Entenda como a mobilidade urbana influencia na qualidade de vida dos motoristas

No Dia do Motorista, 25 de julho, eles falam sobre a vida no volante e os desafios da profissão

Victor Furtado

O leitor já tentou imaginar quantas vezes precisou de um motorista profissional na vida? Um rodoviário, taxista, motorista de aplicativo, entregador, transportador de mercadorias, motorista da empresa onde trabalha, transporte escolar, moto-táxi, condutor de ambulância, entre tantos. Para muita gente, a mobilidade urbana depende desses trabalhadores; pessoas que estão em estado permanente de alerta, para cumprir cada viagem com segurança e o mais rápido possível. Quase sempre, um trabalho coberto de críticas e reclamações. Se o leitor nunca pensou nisso antes, este dia 25 de julho, Dia do Motorista, pode ser um bom momento para essa reflexão.

Diariamente, motoristas profissionais estão expostos a uma série de estímulos e situações estressantes. A atenção permanente ao trânsito — semáforos, placas, sinais na pista, velocidade, informações do painel do veículo e as ações de outros motoristas —, o barulho dos motores e buzinas, o tempo prolongado que se passa sentado, horários a serem cumpridos, metas a serem batidas. Isso se não estiver no calor, que acaba intensificando o desgaste físico e mental. Muita coisa passa pela cabeça e pelos olhos de cada condutor profissional. É difícil manter um sorriso o tempo todo e não cometer nenhum erro.

Na Região Metropolitana de Belém, cerca de 3 mil motoristas estão atuando nos ônibus do transporte público, como aponta o Sindicato dos Trabalhadores em Transportes Rodoviários do Estado do Pará (Sttrepa). Dos condutores nascido no Pará 415.332 exercem atividade remunerada, afirma o Detran. Esses profissionais já sofrem uma pressão psicológica enorme por estarem dirigindo. Somado a isso, há o estresse da responsabilidade por conduzir várias vidas; de conseguir cumprir as rotas dentro do horário e atendendo a todos os passageiros; do calor pela falta de ar condicionado; e pela complexidade de dirigir um veículo mais pesado. Esses rodoviários dirigem oito horas por dia. Às vezes mais, dependendo dos congestionamentos. Quando respeitado, o descanso é de uma hora.

Não há como estimar quantos são os motoristas trabalhando com aplicativos de mobilidade. Esse número vive mudando. A pressão à qual estão submetidos é a mesma de todos os outros motoristas profissionais. Mas essa categoria tem um agravante: por ser como um trabalhador autônomo, só dá para parar de dirigir quando uma meta financeira é atingida. Isso pode levar de 12 a 14 horas de serviço, com poucos intervalos de descanso. A preocupação com dinheiro é uma constante que assombra cada um desses trabalhadores. E a violência. Muitas dessas pessoas vivem sob a tensão de que o próximo passageiro seja um assaltante.

Mais tempo ainda trabalham caminhoneiros. Preocupados em fazer a viagem mais longa e no menor tempo possível, muitos desses motoristas se sujeitam a cargas horárias muito extenuantes. Muitos caminhoneiros ou já fizeram ou conhecem alguém que fez um frete de 100 horas e não descansou nem 15% desse tempo (alguns se sujeitando ao uso de drogas para ficar acordado). Há fatores que preocupam ainda mais essa categoria, como o afastamento de casa e desconforto em locais de descanso (às vezes ausência de um lugar digno para descansar). A violência, para estes trabalhadores, também é um fator de desgaste psicológico permanente. E esses enfrentam as piores estradas de todas.

Estresse e cansaço levam a serviço mais perigoso e de menor qualidade

Quanto mais tempo uma pessoa passa no trânsito, mais tende a ter comportamentos automatizados e menos capacidade de resposta rápida. A afirmação é do pedagogo e especialista em trânsito Rafael Cristo. Pelo artigo 67 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB), nenhum motorista profissional deve dirigir por mais de cinco horas e meia ininterruptas. Nesse período, sempre deve ser respeitado um tempo de 30 minutos de descanso. Mas isso está longe da realidade de muitos trabalhadores. O descanso diário deve ser 11 horas, mesmo que esse tempo seja fracionado.

