Em Belém, projeto de comunicação popular incentiva valorização da cultura periférica
Instituto Periferia em Foco investe na divulgação da música feita por jovens de favelas belenenses
Numa esquina próximo à avenida Mário Covas, em Ananindeua, dois jovens chamavam a atenção de vizinhos enquanto tocavam Sinhá Pureza, do Pinduca, ao som de uma flauta doce e um violão. Nem a garoa que caía no fim da tarde afastou o público daquela singela apresentação. Para alguns, poderia ser apenas um ensaio realizado ao ar livre. Mas, para as pessoas ligadas ao Instituto Periferia em Foco, era um grito de resistência reverberando na força da arte.
Pedro Santos, de 14 anos, era quem usava os dedos em efeito de mola pela flauta doce, com a leveza de um músico profissional, e pedia desculpas quando falhava na passagem das notas agudas para graves. Não é para menos. O adolescente é um dos integrantes do Grupo Flautas Doces da Amazônia, única orquestra da América do Sul que cumpre os parâmetros da comunidade internacional voltada para o instrumento. Já Dafny Ramos, de 11, acompanhava o primo na seleção musical, tocando escalas, acordes e solos do violão com precisão e segurança.
Pedro e Dafny são primos e fazem parte de um grupo do projeto Música na Esquina, que reúne 16 jovens da periferia onde todos já sabem tocar algum instrumento para se apresentar, como o próprio nome diz, na esquina. Segundo o diretor-presidente do Instituto Periferia em Foco, jornalista Wellington Frazão, o objetivo é chamar a atenção de que, naquele ponto, existe uma força capaz de mudar realidades. “A gente escolhe esses lugares onde há um buraco, ou registro de assalto, para mostrar que o que soa como denúncia ressoa como potência”, afirma Frazão.
O projeto nasceu em 2016, ficou sete anos parado e foi retomado em 2023 Foi uma das primeiras iniciativas do então grupo Periferia em Foco - hoje Instituto - que encontrou nas redes sociais o caminho para exaltar histórias inspiradoras em oposição à forma como o bairro era apresentado pela grande mídia.
“É como se aqui só morassem criminosos, pobres e só tivesse mazelas sociais. É claro que a gente não quer romantizar, mas precisamos mostrar nossas jornadas de dentro pra fora. Só nós que moramos na periferia sabemos mais sobre essas dores, alegrias, tristezas que existem aqui, então é melhor do que a gente contar nossa própria realidade sem distorcer os fatos, sem inventar notícia”, conta o jornalista.
O Instituto Periferia em Foco venceu o edital Periferia Viva, da Secretaria Nacional de Periferias do Ministério das Cidades também em 2023, conquistando o 1° lugar entre as sete iniciativas da região Norte que também se destacaram na premiação. Com o prêmio de R$ 50 mil, Frazão conta que foi possível investir na formação dos jovens músicos. “Depois de 7 anos, a gente conseguiu comprar instrumentos para o Música na Esquina, além de uma câmera. Eu consegui ver a valorização de tudo aquilo que a gente vinha trilhando e o Ministério das Cidades reconheceu aquilo que a gente vem fazendo aqui na Cabanagem.
Sonhos em família
O desejo de um mundo melhor, que valorize o potencial das periferias, também está enraizado na formação familiar. Na casa dos primos, Dafny Ramos lembra que o interesse em aprender música começou quando via o Pedro tocando flauta no andar superior da casa, então resolveu aprender a tocar cavaquinho. Mas o interesse pelo instrumento não foi para frente. “Eu comecei, mas depois de um tempo eu deixei ele parado. Meu pai perguntou se eu gostaria de tocar outro instrumento porque ele ia vender o cavaquinho. Aí eu vi minha tia tocando violão também e comecei a aprender”, conta Dafny.
Pedro Santos tinha 9 anos quando a mãe resolveu inscrevê-lo num projeto de música. Chegou a tocar bateria, mas foi o “som muito bonito” que o levou a escolher a flauta doce. O adolescente se orgulha de ter tocado para várias pessoas no ano de 2024. “A gente já tocou uma vez no Shopping Grão-Pará, em lares de acolhimento, asilos. Eu nunca pensei que ia tocar em lugares assim”, disse o estudante que tem o sonho de ser professor de Música. Ele, inclusive, se apresentou na clínica médica onde a avó fazia tratamento de hemodiálise. Ela morreu três dias antes desta entrevista ser feita.
Por falar em apresentação, a doméstica Izamara Santos, mãe do Pedro, recordou de uma conversa que teve com ele há pelo menos 2 anos. O filho disse que um dia iria se apresentar para um público grande.
“O Pedro disse: ‘mãe, eu quero tocar para muita gente. Eu quero que muita gente ouça o som da flauta doce’. E eu ficava pensando: ‘meu Deus, como é que ele vai fazer um show para milhares de pessoas? Mas aí eu fui entender que ele estava tocando para milhares de pessoas, mas em locais diferentes. E eu fiquei muito emocionada de ver que ele realizou esse sonho”.
Periferia no centro da COP
Wellington Frazão avalia que as periferias de Belém precisam ser valorizadas nesse momento em que se debate sobre as obras da COP e o futuro do planeta. Disse ainda que o fato de a Metrópole da Amazônia ser altamente favelizada causa desconforto na população que vive nos centro urbano. “Muitos gostariam de eliminar a periferia, eliminar a favela, mas não vai resolver o problema. A COP vai passar e a gente vai continuar aqui. E se nós não fizermos nada para mudar a realidade, o próximo Censo vai apontar um aumento no número de favelas”, sinaliza Frazão.
O jornalista também falou que a periferia é o centro do mundo, e espera que o grande destaque que Belém está recebendo do mundo possa tirar a periferia desse cenário de pobreza e de carência. “Espero que essas iniciativas que valorizam esse território também possam nos chamar para mesa de debate, para que as nossas vozes na cor preta, as vozes da periferia, possam ser ouvidas e levadas a sério”, enfatiza.
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