Aposentadoria, um novo começo: histórias e lições de quem escolheu viver com propósito

Depois de anos dedicados ao trabalho, a aposentadoria pode representar o início de uma nova fase marcada por liberdade, autoconhecimento e qualidade de vida

Dilson Pimentel

Depois de anos dedicados ao trabalho, a aposentadoria pode representar o início de uma nova fase marcada por liberdade, autoconhecimento e qualidade de vida. Longe de significar inatividade, esse período pode abrir portas para experiências transformadoras e cheias de significado. É o que mostram as irmãs Edna Moraes, de 71 anos, ex-funcionária pública, e Esmeralda Ferreira, de 69, que atuou no setor financeiro. As duas encontraram na maturidade uma oportunidade de recomeço - com corpo ativo, mente desperta e o coração aberto para o novo.

image As irmãs Edna Moraes e Esmeralda Ferreira encontraram na maturidade uma oportunidade de recomeço (Ivan Duarte/ O Liberal)

Em vez de encarar a aposentadoria como ponto final, elas a transformaram em ponto de partida. Edna lembrou com bom humor o dia em que se aposentou. “Na verdade, eu imaginava dormir. A gente acorda cedo, dorme tarde, aquela rotina... e pensei: ‘O que eu tô fazendo da minha vida? Só em casa?’. Procurei projetos sociais e encontrei o da Universidade da Pessoa Idosa (Uniterci), da UFPA (Universidade Federal do Pará). Me joguei e tô feliz. Nunca imaginei que faria esse tipo de atividade depois do trabalho. Isso suprime a ociosidade. Esses projetos me completam”, contou.

A Uniterci é um dos programas mais longevos da Universidade Federal do Pará e tem transformado a vida de centenas de idosos, oferecendo oficinas, cursos, atividades físicas e oportunidades de convivência intergeracional. Para Edna, o projeto não é apenas uma ocupação, mas uma forma de continuar crescendo e se sentindo útil.

image Em vez de encarar a aposentadoria como ponto final, elas a transformaram em ponto de partida (Ivan Duarte/ O Liberal)

A irmã, Esmeralda, viveu processo semelhante. “Quando me aposentei, pensei: ‘O que eu vou fazer?’. Comprei joguinhos e chamava as filhas das vizinhas pra brincar comigo. Depois, minha neta apareceu e ocupou meu espaço. Mas eu já fazia artesanato há muito tempo. Não me senti parada. Entrei no projeto porque nossa mãe foi pioneira. Íamos aos eventos com ela”, lembrou. Hoje, as duas mantêm uma rotina cheia de atividades. Edna participa de cinema fotográfico, dança de salão, musculação e Libras. Esmeralda divide-se entre Libras, cultura digital e educação ambiental na UFPA, além de atividades físicas e terapia ocupacional.

Hobbies, superação e alegria de viver

Mesmo com tantos compromissos, Edna faz questão de reservar tempo para seu refúgio: as plantas. “Tenho flores e jardim. Cuidar das minhas plantinhas e conversar com elas é a melhor coisa pra mim. Na pandemia, foi o que me salvou: jardinagem”, contou. Esmeralda, por sua vez, encontra prazer em outras formas de expressão.

“Artesanato e caça-palavras, direto no WhatsApp. Também faço treino funcional, teatro e expressão corporal”, disse. Entre as experiências mais marcantes que viveram após a aposentadoria, as duas destacam o prazer de experimentar o novo.

“Educação física, nunca na minha vida eu tinha feito. E agora estou fazendo”, contou Edna. “A mais impactante pra mim foi a dança”, completou Esmeralda. Essa redescoberta tem fortalecido ainda mais o vínculo entre as irmãs. “Quando uma não quer ir, a outra incentiva: ‘Bora, mana’”, contam. “Agora estamos mais empoderadas do que antes”, afirmam.

Apesar de tanta vitalidade, as duas reconhecem que o etarismo - o preconceito contra pessoas idosas - ainda é realidade em muitos ambientes. “Principalmente nas academias, o etarismo é visível. A gente se sente invisível em lugares com mais jovens. Aqui na Uniterci é diferente, há convivência entre gerações, o que eu amo”, disse Edna. “Nós já fizemos turismo com jovens e, graças a Deus, não fomos discriminadas. Trabalhamos em grupo. Foi maravilhoso”, acrescentou Esmeralda.