Cristo é enfático: dirigir é estressante para qualquer pessoa, mas para motoristas profissionais, esse desgaste chega um nível totalmente diferente. O ideal, diz ele, é que todo motorista profissional deveria ter acompanhamento constante de fisioterapia, cardiologia, otorrinolaringologia, oftalmologia e psicologia. A saúde desses trabalhadores é afetada diretamente nessas áreas. Ele cita uma pesquisa da Associação Brasileira de Medicina do Tráfego (Abramet), que prevê problemas neurológicos diversos nessa categoria, entre 10 e 15 anos de serviço.

A minimização dos impactos da profissão motorista passam pelo descanso, atividade física, alimentação e acompanhamento de saúde. Os intervalos precisam ser respeitados. A alimentação precisa ocorrer de forma tranquila, assim como a digestão. Os motoristas profissionais precisam se hidratar. Precisam usar protetores auriculares. A cada período dirigido, precisa fazer ao menos algum alongamento. E quando estiver descansando, precisa mesmo relaxar e se desconectar do estresse de dentro do veículo. O sono precisa ser inviolável.

"Todo esse desgaste reflete na qualidade do serviço e na segurança. Quem dirige 12 horas por dia, começa a ter o tempo de reação cada vez mais prejudicado. Os comportamentos vão sendo automatizados, devido à fadiga. A visão é reduzida, conforme a luz natural muda. Por essas razões, alguns serviços contam com troca de motoristas. Por isso, é interessante interagir com os motoristas de aplicativos, para mantê-los mais ativos", pontua o especialista em trânsito.

Mais especificamente em relação aos motoristas de aplicativos, Cristo critica algumas medidas de empresas que caracterizam "gameficação", que é transformar determinadas coisas numa espécie de jogo. Algumas plataformas oferecem tarefas que recompensam os motoristas que fazem um número de viagens num tempo estabelecido. Em longo prazo, tanto esses motoristas quanto caminhoneiros estarão sofrendo de ansiedade. O desespero em cumprir prazos e metas sempre deixa os trabalhadores apreensivos e preocupados.

"O trabalho para motoristas profissionais é hostil e insalubre. Isso reflete na realidade que vivemos na relação com esses trabalhadores. Motoristas profissionais precisam cuidar da saúde sempre, principalmente do psicológico. Do contrário, ocorrem acidentes, problemas de relacionamento e redução da qualidade dos serviços prestados", conclui Cristo.

Ouça:

"Motorista profissional é subvalorizado", diz motorista de app

Sidney Ramos, conhecido mais pelo apelido de Magal, é motorista por aplicativos há dois anos. Para ele, apesar de essa categoria ter solucionado muitos problemas de mobilidade urbana, é uma classe subvalorizada. O estresse ao qual se submetem cobra um preço na saúde, mais cedo ou mais tarde. Ele diz cuidar o máximo que pode da saúde. Do contrário, não suportaria dirigir as 12 horas diárias que faz atrás de um volante.

No começo, conta Magal, era possível bater a meta financeira com seis ou oito horas de trabalho. Só que a quantidade de motoristas aumentou, o combustível ficou mais caro, as vias ficaram em piores condições (exigindo manutenção mais frequente) e a tarifa da empresa na qual trabalha diminuiu. O retorno ficou menor. A alternativa foi aumentar a carga horária. É relativo, mas há quem chegue a 14 horas ou mais dirigindo para obter algum lucro razoável.

image Sidney Ramos trabalha há dois anos como motorista de aplicativo, rodando pela Região Metropolitana de Belém. (Akira Onuma/ O Liberal)

"É uma profissão de alto risco, estressante e subvalorizada. Muita gente faz por necessidade, devido essa crise econômica e desemprego. Mas ninguém quer ficar fazendo isso para sempre. Ainda assim, rende melhor do que um emprego de carteira assinada e que paga um salário mínimo. Só que precisa se cuidar. Eu dou meu jeito. Outros colegas não e já se queixam de dores na coluna", comenta Magal.

