer Cardiologia. Estou me preparando para entrar no meu país já pronto”, conta.

Venezuelanos encontram refúgio em Belém

De acordo com a ACNUR, a maior parte das pessoas em necessidade de proteção internacional no Pará são, atualmente, indígenas venezuelanos da etnia Warao (1,3 mil, sendo 853 na Grande Belém). Uma delas é a refugiada Noraima Flores, de 30 anos. Ela mora, junto com a família, no Espaço de Acolhimento Institucional voltado para essa população, em Belém.

Noraima conta que está há quatro anos no Brasil, dois dos quais passou em Boa Vista (RR), antes de se estabelecer na capital paraense. A caminhada até aqui, literalmente a pé, se deu ao longo de 3.769 km - distância da cidade de Maturín, no estado de Monangas, na Venezuela, até Belém do Pará, no Brasil. Com ela caminharam outros 24 indígenas Warao – homens, mulheres, jovens, idosos e crianças.

image Noraima Flores, refugiada indígena da etnia Warao, natural da Venezuela. (Thiago Gomes/ O Liberal)

“Nós viemos em 24 pessoas, nossa família. Viemos parando de Maturín até São Pedro, e de São Pedro chegamos até o terminal Upata, e aí viemos caminhando, caminhando até Santa Elena [de Uairén]. Quando chegamos em Santa Elena, muitas pessoas nos ajudaram, porque estávamos muito mal, não comíamos, as crianças estavam doentes”.

Noraima lembra que contou abrigo e medicamentos para sua família em Santa Elena de Uarién – o mínimo para que seguissem viagem, sempre caminhando, até chegar na cidade fronteiriça de Pacaraima, em Roraima, já no Brasil. Neste ponto, eles já haviam percorrido 787 km.

“Muitas pessoas já estavam na fila para entrar. Eu estava com minha filha, Valentina, que tinha um ano; minha mãe, guerreira. Eu expliquei que estava com 24 pessoas. Graças a Deus nos atenderam bem”, lembra a venezuelana.

Depois, de Pacaraima, os refugiados seguiram até a capital de Roraima, Boa Vista, onde passaram dois anos em um abrigo. “Não conseguíamos trabalho, nada. A gente recolhia latinhas. Eram muitos indígenas. Quatro mil em um abrigo. Havia cinco abrigos. E aí o trabalho era algo muito importante para a gente, mas nosso trabalho era artesanal, em uma feira. Aí nós reunimos dinheiro para vim até Belém”, conta Noraima.

Há dois anos na capital paraense, Noraima diz que se sente agradecida pelo apoio que recebeu da Fundação Papa João XXIII (Funpapa), por intermédio da qual ela e a família se regularizaram e, agora, Noraima celebra a oportunidade do primeiro emprego no Pará: “Vou avançar para outra oportunidade que é o trabalho. Para o futuro, meu sonho é ter uma casa. Comprar o terreno e construir ou comprar a casa, porque minhas filhas estão estudando”, afirma.

O intérprete e mediador cultural da Funpapa, José López, migrante de Caracas (capital da Venezuela), já trabalha com os refugiados indígenas Warao há pelo menos sete anos, em Belém, e conta que, no mesmo abrigo onde vive atualmente a família de Noraima moram outros 108 indígenas que se viram forçados a deixar para trás suas propriedades e estilos de vida devido à crise social, política e econômica da Venezuela.

image José López, intérprete e mediador cultural da Funpapa, migrante de Caracas, Venezuela. (Thiago Gomes / O Liberal)

José afirma que a principal preocupação dos indígenas é o sustento de suas famílias, por isso, uma das frentes de trabalho da Funpapa, em parceria com outras instituições, tem sido a promoção de qualificação profissional e inserção dos refugiados no mercado de trabalho. “A gente vê que o potencial que eles têm é enorme, mas é preciso dar oportunidade para eles. Muitos agora vão começar a trabalhar na empresa que assumiu o serviço de limpeza urbana de Belém e, à medida que eles vão recebendo e cobrindo suas necessidades, eles vão buscando outras formas de se sentir seguros num país que não muda muito suas leis como outros na América”.

José conta que os Warao ainda sonham em voltar ao seu país, mas ainda não imaginam quando: “Eles falam que não estão aqui ‘superbem’, mas que aqui pelo menos eles conseguem comer. Muitos perderam suas casas, suas propriedades, mas acabaram preferindo deixar tudo para trás para sobreviver. Por mais que eles sonhem em voltar para o seu país, eles sabem que agora não dá”, comenta.

 

Confira alguns serviços gratuitos para migrantes e refugiados em Belém

Cesupa - Clínica de Direitos Humanos (CDH)
Assistência jurídica para regularização de imigrantes e de solicitantes de refúgio
Os atendimentos aos solicitantes de refúgio acontecem às terças-feiras, a partir das 9h, e é necessário apresentar a certidão de nascimento ou um documento de identidade.
Endereço: Campus Cesupa Alcindo Cacela 2 (nº 980)
Funcionamento: seg. a sex., de 9h às 11h30; de 15h às 17h30
Contato: (91) 4009-9185

Mais informações: https://www.cesupa.br/saibamais/Clinicas/ClinDirHumanos/.

Uepa - Núcleo de Assessoria a Imigrantes e Refugiados (Naire)
Assessoramento migratório para imigrantes e refugiados hipossuficientes, pedidos de refúgio e solicitação de vistos de residência, trabalho, estudantil entre outros.
Em alguns casos pode haver necessidade de documentos reconhecidos em cartório. Para o primeiro atendimento é preciso levar algum documento que comprove identidade com foto, endereço e e-mail. O atendimento é com agendamento prévio, pelo e-mail uepa.naire@gmail.com.
Mais informações são divulgadas pelo Instagram @naire_uepa.

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