Mesmo diante dos desafios, elas fazem questão de inspirar outras pessoas. “Eu vivo falando: ‘Você conhece o projeto da Uniterci?’. Quando dizem que não, mando procurar no Instagram, ver quando abrem as inscrições. Digo que é muito bom. Hoje eu me sinto feliz. Antigamente, eu era triste, fui depressiva. Hoje tenho até um curta-metragem sobre minha história de superação. Mostra como eu era e como estou agora: feliz, muito feliz”, contou Edna.

image A Uniterci é um dos programas mais longevos da Universidade Federal do Pará e tem transformado a vida de centenas de idosos (Ivan Duarte/ O Liberal)

“Manter-se ativo é essencial”, diz geriatra

Para a geriatra Niele Moraes, envelhecer é um processo natural, e o segredo para vivê-lo bem está na atitude. “Embora o envelhecimento traga mudanças no corpo e no metabolismo, isso não significa adoecer. É um processo fisiológico, e manter-se ativo é essencial para atravessá-lo com vitalidade”, afirmou.

Ela explicou que a prática regular de exercícios físicos preserva a independência, o equilíbrio e a disposição. “O mais importante é que o movimento continue fazendo parte do dia a dia, de forma prazerosa e adaptada a cada pessoa. Ele protege o corpo e o cérebro. Recomenda-se a prática de 150 minutos de exercício moderado por semana, incluindo treino de força, equilíbrio e flexibilidade”, afirmou.

Mas a saúde não se resume ao corpo. “A aposentadoria representa uma mudança de rotina, mas não uma perda de propósito. É uma oportunidade para redescobrir interesses, fortalecer vínculos e investir em si mesmo. Cultivar hobbies, participar de grupos, fazer voluntariado ou aprender algo novo são formas eficazes de manter o bem-estar emocional”, explicou. Outro ponto fundamental é o acompanhamento médico regular. “Consultas de rotina, exames laboratoriais, avaliação cardiovascular, ocular, auditiva e vacinação atualizada são fundamentais. O objetivo não é apenas detectar doenças, mas prevenir complicações e manter o equilíbrio global”, disse a geriatra Niele Moraes.

Para ela, o segredo está em olhar a aposentadoria como um prêmio. “É o reconhecimento de uma trajetória, não o encerramento dela. Compartilhar conhecimento e manter o compromisso com o próprio cuidado são maneiras de viver o envelhecimento de forma plena e feliz”, concluiu.

Desafios e oportunidades da aposentadoria

O especialista em Gerontologia Rondinei Lima, da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG), lembrou que a aposentadoria traz tanto desafios quanto oportunidades.

“Deixar de exercer funções laborais, que quase sempre carregam muito significado, pode gerar sentimentos negativos, como perda de papéis sociais. Isso impacta a saúde mental, aumentando sintomas de depressão e ansiedade. Mas também é uma fase repleta de potencialidades: realizar projetos adiados, fazer voluntariado ou viajar”, disse.

Segundo ele, a atividade física é determinante para o bem-estar e a longevidade. “A OMS recomenda de 150 a 300 minutos semanais de atividades aeróbicas, como caminhadas, corridas leves, natação ou ciclismo. A dança é um excelente estímulo cardiovascular e ainda garante diversão e socialização”, explicou.

Rondinei reforça a importância do treino de força. “Pelo menos dois dias por semana, com musculação, pilates ou treino funcional. Isso mantém a massa muscular, melhora a saúde óssea e ajuda a controlar glicose, colesterol e pressão arterial. É o caminho para evitar doenças como hipertensão, diabetes e osteoporose”, contou.

Ele orientou que a escolha da atividade leve em conta o prazer: “Comece pelo que você gosta. Se é dança, vá pela dança; se é caminhada, comece por ela. O importante é dar o primeiro passo e diversificar depois”, disse. Antes de iniciar, ele recomenda avaliação médica e gerontológica. “Assim, o programa de exercícios é ajustado às condições físicas e mentais da pessoa idosa, garantindo segurança e qualidade de vida”, comentou.

