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Demência frontotemporal: especialista explica diferenças em relação ao Alzheimer e impacto da doença

Doença costuma iniciar com distúrbios de personalidade, alteração de humor, comportamento e linguagem, diz o médico neurocirurgião Edmundo Luís Rodrigues Pereira

Dilson Pimentel
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O diagnóstico do ator americano Bruce Willis com demência frontotemporal - também conhecida como Doença de Pick - trouxe à tona um tema complexo, mas de extrema importância para o debate público: as doenças neurodegenerativas que afetam milhões de pessoas em todo o mundo e transformam a vida de pacientes e familiares. O caso do astro de Hollywood, conhecido por filmes de ação e comédia, despertou uma série de dúvidas e reflexões sobre o que exatamente é esse tipo de demência, como ela se manifesta e em que se diferencia de doenças mais conhecidas, como o Alzheimer.

Para esclarecer o tema, a Redação Integrada de O Liberal ouviu o médico neurocirurgião Edmundo Luís Rodrigues Pereira, mestre em Neurociências e doutor em Ciências Médicas e Oncologia. O especialista, que também é professor associado de Neurologia da Universidade Federal do Pará (UFPA), explicou com detalhes os mecanismos da doença, os sinais de alerta e as possibilidades de tratamento, além de refletir sobre os desafios do cuidado e o papel das famílias na convivência com pacientes diagnosticados.

De acordo com o médico, a Demência de Pick, ou Demência Frontotemporal (DFT), é um tipo de distúrbio que, inicialmente, não se manifesta pela perda de memória, como ocorre no Alzheimer, mas sim por mudanças comportamentais e de linguagem. “A Demência de Pick (demência frontotemporal - DFT) costuma iniciar com distúrbios de personalidade, alteração de humor, comportamento e linguagem”, explicou.

Segundo o doutor Edmundo Pereira, essa condição ocorre porque “a atrofia (morte de células nervosas) é maior nos lobos frontal e temporal, áreas responsáveis pela memória, pensamento, raciocínio lógico e linguagem”. Já a Doença de Alzheimer, apontou o especialista, “inicia com distúrbio de memória e a atrofia não é restrita apenas aos lobos frontais e temporais. Pelo contrário, no Alzheimer a atrofia cerebral é difusa, afetando todos os lobos cerebrais, sendo mais intensa em uma área dos lobos temporais chamada de hipocampos, relacionada à memória para fatos recentes”. O médico acrescentou que “a Demência frontotemporal surge em pessoas na faixa etária de 50 a 60 anos, enquanto que a Doença de Alzheimer acomete pacientes de mais idade, a partir dos 65 anos”.

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Essas diferenças explicam por que muitas vezes os primeiros sintomas da DFT passam despercebidos ou são confundidos com problemas emocionais, estresse ou depressão, já que as alterações de comportamento e linguagem podem anteceder por anos qualquer comprometimento da memória.

Sinais de alerta e primeiros sintomas

Um dos pontos mais importantes no diagnóstico precoce é o reconhecimento dos sinais de alerta da demência frontotemporal, especialmente pelos familiares, amigos e cuidadores próximos. O doutor Edmundo declarou: “Mudanças no comportamento e no humor, tais como isolamento social (“amuado num canto”, “até parece outra pessoa”, comentam os familiares), alternados por episódios de raiva ou birra sem motivo aparente acompanhado de distúrbios da linguagem, com dificuldade para entender e responder corretamente acerca de objetos, lugares e pessoas antes conhecidas, podem representar os primeiros sintomas da DFT”, afirma o médico.

Essas alterações refletem o comprometimento das áreas cerebrais responsáveis pelo controle emocional e pela linguagem, o que faz com que a pessoa, gradualmente, perca parte da espontaneidade, da empatia e até do filtro social, podendo apresentar comportamentos inadequados sem se dar conta. Enquanto a Doença de Alzheimer costuma surgir a partir dos 65 anos, a DFT tem um início mais cedo, ao redor de 50-60 anos, época em que as pessoas ainda possuem capacidade produtiva como visto no caso do ator Bruce Willis. “O diagnóstico da DFT é impactante, considerando que a população mundial está se tornando cada vez mais longeva, com idosos mais saudáveis e ativos, que conseguem contribuir sendo independentes e produtivos”, afirmou o médico.

