No Tenoné, mato e lama afastam Correios e até carros de aplicativo

'Essa lama é minha rua', brincam os 5 mil moradores do Conjunto Porto Laranjeiras

Dilson Pimentel
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O mato invadiu as ruas do conjunto Porto Laranjeiras, no bairro Tenoné, em Belém. Em uma dessas vias, a quadra 32, o matagal ocupa toda a extensão da rua. Mato e lama. Os moradores contaram que motoristas de aplicativo não entram no conjunto. Ambulâncias também são raras. Funcionários dos Correios também não acessam o conjunto. E, para receber suas correspondências, os moradores fornecem os endereços de parentes que moram em outros bairros, muitos dos quais distantes de onde residem.

"A gente não existe", disse um morador. Outros moradores comentaram que, por causa do matagal, é  frequente o aparecimento de cobras e sapos nas ruas. Para amenizar essa triste realidade, eles até fazem brincadeiras com a situação em que vivem. Um rapaz contou que levou a bicicleta na oficina. E, lá, houve o seguinte diálogo: "Essa bicicleta é do Porto Laranjeiras, né? Como você sabe? Por causa do pneu, que está carregado de lama e barro".

"'A gente não existe', diz um morador. Um rapaz conta, brincando, o que ouviu ao levar a bicicleta à oficina. 'Essa é do Porto Laranjeiras, né? Como você sabe? Por causa do pneu, carregado de lama e barro'"

Outra moradora comentou que, quando alguém pergunta onde mora, ela responde: "é só olhar para meus pés". É que os pés estão sujos de lama, uma referência ao conjunto. Tem gente que amarra um saco plástico nos pés, para não sujar seus calçados e, assim, chegar com um mínimo de dignidade no trabalho e nos demais compromissos. Os moradores também disseram que a mais recente limpeza no conjunto ocorreu há quatro anos, na época das eleições. Também afirmaram não ter água em suas casas. Água, só em poço artesiano. E, para tanto, pagam uma contribuição mensal de R$ 35 para os donos dos poços artesianos.

image Dificuldades de acesso castigam a comunidade (Ary Souza)

Cobras passeiam nas ruas


Os próprios moradores fazem coleta para capinar o mato e limpar as ruas. Abandono é, portanto, uma das palavras mais citadas por eles. "A gente queria que as autoridades olhassem pra gente. Aqui tem muitas crianças. As crianças brincam no meio das cobras e da lama. As cobras ficam 'passeando' no meio da rua. Isso a qualquer hora", disse Maura Santos, 45 e que há cinco mora no conjunto. "Tanto faz chover ou não, é essa lama o tempo todo. Fica alagado. Não tem esgoto, não tem saneamento básico", disse.

"Nem todo dia tenho dinheiro para fazer coleta", contou. Às vezes, a colaboração é no valor de R$ 20, para o rapaz poder capinar. Maura contou que, no conjunto, não há uma área de lazer. "Não tem um campinho. Não há praça. Não há feira. Estou pedindo que, pelo amor de Deus, que olhem aqui para a gente", afirmou ela, que é avó de dez netos.

André Júnior tem 40 anos e mora no conjunto há sete. Ele disse que o conjunto foi financiado pela Caixa Econômica Federal. Isso há 16 anos. O projeto habitacional, disse, nunca foi concluído. Desde então, já houve três "invasões". Ao todo, são 1.200 moradias, nas quais moram quase cinco mil pessoas, cercadas pelo mato e pela ausência de saneamento básico. "Entra inverno e sai inverno e a gente continua na lama", disse.

"Entra inverno e sai inverno e a gente continua na lama. Só eu já caí quatro vezes. Quando chove, os carros e motos patinam", diz André Júnior

"Não temos água potável. Só vive aqui quem realmente precisa de moradia", afirmou Júnior, como ele é mais conhecido, que é técnico em máquina hospitalar. Por causa da precariedade das ruas, as pessoas caem e se machucam. "Só eu já caí quatro vezes", acrescentou. Também é comum mototaxistas - o mototáxi é um dos meios de transporte mais usados pelos moradores do conjunto - caírem pelas ruas. Os acidentes ocorrem principalmente na época das chuvas. "Quando chove, os carros patinam", disse um rapaz. Há uma via que, com matos em suas margens, dá acesso a uma escola. É uma subida. O terreno é irregular. E, por essa razão, muitas pessoas acabam caindo nessa travessia.

image Moradores pedem o básico em saneamento (Ary Souza)

Prefeitura programa ações de limpeza


Procurada pela redação integrada de O Liberal, a Prefeitura Municipal de Belém disse que a Secretaria Municipal de Saneamento (Sesan) vai programar ações de limpeza para o local, que incluem os trabalhos de capinação e abertura de valas. "A Sesan esclarece que os serviços seguem um cronograma de atendimento por conta da grande demanda". 

Por sua vez, a Companhia de Saneamento do Pará informou que não abastece o conjunto Porto Laranjeiras. "A Companhia aguarda a regularização do local para poder fazer o cadastro dos moradores e fornecer água", afirmou.

Caixa aguarda desfecho de ação judicial


Em contato com a reportagem, a Caixa Econômica Federal informou que o empreendimento Porto Laranjeiras, financiado com recursos do Fundo de Desenvolvimento Social (FDS), está sob a responsabilidade das entidades organizadoras (Comteto, Novo Horizonte, UMB, AMOB e Femecam), "que contrataram a produção do empreendimento através do Programa Crédito Solidário".

Segundo a Caixa, o empreendimento foi invadido em 2016 e, desde então, as obras estão paralisadas. "A Caixa informa que aguarda o desfecho da ação judicial de reintegração de posse, ingressada por parte das entidades organizadoras, para que possa realizar a análise da situação técnica e a avaliação da possível retomada da obra".

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