Paradas desrespeitadas e mudanças de trajeto dificultam vida de quem anda de ônibus
Usuários do transporte coletivo relatam experiências e adversidades relacionadas à queima de paradas e desvio de rotas

Andar de ônibus em Belém sempre é um desafio. Seja por conta da falta de estrutura das linhas ou pela pouca informação sobre os trajetos e horários, os usuários sempre se deparam com problemas que afetam o cotidiano das idas e voltas pela cidade.
Dois problemas, porém, se tornaram verdadeiros perrengues para quem depende do transporte público diariamente: o hábito de alguns condutores pularem paradas ou pontos de ônibus e as mudanças repentinas de trajeto. Sem prévio aviso.
O estudante Wallace Júnior que o diga. Morador do Jurunas, ele nunca sabia se iria descer na parada mais próxima de casa ou a um quilômetro dela. Isso porque a parada da Mundurucus com a Estrada Nova dava de frente para um canal. Ele já chegou a esperar uma hora por um coletivo.
"O que mais me incomoda é a pressa. Quando o motorista está apressado e decide queimar uma parada é revoltante, pois muitos ônibus demoram demais para passar e não há nenhum sistema que informe rotas e horários. Quando finalmente chega, passam direto", conta.
Além disso, Wallace notou que certas características podem tornar um ponto de ônibus mais ou menos atrativo para que um condutor pare. A presença de idosos e deficientes na parada é um desses fatores, segundo ele.
"Já testemunhei isso com pessoas mais velhas ou de cadeira de rodas. É muito triste, pois eles sabem que vai demorar a subir e possuem horários para cumprir. Muitos, quando percebem isso, não param", avalia o universitário, que driblava o problema esperando o ônibus na parada da Tamoios com a Bernardo Sayão, onde o ônibus, quase sempre, para.
"Muitas paradas não tem nem sinalização, as pessoas param em filas na sombra dos postes. Se não tem sinalização para os usuários, imagina se os motoristas vão parar. Já chorei de raiva uma vez com isso de esperar mais de uma hora na parada e quando o ônibus aparecia no horizonte, passava direto", conta.
Conseguir subir no ônibus certo na parada certa não é garantia de um dia tranquilo. O motivo: ainda há chance do usuário sofrer com a queima de paradas, dessa vez, na hora de descer.
A fisioterapeuta Thamires Otero não possui ônibus disponíveis no bairro de Fátima, onde ela mora. Ela não é do tipo que fica calada quando já está na porta e o motorista passa direto pelo ponto onde ela precisa saltar.
"Quando eles passam direto na parada mesmo quando dão o sinal, puxam o fio, todo o ônibus se revolta. Uma vez eu dei o sinal e o cara não parou e eu andei muito. Isso me deixa muito chateada. Eu dou um grito logo, faço onda, bato na porta, continuo puxando", desabafa ela, que mora na Diogo Moia com a 3 de maio, mas pega o ônibus na esquina da 9 de Janeiro.
Uma vez a mãe de Thamires, dona Olga, pediu para descer em uma parada e o ônibus não parou. E quando finalmente parou, freou com tudo e ela bateu o joelho. Após a parada, segundo Thamires, o motorista já estressado por ter que parar, arrancou com tudo. Dona Olga, de 70 anos, caiu.
"Tudo com eles é assim, rápido. Mas se os motoristas normais são assim, os motoristas de ônibus expresso acham que pilotam espaçonave, como se estivessem soltos na Via Láctea. Olha, eu já vi tanto expresso passando direto, freando com tudo, pulando paradas. É assim que ocorrem os acidentes", diz ela.
Thamires concorda com Wallace. Para ela, não há revolta maior do que ver um ônibus queimando paradas, especialmente na avenida Presidente Vargas, onde muitos se acumulam perto das calçadas e os que chegam depois ou passam direto ou param muito longe.
"Mas e aí? Faz o que?". Ela cai na gargalhada antes de responder: "aí a gente corre muito para pegar [o ônibus]. O pior é quando a gente corre e mesmo assim eles vão embora. É o nível máximo da humilhação do pobre. Você volta com a cabeça baixa, triste. Toda a parada que estava torcendo por você fica te olhando", conta ela, ainda rindo, lembrando que uma vez até mudou de parada para não encarar os olhares tristes da torcida.
Outro problema grave que Thamires já enfrentou mais de uma vez foi a mudança de trajeto dos ônibus, justo quando ela estava atrasada para outros compromissos. Nessas horas, fica difícil reverter a situação.
"Saindo da Mário Covas um dia desses, o ônibus simplesmente veio pela Pedro Álvares Cabral invés da Almirante Barroso e todo mundo desesperado para descer do Jiboia Branca. Ele nem avisou nada. Só virou ao ver que estava engarrafado. Aí eu desci lá para Doca, na Famaz. Égua! Andei muito nesse dia", afirma.