A aposentadoria é um reflexo da sociedade, analisa psicólogo

Para o psicólogo Manoel de Christo Neto, professor da Universidade da Amazônia (Unama) e psicólogo do Tribunal de Justiça do Pará, a aposentadoria é um fenômeno que vai muito além do indivíduo. “Em uma sociedade que valoriza o indivíduo pela produtividade econômica, a aposentadoria pode se tornar uma crise de identidade, pois há perda do papel profissional que organizava a vida e o reconhecimento social. O sofrimento não é falha individual, mas reflexo de uma cultura produtivista”, afirmou.

Ele explicou que a verdadeira ressignificação não está em “preencher o vazio” com novas tarefas, mas em reaprender a usar o tempo livre. “O tempo livre é o momento de questionar: para quê e para quem eu estava trabalhando? É hora de valorizar atividades com sentido social – o cuidado de si, o lazer autêntico, a solidariedade comunitária. Em Belém, por exemplo, há grupos culturais e comunitários que permitem essa reconstrução de vínculos”, comentou.

Para psicólogo Manoel de Christo Neto, combater o isolamento significa reconstruir a teia social. “O aposentado pode e deve ser um agente social, portador de experiência e conhecimento a serviço da coletividade”, disse. O psicólogo lembrou que nem todas as aposentadorias são iguais. “Classe social, raça e gênero modulam a vulnerabilidade emocional e econômica. Uma mulher negra e de baixa renda, por exemplo, tende a receber benefício menor e acumular responsabilidades de cuidado. Sua liberdade é limitada pela necessidade de complementar renda ou cuidar de familiares”, disse.

Essas diferenças, segundo ele, só podem ser enfrentadas com políticas públicas robustas: “É preciso garantir não apenas renda, mas também acesso à cultura, ao lazer e à saúde. O Estado deve oferecer programas de preparação e acompanhamento à aposentadoria que considerem as realidades regionais e as desigualdades de classe, gênero e etnia”.

Ele também analisou os efeitos da reforma da Previdência, que aumentou o tempo de contribuição e a idade mínima. “Isso fragiliza os mais vulneráveis e cria ansiedade nos jovens, que veem o direito ao descanso e à dignidade como algo inatingível”, disse. Para o especioalista, é preciso mudar o olhar: “A aposentadoria deve ser libertação das amarras do mercado e convite à construção de um novo papel social. O termo ‘inativo’, usado no serviço público, tem um peso pejorativo. Precisamos reconstruir esses conceitos, fortalecer os laços sociais e valorizar o ser humano para além da produtividade”. Ele afirmou o seguinte: “Eu gostaria de finalizar, então, dizendo o seguinte, que para a psicologia, a aposentadoria, ela é uma oportunidade de libertação das amarras identitárias do mercado e uma convocação para a construção de um novo papel social que valorize o ser, a experiência e a contribuição para a comunidade, questionando essa lógica que nos faz sentir incompletos ao parar de produzir em um determinado trabalho”, disse.

E completou: “No serviço público, por exemplo, quando uma pessoa se aposenta, ela é chamada de inativa. Vejam o caráter pejorativo disso. E a palavra aposentadoria vem de aposento, ou seja, você se recolhe para o aposento como alguém inativo e inútil. Esses conceitos nós precisamos rever para reconstruir e ressignificar a vida de uma nova forma, fortalecendo os laços sociais, os laços familiares, os laços comunitários. Então, não espere chegar a ser idoso, não espere chegar a aposentadoria. Construa a sua vida hoje”.

Nuricionista: momento de valorizar alimentos que tragam energia, leveza e vitalidade

A nutricionista Jamile Barros afirma que, com a chegada da aposentadoria, há a necessidade de fazer uma nova organização da rotina, e surge a oportunidade de cuidar ainda mais de quem sustenta todas as outras fases: o próprio corpo. 

"Muitas pessoas já chegam a essa fase acometidas por doenças crônicas não transmissíveis, aquelas que são adquiridas devido a um estilo de vida prejudicial à saúde. Com a redução do ritmo de trabalho, o gasto energético vai diminuir, mas isso não significa comer menos — significa comer melhor", observou.

É hora, portanto, de valorizar alimentos que tragam energia, leveza e vitalidade, sem sobrecarregar o organismo com excessos.