O motorista reconhece que, a cada hora no trânsito, o desafio de manter a atenção e o foco aumenta. Os passageiros mais educados e simpáticos, com uma conversa, costumam amenizar esse desgaste e ajudam a mente a ficar concentrada. O estresse é aliviado. "Não é todo mundo. Sempre tem algum que dá problema e desconta dando avaliação negativa ao motorista", diz, citando mais uma pressão permanente sofrida por essa categoria. Recomenda, por experiência, que ninguém dirija demais sem descanso. Os efeitos podem ser desastrosos. 

Psicóloga orienta sobre como aliviar o estresse de profissionais do trânsito

A psicóloga Danielle Almeida afirma que profissionais do trânsito estão sujeitos a um desgaste mental intenso. Isso é provocado pelo tempo em que a pessoa precisa ficar alerta. Calor, estresse, violência, cansaço, preocupação com o dinheiro, barulho. Somados, esses fatores, por longas horas e vários dias, podem levar aos sintomas de ansiedade. Esses trabalhadores vão ficar cada vez mais cansados, irritados, tristes.

"Quem sai para trabalhar nessas condições, quando volta, está acabado. Não é porque está sentado que é mais fácil. É estressante mesmo. Para motoristas de ônibus, ainda tem o calor e o barulho do motor. Então esses profissionais precisam ter intervalos para descansar e encontrar meios de amenizar o cansaço e estresse", recomenda a psicóloga. Cada pessoa deve encontrar seus próprios mecanismos de alívio.

Entre medidas gerais, ouvir música costuma ser uma ótima forma de se distrair. Se der, cantarolar um pouco pode ser ainda mais aliviador. Essa música pode ser enquanto se está dirigindo ou durante uma pausa. Como se mexer é bom para profissionais que passam tanto tempo sentados, uma "dançadinha" com a música pode resultar em micro milagres nos corpos cansados.

Aos mais religiosos, a leitura de uma passagem da Bíblia ou outro livro pode acalmar. Tem até aplicativos com essas mensagens para celulares. Pode ser um momento de oração, meditação ou simplesmente respiração. Se der, na pausa, um cochilo também pode ajudar. A alimentação também pode ajudar. Água também. Mas nada em excesso, principalmente estimulantes (café e energéticos, por exemplo). Drogas para se manter acordado jamais devem ser usadas.

Danielle também destaca o valor de uma conversa enquanto se dirige. Claro, nada que tome ou exija atenção total. Por isso, muitos rodoviários costumam conversar entre si, motorista e cobrador. Eis uma razão a mais para cumprimentar os rodoviários. Pode amenizar e muito os problemas deles.

Para desligar a mente do estado de alerta, ao final do expediente, leva um tempo, aponta a psicóloga. Não é algo rápido. Mas tão logo seja tempo de descansar, é para aproveitar tudo e descansar mesmo. Banho, alimentação, lazer, contato com a família ou mesmo um exercício físico. Ter alguém para conversar pode ser uma boa forma de aliviar o estresse e fazer esquecer alguma experiência ruim do dia. Desnecessário dizer que namorar pode aliviar muitas tensões após um dia de trânsito caótico.

"Quem puxa baú vira bicho. É herói", diz caminhoneiro

Davi Sullivan é caminhoneiro há 9 dos 41 anos de vida. Ele diz ser algo que faz com muito amor. Tanto que acaba nem percebendo tanto o cansaço e estresse. Largou a profissão no Direito para viver nas estradas. Na opinião dele, quem trabalha com caminhões baús é herói, pois "vira bicho" para fazer todas as entregas a tempo, nos trajetos mais absurdos. Só tem algo que tira o brilho da profissão para ele: violência.