As razões pelas quais a DFT tipicamente acomete pessoas em fase pré-senil (50-60 anos) “se devem ao fato de a pessoa afetada possuir, pelo menos, três grupos de genes envolvidos, todos com alta probabilidade de manifestar a doença”. Por atingir pessoas ainda em plena atividade profissional e familiar, o impacto social e emocional é profundo. Além da perda progressiva das funções cognitivas, há um grande abalo nas relações interpessoais e no ambiente de trabalho, já que o comportamento e a linguagem do paciente se transformam de forma marcante. Atualmente, não existe cura para a DFT, mas há muitos protocolos experimentais e terapias complementares voltadas a minimizar os efeitos e retardar a progressão, buscando melhorar a qualidade de vida.

image Médico neurocirurgião Edmundo Luís Rodrigues Pereira: "A demência frontotemporal costuma iniciar com distúrbios de personalidade, alteração de humor, comportamento e linguagem" (Foto: Arquivo Pessoal)

Resultados promissores

“Infelizmente ainda não há um tratamento comprovadamente eficaz. Porém, pesquisas na área de Nanotecnologia e Terapia-Alvo (medicina de precisão) têm mostrado resultados promissores, destacando-se aquelas que combinam medicamentos ‘neuromoduladores’ (capazes de equilibrar o humor e o comportamento) conjugados a Nanopartículas capazes de direcionar o neuromodulador apenas para as áreas cerebrais adoecidas, poupando áreas normais. Porém, é necessário cautela com esses resultados preliminares, já que os reais benefícios observados em pequenos grupos de pessoas (10-20) requerem validação estatística com uma população maior de pessoas portadoras da doença (100-500 pacientes)”, explicou o doutor Edmundo.

O médico fez um alerta essencial: “Apesar da semelhança clínica e patológica, os medicamentos que atenuam a Doença de Alzheimer não devem ser utilizados na DFT, pois podem piorar os sintomas”. Ele também ressaltou a importância das terapias de suporte: “A Terapia Ocupacional e a Fonoterapia auxiliam bastante nos estágios iniciais da doença, porém deixam de ter efeitos benéficos nos estágios intermediário e tardio da DFT”.

Com o avanço da doença, “caracteristicamente evolui com perda gradual das faculdades mentais, do raciocínio lógico e da capacidade de se comunicar (perda da compreensão e expressão da fala), gerando isolamento e conduta dissocial, até alcançar um estado de inconsciência (mesmo estando desperto), completa dependência de terceiros (fase tardia), quando se observa a total alienação do paciente em relação ao mundo que lhe cerca, ‘desaprendendo’ a se alimentar e a cuidar de si próprio”, acrescentou.

“Nessa etapa (5 a 10 anos após o diagnóstico)”, prossegue o neurocirurgião, “surgem várias complicações, como inanição, desnutrição e infecções (pneumonias, infecção urinária), que comprometem mais ainda o estado clínico dos pacientes, os quais poucos conseguem ultrapassar dez anos de sobrevida”.

Ele acrescentou: “Alguns medicamentos que aumentam o neurotransmissor serotonina podem ter alguma ação benéfica nos estágios iniciais da doença, porém, assim como a terapia ocupacional e a fonoterapia, também perdem a eficácia à medida que a doença progride”.

Apoio, empatia e o papel das famílias

Para o especialista, o tratamento da DFT vai muito além das terapias e medicamentos. Ele passa, principalmente, por compreensão, paciência e solidariedade. “Apesar de não ser uma tarefa fácil, é fundamental que os pacientes recebam o máximo de atenção possível por parte dos familiares, os quais devem entender que as mudanças de humor e comportamento, por vezes com reações agressivas, são resultado de uma doença grave e incurável”, destaca o médico.

Segundo ele, “essa compreensão ajuda muito a reduzir o sofrimento de pacientes e familiares, facilitando o empenho para minimizar o sofrimento e a perda progressiva da consciência, por mais que saibam que a doença seguirá seu curso, levando o caráter e a personalidade de seus entes queridos bem antes que o corpo”. O neurocirurgião reforçou que o amor e o afeto podem ser considerados uma forma de remédio: “As pessoas envolvidas nos cuidados podem acrescentar um ‘remédio’ indispensável para manter a segurança, o bem-estar e a dignidade dos pacientes: cuidar com zelo solidário, procurando transmitir amor, carinho e segurança. Esses ‘remédios’ por certo produzem um efeito permanente nos pacientes, minimizando o sofrimento ao mesmo tempo que aumentam a sensação de bem-estar da pessoa afetada por tão devastadora doença”.

 

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