Pandemia afetou comportamento das crianças
E psicóloga diz ser importante manter minimamente uma rotina

Mateus Tarcísio, de 2 anos, tinha uma rotina movimentada. Acompanhado pelos pais, passeava todos os dias. Também brincava muito no Portal da Amazônia, no bairro da Cidade Velha. Mas a pandemia do novo coronavírus mudou a rotina da criança.
Sem poder sair de casa, como fazia antes, Mateus ficou mais estressado e, também, adoece com mais frequência. “Agora, ele fica em casa comigo, com o pai dele (Tarcísio Ferreira, 37 anos), com a minha mãe ou com o meu pai”, contou a mãe da criança, a enfermeira Sônia Serrão, de 38 anos. “Ele fica muito tempo em casa.
Antes, o Mateus ia na rua, pegava o sol da manhã, passeava. E, agora, passa muito tempo fechado em casa. Por isso, acabou adoecendo muito. É resfriado e tosse. Uma crise atrás da outra”, contou.
Aos poucos, e na medida do possível, Sônia tenta flexibilizar um pouco essa rotina. Mas com cautela e adotando as medidas sanitárias. “No Dia das Crianças, a gente foi até a praça (Porto Futuro). Mas me arrependi. Tinha muita criança lá. Voltei logo”, contou.
Mateus começaria a estudar no segundo semestre deste ano. “Mas eu e o pai dele acabamos adiando para ano que vem. Em relação aos estudos, a minha mãe é professora e isso ajuda muito. E eu e o pai dele buscamos materiais didáticos para ele estudar em casa. Vídeos também”, contou. “Mateus desenvolveu bastante o lado comunicativo, de falar mais, de contar (histórias). Mas essa questão de interação social com outras crianças é mais complicado”, afirmou.
Antes, Sônia morava em uma casa, na Cidade Velha. Mas, durante a pandemia, mudou para um apartamento, no Guamá. “O local é menor agora, tem menos espaço. Não tem aquela área ventilada, arborizada. Na frente, só carro passando”, contou. “Eu percebo que ele fica muito estressado. E a gente inventa um monte de coisa para ele poder brincar e ficar menos estressado”, completou Sônia.
“No Dia das Crianças, a gente foi até a praça (Porto Futuro). Mas me arrependi. Tinha muita criança lá. Voltei logo”, conta Sônia Serrão, mãe de Mateus. “Eu e o pai dele acabamos adiando para ano que vem os estudos. Buscamos materiais didáticos para casa. Vídeos. Mateus desenvolveu bastante o lado comunicativo, de falar mais, de contar histórias. Mas a interação social com outras crianças é mais complicado. Percebo que ele fica estressado. E a gente inventa um monte de coisa para ele poder brincar”
Criança de sete anos desenvolveu Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade
A pandemia também mudou totalmente a rotina de Heloísa, de 7 anos, que acabou sendo diagnosticada com Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), como lembra a mãe dela, a professora do Estado Rachel Vieira. Durante a pandemia, Rachel ficou isolada por ser do grupo do risco (renal crônica), junto com o marido, Átila, e a filha.
“Tínhamos uma rotina bem agitada. Meu marido é motorista de uber. Então, saía cedo, de manhã, e voltava quase 8 da noite. E eu trabalhava somente de manhã. Eu levava a Heloísa para a escola. Depois que saia do trabalho, ia buscá-la na escola e voltava pra casa. A responsabilidade com escola, educação e qualquer organização da Heloísa ficava comigo, por causa do horário de trabalho do pai dela”, contou.
Heloísa acordava cedo, tomava banho, ia para a escola, fazia balé. “Uma rotina bem corrida do dia a dia. E ela cumpria direitinho a rotina”, diz Rachel. Quando o pai chegava do trabalho, à noite, brincava com a filha. Na época, eles moravam em um condomínio de prédio. E Heloísa descia para brincar. Quando a pandemia começou, e por ser do grupo de risco, Rachel ficou em casa. O marido também. “E isso afetou muita a Heloísa. Ela é muito ativa. E acabou não tendo mais a rotina que ela tinha antes”, disse.
Aí, começaram as atividades escolares em casa. Mas, em maio, a escola deu férias para todo mundo. “E aí que a gente perdeu a rotina mesmo. Uma coisa de louco de não ter alguma coisa. A gente esgotou todas as atividades possíveis de qualquer entretenimento. Jogar xadrez, banco imobiliário, desenho, pintura. Tudo”, contou.
No condomínio em que a família morava, os moradores não levavam a sério o isolamento social. As crianças ficavam soltas no residencial. Pela janela, Heloísa olhava essa movimentação e perguntava porque não poderia descer, já que havia um monte de criança brincando lá embaixo.
Rachel explicava que ela deveria ficar em casa para não se expor a uma possível contaminação. “Chegou um ponto de ela absorver tudo e não querer mais nos tocar. Ela não queria mais tomar banho com a gente, porque dizia que ia sair água suja do nosso corpo e a gente ia tocar nela e ela ia ficar suja. De 5 em 5 minutos ela lavava as mãos e não usava a toalha do rosto do banheiro, porque estava suja. Ela não queria mais tocar em mim, no pai ou nos cachorros que ela ama. Ela chorava muito por tudo isso”, contou.
