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Lançamento de livro sobre alimentação do paraense é invadido

Registro de crimes virtuais aumentou no Pará durante a pandemia

Eduardo Laviano
fonte

No dia 20 de fevereiro, a live do lançamento do livro "Comida Cabocla", do paraense Miguel Picanço, foi invadida por hackers. 

Diversos xingamentos foram proferidos pelos invasores, além da exibição de vídeos de sexo explícito e mensagens de exaltação ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e aos regimes totalitários da Europa no século XX. 

O antropólogo Miguel Picanço, que traçou a história da alimentação do paraense, especialmente na região bragantina, disse que nunca passou por nada parecido antes.

Ele estranhou o fato de que os hackers o chamavam pelo nome, o que denota que não se tratou de uma invasão aleatória.

O professor acredita que o ocorrido foi algo muito maior que um ataque pessoal. 

"Isso faz parte de um projeto que é cada vez mais corriqueiro no Brasil: a negação da ciência. No sentido de impedir eventos científicos e acadêmicos mesmo, especialmente agora com a pandemia que precisamos realizá-los on-line", afirma o professor, que realizou o boletim de ocorrência no dia 22.

O delegado Adriano Izídio, da Diretoria Estadual de Combate a Crimes Cibernéticos (Deccc), afirma que registrar a ocorrência é fundamental para a investigação do crime.

Izídio destaca que, hoje em dia, é possível rastrear os invasores a partir de autorização concedida pela justiça, tornando qualquer ação virtual, de natureza perigosa, uma justificativa para o contato entre a polícia e as sedes das plataformas no Brasil, com o objetivo de investigar o ocorrido.   

"Estamos avançando nas parcerias com os provedores de aplicativos, na questão do acesso às informações. Toda vez que você entra na internet o registro de acesso pode ser catalogado e visualizado", diz o delegado.

A invasão de hackers em transmissões ao vivo pela internet gerou, inclusive, um documento com recomendações oficiais do Federal Bureau of Investigation (FBI, a agência nacional de investigação dos Estados Unidos).

O documento cunhou até um termo para a prática: Zoom-bombing, por conta da maioria dos casos ocorrerem no aplicativo Zoom, que foi impulsionado durante a pandemia de coronavírus.

image Delegado avalia que crimes virtuais aumentaram durante (Cláudio Pinheiro/Arquivo O Liberal)

A principal recomendação, tanto do FBI quanto do delegado Adriano, é de que os eventos, sejam de escolas, empresas ou outras instituições, evitem a realização de reuniões abertas ou divulgadas publicamente.

"Nas salas privadas, o acesso só é permitido com um link específico. Além disso, toda rede social precisa ter ativada a dupla verificação de acesso e ter um e-mail e telefone de segurança. São medidas que evitam dores de cabeça depois", acredita Izídio.

Adriano notou que o número de registros virtuais têm aumentado no Pará, com recorrência maior durante o isolamento social.

Segundo a Fortinet Threat Intelligence Insider Latin America, que analisa incidentes de segurança cibernética, o Brasil sofreu mais de 2,6 bilhões de ataques cibernéticos de janeiro a junho de 2020, de um total de 15 bilhões em toda a América Latina e Caribe.

Atualmente, a Deccc possui três frentes de atuação: uma focada nos crimes virtuais relacionados ao patrimônio das vítimas, como estelionato; a divisão de vulneráveis, voltada aos discursos de ódio contra minorias e pornografia infatil; e, por fim, a divisão responsável por crimes calúnia, injúria e difamação. 

Por conta da pandemia, a recomendação é que os boletins de ocorrência sejam registrados pela internet, no site www.delegaciavirtual.pa.gov.br/.

Livro terá novo lançamento

Como a invasão dos hackers se deu logo no início da transmissão, o autor Miguel Picanço está planejando uma nova data para lançar o livro, que já está em pré-venda. 

Em "Comida Cabocla", da editora Paka-Tatu, o antropólogo discorre os caminhos percorridos pelos alimentos paraenses e como eles moldaram a identidade dos povos amazônicos que habitam a região do Salgado e os arredores de Bragança.  

O foco, claro, não poderia ser outro: a mandioca, que Luís Câmara Cascudo chamou de "A Rainha do Brasil", na antológica obra "A História da Alimentação Brasileira". 

Picanço prefere atualizar o título para a realidade do século XXI, já que, em meados do século XX, o consumo do alimento diminuiu consideravelmente Brasil afora, em especial nas regiões Sul e Sudeste.

"É a rainha do Pará, desde o café da manhã até a hora do jantar. Durante o Círio, ela deixa de ser uma mercadoria e se converte em uma comida sagrada, com o pato de tucupi e a maniçoba. É o chamado prato totem, ou seja, tem uma importância simbólica grande o suficiente para explicar as idiossincrasias da humanidade", afirma.

Gilberto Freyre e Berta Ribeiro também se debruçaram nos estudos da mandioca para entender a vida brasileira, a compreendendo como um alimento dotado de vida social própria. 

"Olhar a mandioca dessa maneira é quebrar a visão antropocêntrica, que coloca o homem no centro do mundo. Os alimentos também protagonizam a vida, os pactos sociais e as características do nosso cotidiano", acredita Picanço.

image Mandioca é a base para diversos alimentos, como a farinha (Arquivo O Liberal)

Com a ajuda de 224 fotografias, o livro interpreta a versatilidade da mandioca no Pará desde a colonização, quando ela forjou o protótipo da cozinha brasileira enquanto identidade nacional, até os indígenas, que há pelo menos oito mil anos já dominavam o cultivo da planta, bem antes da chegada dos portugueses.

Picanço entende o fato de a mandioca estar tão presente no cotidiano paraense como um ato de resistência contra um mundo cada vez mais dominado por fast-foods, alimentos ultraprocessados e comidas artificiais e congeladas.

"Vivemos hoje num mundo globalizado e capitalista, focado no agronegócio. A tendência é padronizar os modos de viver e, por conseguinte, o modo de comer. Isso torna o ato de comer os derivados da mandioca um ato político, que é um debate muito em voga hoje em dia. Comer uma tapioca, por exempla, regional, nossa, vai contra a lógica que quer nos obrigar a seguir um padrão alimentar imposto", reitera.

O livro "Comida Cabocla" foi concebido em parceria com Toró Gastronomia Sustentável,  Grupo de Pesquisa de História da Alimentação e Abastecimento da Amazônia, da faculdade de história da Universidade Federal do Pará e prefeitura de Augusto Corrêa.

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