As frutas, verduras, legumes e grãos integrais como arroz, aveia e quinoa são aliados poderosos, pois fornecem fibras que ajudam no funcionamento intestinal, na saciedade e controle de açúcar no sangue, além de vitaminas e minerais que fortalecem o sistema imunológico.

Ainda segundo a nutricionista Jamile Barros, as fontes de proteína também precisam ser cuidadosamente escolhidas, entre elas, todos os feijões, lentilha, ervilha, soja e carnes mais magras como de frango e peixe, contribuem para a manutenção da massa muscular, essencial para a mobilidade e a autonomia. 


"É importante a redução do consumo de carne vermelha. Alguns nutrientes são mais importantes nessa fase, como o cálcio, zinco, magnésio e vitamina D. Os alimentos fontes são: gergelim preto e branco, folhas verde escuras como jambu, chicória, couve, alfavaca, cariru, castanhas e amendoim. No caso da vitamina D, é preciso avaliar nos exames a necessidade de suplementação, sempre prescrita por um nutricionista ou médico", explicou.

A hidratação também merece atenção. Com o passar dos anos, a sensação de sede tende a diminuir, mas o corpo continua precisando de água para manter o metabolismo e a saúde da pele e dos rins em dia. "E nada de restrições radicais. O equilíbrio é a palavra-chave. Comer com prazer — respeitando o apetite, as preferências e o momento de vida - é parte fundamental do bem-estar. A aposentadoria pode ser um recomeço cheio de energia. Ajustar a alimentação é uma forma de cuidar de si mesma com o mesmo compromisso com que, por tantos anos, se cuidou do trabalho e dos outros", acrescentou a nutricionista Jamile Barros.

Seis ideias para viver bem a aposentadoria

1 – Mantenha o corpo em movimento
A geriatra Niele Moraes e o gerontólogo Rondinei Lima são unânimes: a atividade física é o pilar da saúde na maturidade. Caminhar, dançar, nadar, fazer pilates ou musculação ajuda a manter o equilíbrio, a força e o bom humor. A Organização Mundial da Saúde recomenda 150 minutos de exercício moderado por semana - e o ideal é escolher algo que dê prazer.

2- Redescubra o prazer de aprender
A aposentadoria é o momento ideal para estudar sem pressa. Cursos livres, oficinas culturais, aulas de idiomas ou programas universitários voltados à terceira idade - como a Uniterci, da UFPA - ajudam a manter o cérebro ativo e a autoestima elevada. “É uma oportunidade de se sentir útil e de continuar crescendo”, destaca a geriatra Niele Moraes.

3- Invista em vínculos e convivência
Segundo o psicólogo Manoel de Christo Neto, o isolamento é um dos grandes riscos emocionais da aposentadoria. Participar de grupos comunitários, atividades culturais, religiosas ou de voluntariado é uma forma de reconstruir o pertencimento e criar novos laços sociais. “O aposentado deve ser um agente social, portador de experiência e conhecimento a serviço da coletividade”, diz.

4 – Cultive um hobby ou projeto pessoal
Jardinagem, pintura, costura, culinária, música, teatro ou qualquer outra atividade prazerosa traz bem-estar e propósito. A geriatra Niele Moraes lembra que o lazer e o prazer são parte do cuidado com a saúde mental. “Essas práticas ajudam a equilibrar corpo, mente e emoções”, reforça.

5 -Cuide da saúde - e da prevenção
A aposentadoria é também um convite à atenção redobrada com o corpo. Exames de rotina, vacinação atualizada e acompanhamento médico regular ajudam a manter a autonomia e evitar doenças. “O objetivo não é apenas detectar problemas, mas prevenir e preservar o equilíbrio global”, diz Niele Moraes.

6 – Reorganize o tempo e redescubra o propósito
Como ressalta o psicólogo Manoel de Christo, é fundamental reaprender a lidar com o tempo livre. Isso significa não apenas preencher o dia, mas dar novo sentido à vida. Planejar pequenas metas, viagens, projetos solidários ou momentos de lazer cotidiano ajuda a manter o entusiasmo. “A aposentadoria não deve ser vista como fim, e sim como libertação das amarras do mercado”, resume o especialista.

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