"Estrada é que nem morfina para mim. Fico feliz em ver as paisagens, a chuva, o vento, nascer e pôr do sol... respirar o ar... eu sou feliz e agradecido por poder ver, ouvir e sentir tudo isso. Quantas pessoas não podem mais ter essas experiências porque estão numa cama de hospital?", diz Davi, justificando o que faz a profissão de caminhoneiro ser tão amada por ele. Já tirou 68 horas, com menos de 10 de descanso, para São Paulo. Nem vê isso como problema.

Mas ele se irrita quando dirige também. Um desses momentos é quando pega uma estrada em péssimas condições e sente: "o dinheiro público está sendo jogado fora". "A Transamazônica foi a pior de todas, pura bucha", lembra Davi. E essa sensação só piora quando precisa pagar vários impostos, pedágios e propinas — ele afirma que todo caminhoneiro já passou por isso — a agentes de fiscalização do trânsito. Para ele, a violência vem com arma ou com caneta.

"Se não der o dinheiro escondido dentro do documento para algum agente ou policial, é punido por qualquer coisa. Infelizmente, isso é direto. Isso dá nojo. E ainda tem o combustível caro demais, que nunca baixa, só aumenta, não importa o preço do barril de petróleo no mercado. Por mês são R$ 10 mil de óleo e R$ 24 mil a cada três ou quatro meses para trocar pneus por causa dessas nossas estradas", reclama o caminhoneiro. Ele já consegue lidar com isso. Só que ele não é todo mundo. Essas pressões afetam bastante outros colegas dele.

Como motorista profissional, Davi aponta que há um problema grave que leva à deterioração das estradas e atrapalha a todos os motoristas: o sobrepeso dos caminhões. Reconhece que dificilmente um caminhoneiro anda com o peso legal, "de balança". Muitos se submetem ao sobrepeso, que desgasta ainda mais os caminhões e danificam as estradas.

"Tudo por falta de fiscalização. Se tivesse, ninguém ia fretar mais peso do que o caminhão aguenta e nenhum caminhoneiro ia aceitar. Aí pesa, cria rachadura na pista, entra água e o buraco abre. Olha o problema", comenta Davi. E para se livrar desse tipo de estresse, assim que chega em casa, deita na rede, liga o ar condicionado e relaxa. Depois, pega uma bicicleta e vai rodar. "Todo mundo precisa conhecer seus limites. Quando não dá, não dá", conclui.

Ouça a entrevista na íntegra, aqui.

Quem foi São Cristóvão, o padroeiro dos viajantes e motoristas

Dia 25 de julho também é o dia de São Cristóvão, o padroeiro dos viajantes e motoristas. As origens e lendas envolvendo o santo são muito difusas. Supostamente, era um feroz guerreiro bárbaro. A estatura chamava a atenção. Viveu vagando pelo Oriente Médio em busca de um mestre que colocasse suas habilidades de combate em bom uso. Eventualmente, encontrou um menino que pediu que o ajudasse a atravessar, de uma margem a outra, um rio.

Na travessia — um transporte, que era o máximo de mobilidade urbana que se poderia pensar naquela época —, o menino foi ficando cada vez mais pesado. Tão pesado quanto o mundo, pensou o gigante bárbaro. Segundo a lenda, seria o próprio Cristo, que explicou que ele havia carregado não o peso do mundo, mas do criador do mundo.

O nome "Cristóvão" significa "aquele que carrega Cristo". Inicialmente o santo era considerado padroeiro apenas dos viajantes. No século XX, a popularidade foi renovada como padroeiro dos motoristas. Esses profissionais que carregam as vidas dos outros.

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Belém
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