Boa parte dos deslocamentos de Thamires são para a Cidade Nova, justamente onde o pedagogo Jonilson Carvalho mora. Ele aponta outra causa para a constante queima de paradas em Belém: o inverno amazônico.
"Quando eu estou indo para o Guamá e está chovendo um pouco, ainda mais no horário de almoço e final de tarde, eles passam direto. Nesse período de chuva então, em pleno janeiro, piora tudo. Eles vão embora. A gente tem que sair correndo na chuva. Dependemos da boa vontade deles", diz.
Jonilson sempre andou de ônibus e sente que os motoristas não ligam muito para os passageiros e só querem cumprir a viagem. Ele conta que já presenciou discussões, desde motivos básicos, como pular parada ou falta de troco, até coisas mais sérias. Ele acredita que isto precisa mudar.
"Há diversas dificuldades, desde a insegurança até o desconforto. Isso é muito ruim. Eu só queria que os motoristas e cobradores dessem atenção para isso de tratar bem os passageiros. Não sei se as empresas tem esse acompanhamento ou orientação, pois o trabalho é bem estressante mesmo, né? Eles devem ficar bem estressados mesmo, eu entendo. Mas quem está no ônibus é porque precisa", afirma.
Já a última briga que a diarista Gizelle Santos presenciou em ônibus foi pouco depois de conceder entrevista para a reportagem. Um desvio de rota do ônibus da linha Paracuri deixou ela e muitos usuários irritados na quarta-feira (3).
"O que mais tem é a mudança de trajeto assim do nada, mas essa foi a pior. Acredita que o motorista estava disputando um racha [corrida] com um motorista de van? E mudou de trajeto, simplesmente mudou de rota. Quando eu percebi, desci e tive que pegar um outro para chegar na Pedreira", conta.
Nessas horas ela diz que grita mesmo e ainda pergunta se os motoristas estão "doidos". Gizelle acha que se não for assim, os ônibus "deitam e rolam", ou seja, fazem o que querem e param onde querem. "Dia desses eu tava em São Brás e passaram três ônibus. Nenhum parou. Fui no terminal do BRT reclamar. Tive que discutir com o fiscal. Mas não adianta muito", lamenta.
O vice-presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Transportes Rodoviários do Estado do Pará, Ewerton Paixão também lembra que a fiscalização é de responsabilidade da Semob e que a maioria dos ônibus possuem GPS.
"Quando tem uma mudança repentina, o próprio operador informa para a empresa. Fora disso, é proibido. Se houver um desvio, a empresa tem controle por meio do Centro de Controle Operacional", afirma.
Ele também reitera que pular paradas é incorreto, mas que muitos motoristas não cometem este erro por má vontade. "Precisamos sempre obedecer as regras, mas sei que não justifica, porém muitas empresas impõem jornadas exaustivas, com intervalo reduzidos. Trabalhamos sob pressão de horário e há também o sistema [de mobilidade urbana] que é desorganizado, com muitos ônibus indo para o mesmo lugar e paradas irregulares", avalia.
Em nota, o Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros de Belém (Setransbel) diz que orienta todos os motoristas "para que observem cuidadosamente os procedimentos pertinentes ao serviço. Lamentavelmente, existem condutores que falham em suas atribuições. Nestes casos, quando as empresas recebem as reclamações, os profissionais são advertidos".
A entidade também afirma que a fiscalização diária e os trajetos são de responsabilidade da Superintendência Executiva de Mobilidade Urbana de Belém (Semob).
O diretor de transportes da Semob, Fernando Pinho, afirma que o órgão mantém fiscais de transporte em rondas pela cidade, verificando o cumprimento do itinerário e dos horários determinados pelas ordens de serviço, além de questões como a queima de parada e condição da frota.
"Em caso de reclamação por parte dos usuários, é fundamental que a população faça a denúncia pelos telefones 118 (ligações apenas de telefones fixos) e 98429-0855. Também há o e-mail contato.semob@belem.pa.gov.br, pelo Twitter @SeMOB_Bel e presencialmente na sede da SeMOB, localizada no IT Center (Av. Senador Lemos), de 9h às 15h", aconselha.
Para formalizar a denúncia, o usuário deve identificar a data, hora e local da ocorrência, a linha e a sequência alfanumérica localizada na lateral e na traseira do ônibus, para que assim seja possível devidamente identificar o operador e a empresa citadas, a denúncia possa ser efetivamente apurada e que possam ser tomadas as medidas cabíveis.
Fernando ressalta que as punições são de ordem administrativa e endereçadas diretamente para as empresas denunciadas, após uma apuração. Caso fique comprovada a irregularidade ou qualquer alteração no serviço prestado, sem prévia autorização do órgão ou outro motivo que a justifique, a empresa é autuada, podendo ser advertida sobre a irregularidade ou até mesmo cassação da prestação do serviço, dependendo da gravidade.
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