Menina teve crise de pânico no meio da praça
Certa vez, o cunhado de Rachel e a prima dela foram passear na praça Brasil. “E a Heloísa teve uma crise de pânico no meio da praça. Chorando horrores, ela dizia que todo mundo ia morrer e nada estava certo, tudo estava sujo. Ela adora guaraná de açaí. Mas disse que não queria, porque estava sujo. E tivemos que buscar a Heloísa de volta na casa da minha mãe”, contou.
A família procurou ajuda de um psicólogo. E Heloísa foi diagnosticada com Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH). Quando teve um pouco mais de abertura do isolamento, a família se mudou para um residencial de casas para poder ter um pouco mais de espaço para a criança e para os cachorros e para que a família “conseguisse respirar.
“Hoje em dia temos verde, um quintal, espaço na lateral. À noite, ela anda de bicicleta com o pai na rua, quando não há mais ninguém na rua”, contou Rachel. Há dois meses Heloísa está sendo acompanhada por outra psicóloga. O tratamento começou há pouco tempo, mas os pais já notaram uma mudança significativa no comportamento da filha. Eles contrataram uma professora para dar aulas em casa para Heloísa.
“Como professora, não tive como lidar com a minha filha. Não tive treinamento para trabalhar com criança de fundamental 1. E ela (essa professora) consegue trabalhar com a minha filha. A gente teve que reorganizar a rotina. A rotina do acordar do almoço, de dizer: ‘não vamos sair para a escola, mas temos que fazer as atividades de casa’”.
Rachel acrescentou: “A pandemia veio pelo menos para que pudéssemos enxergar as necessidades da nossa filha, de cuidados diferenciados e mudanças de hábitos, mudança na rotina, porque nós chegamos no extremo de quase surtar. Ela surtou. Ela teve crise bem forte mesmo. Fui ruim de ver a minha filha nessa situação. O isolamento dela teve os seus prós e contras. E, hoje, estamos vendo mais os prós por conta do tratamento realmente”.
Distanciamento físico é o recomendado, mas o distanciamento social, não, diz psicóloga
A psicóloga comportamental Glaucy Costa lembra que a pandemia da covid-19 provocou o isolamento físico de grande parte da população, incluindo adultos e crianças. Além da impossibilidade de sair e a mudança abrupta na rotina, as crianças e adultos perderam grande parte das suas opções de lazer e entretenimento - parques de diversão, festas de aniversário, praças, cinemas. Ela afirma ser importante manter minimamente uma rotina.
“Isto é, com horário predeterminado para as atividades escolares, alimentação e sono, por exemplo. Atividades físicas são muito importantes para a prevenção de ansiedade e estresse, além de proporcionar uma boa saúde física e emocional. Correr, pular, dançar e brincar estão liberados”, acrescentou.
Como o tempo junto com os filhos aumentou significativamente, atividades do dia a dia podem ser feitas conjuntamente, observou. “Chame seu filho para ajudar a preparar as refeições (se já tiver idade adequada), separar roupas para lavar, arrumar a mesa, sempre de forma lúdica e divertida”, disse.
"É importante manter minimamente uma rotina, com horário predeterminado para as atividades escolares, alimentação e sono, por exemplo. Atividades físicas são muito importantes para a prevenção de ansiedade e estresse, além de proporcionar uma boa saúde física e emocional. Correr, pular, dançar e brincar estão liberados. Como o tempo junto com os filhos aumentou significativamente, atividades do dia-a-dia podem ser feitas conjuntamente. Chame seu filho para ajudar a preparar as refeições, se já tiver idade adequada, separar roupas para lavar, arrumar a mesa, sempre de forma lúdica e divertida”, aconselha a psicóloga Glaucy Costa
Mas Glaucy Costa recomenda cautela com o uso excessivo de telas. “É recomendável que os pais estipulem um período para atividades deste tipo e que fiquem atentos ao seu conteúdo consumido pelas crianças”, disse. “Conversar sobre os motivos do distanciamento, bem como o uso de máscara, também é importante para que elas tenham uma boa compreensão sobre o que está acontecendo. No entanto, é preciso cautela com as palavras para não gerar ansiedade e preocupação excessiva por parte das crianças”, afirmou.
O distanciamento físico é o recomendado, mas o distanciamento social, não. Por isso, videochamadas e mensagens de áudio podem ajudar a manter o contato e vínculo das crianças com os amigos. “Ao sair, prefira programas em lugares abertos (como parques e praças disponíveis na cidade) e fora do horário de pico”, disse.
Ainda segundo ela, algumas crianças podem apresentar sinais de ansiedade e estresse, como alterações no sono e na alimentação (diminuição ou aumento do apetite), oscilações de humor, com episódios de irritabilidade ou apatia, preocupação excessiva, dores de cabeça e roer unhas. Ao identificar qualquer sinal, procure ajuda profissional.
“As recomendações são válidas também para os familiares que devem manter os cuidados com a rotina pessoal e atividades físicas para manter uma boa saúde física e emocional para manter os cuidados com as crianças”, acrescentou.
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