Dia Nacional da Língua Portuguesa é celebrado nesta sexta-feira, 5
No falar de um povo, há um natural dinamismo que coloca termos em desuso e cria outros, diz presidente da Academia Paraense de Letra

Com a pandemia, o job, para muitos brasileiros, é feito, agora, em home office. Mas, para o exercício da atividade profissional, é importante ter um feedback, seja presencialmente ou por e-mail. Essas palavras, muito presentes no cotidiano das pessoas, mostram um pouco a força das palavras estrangeiras no vocabulário nacional. Job significa trabalho e home office é exercer essa atividade de forma remota – em casa, por exemplo. Feedback é o retorno para uma determinada situação. E e-mail dispensa apresentação.
E, nesta sexta-feira (5), é celebrado o Dia Nacional da Língua Portuguesa. Presidente da Academia Paraense de Letras, Ivanildo Ferreira Alves disse que a língua portuguesa, adjetivada por Olavo Bilac como inculta e bela, é dotada de uma riqueza magnífica, superlativa, como todos os idiomas que tiveram por berço o lácio. E possui uma capacidade muito grande de adaptar termos estrangeiros ao idioma falado e escrito. “As palavras derivadas de outros idiomas, normalmente em decorrência dos processos tecnológicos e da interação entre os povos, um processo inexorável, diante da globalização, com o constante uso, passam por um processo de adaptação para a língua portuguesa”, afirmou.
Segundo ele, não é possível proteger o idioma, a língua falada, por meio de lei, como fez o governo da França com a língua francesa. “Porque, no falar de um povo, há um natural dinamismo que coloca termos e expressões em desuso e cria outros. Nesse processo, que eu entendo natural, os meios de comunicação social, especialmente a imprensa e as redes sociais, têm um papel proeminente, na medida que popularizam termos e expressões”, acrescentou.
Autoridades podem valorizar a língua investindo na educação popular
Os educadores, porém, possuem papel de destaque na valorização do idioma, porquanto ele faz parte da cultura de um povo, destaca sua identidade cultural, diante da hegemonia de ideias e da tecnologia. “Atualmente o imperialismo das armas foi substituído pelo imperialismo cultural. Não tem muito tempo, ao abrir a Assembleia Geral da ONU, o doutor Fernando Henrique Cardoso, para mostrar sua erudição, discursou em francês, olvidando a língua-mãe”, lembrou.
Ivanildo Ferreira Alves disse ainda que as autoridades públicas podem valorizar a língua de Camões e Rui Barbosa investindo na educação popular, especialmente, no ensino da língua-mãe. “Como presidente da Academia Paraense de Letras, colocaremos em pauta no ano que vem, provavelmente no segundo semestre, um Encontro de Lusofonia, a ser realizado em Belém, congregando países como Angola Guiné-Bissau, Moçambique, Cabo Verde, Timor Leste, São Tomé e Príncipe, Guiné Equatorial e, claro, Portugal. Para debater esses temas todos e buscar diretrizes quanto ao português escrito e falado”, afirmou.
Língua portuguesa é um "animal vivo", diz escritor
O escritor Daniel da Rocha Leite pensa ser importante valorizar a língua portuguesa no sentido de dar a conhecê-la. Possibilitar, desde criança, o contato com a língua. Esse contato que, desde a infância, é multissignificativo: a sonoridade da língua, a língua como um brinquedo. “Que possamos, assim, conhecer a língua portuguesa na sua dimensão infinita, com as suas variantes possíveis, com as suas variantes incessantes, que sempre estão a nascer e a se dissolver dentro da própria língua”, afirmou.
Conhecer desde a infância e por toda a nossa jornada de vida a língua como um processo identitário, subjetivo, coletivo, mútuo, social. Pensar a língua sempre como esse animal vivo, indomável, que é a língua portuguesa. E talvez o difícil da valorização seja exatamente a pretensão de se dominar a língua portuguesa. “Vemos aí sempre jogos de poder em que a língua é um instrumento, desde a nossa colonização, passando por todo o nosso processo social, pelas influências das línguas africanas e indígenas e chegando até a contemporaneidade. Percebemos sempre que a língua, por aqueles que se julgam donos do poder, pretendem sim domesticar esse animal vivo. As pretensões do poder sobre a língua também são sempre constantes e se renovam bem mais sutis com seus preconceitos linguísticos velados que, na realidade, traduzem preconceitos sociais”, afirmou.
Valorizar a educação é valorizar a língua portuguesa
O escritor disse que o estrangeirismo na língua portuguesa é um assunto polêmico, como se houvesse o apagamento de uma palavra portuguesa em prol de uma palavra estrangeira. “Mas também é preciso que se perceba que o estrangeirismo pode também ser, em uma perspectiva ali do Oswald de Andrade, a própria palavra estrangeira pode ser devorada pela língua portuguesa, mastigada pela língua portuguesa, em uma certa antropofagia da palavra estrangeira. E não é comum observarmos que muitas palavras que, antes, eram estrangeiras, hoje em dia estão em nossa própria língua. E que estão aportuguesadas e que, antes, nos causavam muito espanto por serem estrangeirismos. Não vejo como algo ruim ou deletério para a língua portuguesa se nós pensarmos nessa apropriação antropofágica do estrangeirismo”, acrescentou.
Mas é importante que se destaque que há, dentro da própria língua portuguesa, palavras que traduzem, que comunicam, que alcançam uns aos outros sem ser uma palavra estrangeira. “Não vejo como algo ruim ou algo purista. É uma dinâmica de uma língua que, em constante fricção com a outra, naturaliza a outra”, afirmou Daniel da Rocha Leite. Para o escritor, as autoridades têm uma obrigação institucional de se pensar a língua portuguesa como uma valorização identitária plurissignificativa constantemente.
Para ele, o campo da valorização tem a ver com o campo da valorização da educação, do professor. “Eu celebro quando vejo as escolas públicas com as bibliotecas com o professor dentro da biblioteca fazendo a mediação de leitura, fazendo o trabalho de uma leitura literária. Valorizar a educação é valorizar a língua portuguesa, valorizar as bibliotecas públicas, valorizar o trabalho do professor e da professora”, disse. Também há outro campo de valorização da língua, que é o campo subjetivo, social, o campo da família. “De promovermos, nós, ações de leitura em casa com as nossas filhas e filhos. Ler em voz alta para uma criança, escutar a leitura de uma criança, promover pequenos clubes de leitura”, afirmou o escritor.
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