Autismo em foco: histórias de autismo e diversidade são exemplos de enfrentamento de desafios

A quinta reportagem especial do "Autismo em Foco" mostra a história do indígena autista Carlos Augusto Vieira da Silva, que conta com o amor da mãe para superar barreiras; e a história da advogada Bárbara Cozzi Gonçalves, que supera preconceitos diante de sua orientação sexual

Eduardo Rocha
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Como fruto da desinformação, a discriminação costuma ser uma adversária aguda da cidadania, do acolhimento que, por exemplo, pessoas com autismo e com características específicas como indígenas e homoafetivos. Essa é a temática desta quinta reportagem especial da série Autismo em Foco, publicada toda quarta-feira no portal O Liberal.com e no jornal O Liberal.

Criar e garantir direitos ao filho indígena e com autismo é a missão da escritora Márcia Kambeba, 44 anos. Márcia nasceu na aldeia Belém do Solimões, no Amazonas/Alto Solimões. É formada em Geografia, com mestrado em Geografia pela UFAM e faz Doutorado em Letras na UFPA. Atua como escritora há mais de 10 anos, com cinco livros publicados.

Márcia mora em Castanhal e pertence ao povo Omágua/Kambeba que se localiza em toda calha do Alto Solimões (AM), no Rio Negro, Baixo Amazonas, Fortaleza. Também há Kambeba na Amazônia Peruana e Equatoriana. Há relato de que mais de 700 Omágua vieram para o Pará no Século 17, embrenhando-se no Marajó. Márcia Kambeba é casada com o mecânico José Carlos, 55 anos. Carlos Augusto Vieira da Silva é o filho do casal, com 14 anos, e que tem autismo moderado.

Carlinhos tem acompanhamento multiprofissional, porque sente dificuldade na escrita e na leitura. “Com 3 anos, percebi que meu filho tinha dificuldade de fala, não respondia muito a estímulos, dificuldade para equilibrar, seletividade de alimentos; se recusava a comer carne, frango e peixe. Foi quando procurei o especialista para acompanhamento e só aos 8 anos conseguimos fechar o diagnóstico”, relata Márcia.

“Meu filho me ensina a cada dia ser melhor, mais humana, a perdoar, a compreender o outro, a respeitar as diferenças, compreender o tempo de ser de cada pessoa. Aprendo com meu filho o que é superação. Sofro com ele se ele passa algum constrangimento na escola ou na rua pela falta de informação das pessoas sobre o autismo”, enfatiza Márcia Kambeba.

Desrespeito

Ela conta que recentemente um professor na escola disse a Carlinhos assim: “Você não sabe ler, Carlos, isso tá atrapalhando os outros colegas do 6º ano; vou pedir que mudem você para o 5º ano, por que você não sabe ler”. O rapaz chegou, transtornado, em casa, e relatou a situação à mãe. “É preconceito, mamãe, comigo, só porque sou autista. Eu tenho meu direito, e ele deve estar cansado de me ajudar em sala”, disse Carlinhos, na ocasião.

Márcia destaca que isso mexeu com o psicológico dele. “Mas, a psicóloga agiu rápido, já marcou a ida na escola dele para ter conversa com professores e a direção e ver como estão trabalhando a adaptação dos trabalhos para ele, pois ele não quer sair da escola por conta das amizades que fez lá”, ressalta Márcia, que considera Carlinhos como o seu “anjo azul”.

Márcia Kambeba revela que passa por situações ao lado do filho, como a falta de preparação dos professores em escolas públicas e privadas. Sou educadora e ser educador é ser um entusiasta, é fazer com que o aluno consiga superar suas dificuldades. Para mim, esse é o maior prêmio, como professora. Carlinhos comunica muito por meio de desenhos, e já ilustrou a capa de um livro da mãe, lançado nos Estados Unidos. O adolescente é acolhido pelos parentes indígenas na idade dele, com os interage desde ainda no ventre da mãe. O essencial para Carlinhos, como salienta Márcia, “é ter o direito de viver com respeito da sociedade”, completa.

Superação a cada dia

Advogada há 11 anos e procuradora municipal de Curionópolis (PA) há 7 anos, Bárbara Cozzi Gonçalves, 32 anos, é uma cidadã com autismo e uma mulher lésbica. Ela foi aprovada em primeiro lugar para o cargo que exerce. Quando ela estava na graduação, não sabia que tinha autismo. O diagnóstico foi tardio e se deu no meio da pandemia da covid-19. “Por isso, não posso dizer que sofri preconceito na Universidade por ser autista, mas, infelizmente, tive um episódio grave de homofobia no meu último ano”, conta.

image Andréa Fadul e Bárbara Cozzi: dignidade para a pessoa com autismo (Foto: Ivan Duarte / O Liberal)

“Ser homossexual é ser um alvo permanente. Não importa o que você faça, quando as pessoas não tiverem nada mais para falar de você, elas vão usar a sua orientação sexual para lhe discriminar. Vivo o preconceito desde sempre na minha vida, desde os tempos da escola. O preconceito quanto a ser autista já é mais recente. Ambos os preconceitos aparecem de formas sutis ou mesmo mais explícitas, dependendo da situação”, enfatiza Bárbara.

Ela revela que, na graduação de Direito, chegou a ser insultada por um “colega de sala”, pelo fato de não querer ir à festa de formatura. Esse agressor a desrespeito como mulher lésbica. “Como autista, fui passar na perícia médica do meu órgão e estava falando com o servidor atendente quando mostrei minha carteira expedida pela CEPA (Coordenação Estadual de Política para o Autismo) e um senhor me disse "Nossa, você fala muito bem! Nem parece autista!". Esse capacitismo é absurdo e me choca muito. Falei para ele com educação que por favor não falasse esse tipo de coisa e ele ainda saiu me xingando, dizendo que eu era "mal educada", pois ele "só estava fazendo um elogio", relata Bárbara.

“Foi graças aos cuidados e orientação da psicóloga Andréa Fadul que obtive o diagnóstico. Foi ela quem primeiro percebeu que eu estaria no Espectro Autista, ao analisar comportamentos e dificuldades sociais que eu tenho. Eu já tinha o diagnóstico de Altas Habilidades/Superdotação desde criança e convivia com ele, mas, nunca me passou pela cabeça estar no Espectro”, assinala.

“Só quem ama o seu próximo consegue ter empatia com a dor do outro e, com isso, o respeito. O "normal" no mundo são as diferenças. Não existe pessoa que seja igual à outra”, afirma Bárbara. “Negar ao autista ser quem ele é não deixa de ser uma forma de violência”, ela assinala, para acrescentar: “Gente feliz faz bem ao mundo e ao próximo”.

Diante de situações de discriminação, pessoas com autismo podem denunciá-las a uma das delegacias de atendimento de grupos vulneráveis para investigações de crimes de discriminação e racismo (https://www.pc.pa.gov.br/institucional/dav), além de processos nas esferas cíveis e administrativas para apuração das condutas lesivas, como informa Flávia Marçal, do Grupo Mundo Azul.

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