Alfabetização: descoberta do mundo para pessoas de baixa renda

No Dia Mundial da Alfabetização, vale a pena refletir sobre a aprendizagem de crianças, jovens, adultos e idosos

Eduardo Rocha
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Pense que você é uma pessoa jovem, adulta ou idosa que mal sabe ler e escrever o seu nome e, como fruto da sua persistência e de ações do Poder Público e sociedade civil organizada, acaba tendo a oportunidade de se alfabetizar. Pois é essa a conquista da empregada doméstica Rosinalva Saraiva Ferreira, 58 anos, moradora de uma área de ocupação no bairro da Terra firme. Ela é uma das primeiras 360 pessoas concluintes da Educação de Jovens, Adultos e Idosos (Ejai), como parte do programa Alfabetiza Belém, da Prefeitura Municipal, a serem certificadas às 18h30 desta quinta-feira (8), Dia Mundial da Alfabetização. A solenidade ocorrerá na Escola Municipal de Educação Infantil e Ensino Fundamental Alzira Pernambuco, no bairro do Marco.

O Alfabetiza Belém foi idealizado em 2021, no começo da atual gestão da Prefeitura, em parceria com as instituições de ensino superior (IES), movimentos sociais e sociedade civil organizada, com foco em superar o analfabetismo em Belém, nos territórios insulares e continentais Naquele ano, dados estatísticos (CAD ÚNICO/2019) apontavam um défict de 11 mil sujeitos, jovens, adultos e idosos não alfabetizados. São pessoas a partir de 15 anos de idade e de baixa renda, morando na periferia de Belém, predominantemente, que precisaram trabalhar desde cedo (jovens, adultas e idosas).

A Prefeitura Municipal, de 2021 a 2024, pretende pretende alfabetizar 11 mil pessoas. Para este ano de 2022, a meta é alfabetizar 2.400 pessoas. Para este público, a alfabetização varia entre 3 a 6 meses conforme o nível de aprendizagem de cada pessoa.

O programa conta com duas frentes de trabalho: uma dentro da rede municipal de ensino de Belém, em 35 escolas; e outra frente de trabalho fora da rede municipal de ensino em parceria com centros Comunitários, igrejas, unidades prisionais, que estão distribuídas nos oito distritos de Belém, nos horários diurno e noturno. N

Com os parceiros, há 653 pessoas sendo alfabetizadas o que  corresponde a 26%. Dentro da rede municipal, são 795 pessoas da educação de jovens, adultos e idosos que estão sendo alfabetizadas. Na rede municipal de ensino de Belém, para o ciclo de alfabetização (em idade regular) são considerados os três primeiros anos do ensino fundamental. Atualmente, são 17.302 estudantes no ano letivo de 2022.

Compromisso

A secretária municipal de Educação, Márcia Bittencourt, destaca que a pandemia da covid-19 atingiu o processo de alfabetização de crianças, e, então, é fundamental as ações para que elas aprendam a ler e a escrever. "E no Brasil nos últimos anos a política de educação não favorece a aprendizagem da leitura e escrita nas escolas, muitas crianças são aprovadas sem saber ler e escrever. Isso é algo que a gente precisa combater. As crianças precisam ser alfabetizadas. E a alfabetização é a primeira etapa e tem que ser na infância no primeiro ano do ensino fundamental", observa.

"Então, para gente é um compromisso social com a politica pública, com a educação, o aprendizado das crianças e o aprendizado de todos aqueles que não conseguiram se alfabetizar ainda na infância. Hoje, nós temos muitos adolescentes na idade de 15 anos que saíram ou foram expulsos da escola e que estão voltando pra aprender a ler e escrever. Sem falar nas pessoas que tiveram esse direito historicamente negado", enfatiza a secretária Márcia Bittencourt.

Conquista

A estudante Rosinalva Ferreira destaca que passou a frequentar as aulas da Alfabetizão na Escola Benvinda de França Messias, no bairro de São Brás, a convite da amiga Núbia que estuda na própria unidade. "Eu não sabia nada, não sabia ler direito, botar meu nome direito", relata Rosinalva, que nasceu na Cidade de Serrano, no Estado do Maranhão, e de família bem pobre -- tinha que vender carvão para sobreviver -- não pôde estudar quando criança e jovem.

image Estudante Rosinalva conquista uma nova visão de mundo a partir da alfabetização (Foto: Cláudio Pinheiro / O Liberal)

Ela conta que sempre quis aprender a ler e a escrever."Agora, eu já sei e estou adorando esse colégio", diz. Revela que gosta de todas as disciplinas, "Eu quero ser uma professora", afirma Rosinalva. A senhora diz que a primeira palavra que escreveu, fora nome próprio dela, foi "Maranhão". "E eu me senti muito feliz, foi emocionante; hoje, eu me sinto uma outra pessoa", exulta. Todos os dias, ela sai do trabalho e chega na escola à noite. "Eu ainda vou ler muito mais ainda, ler muito mais; eu escrevia bem devagarinho, agora já estou rápida, era de lápis, agora é de caneta", completa.

A professora de Rosinalva, na Ejai, é Doracy Moraes, 53 anos e 20 de profissão. Doracy conta que no primeiro momento da alfabetização busca-se obter informações sobre os estudantes, incluindo, a causa por que pararam de estudar, a fim de montar o planejamento didático de acordo com a realidade deles, o que abrange a metodologia de trabalho.

"Para que esse trabalho tenha significado tenha significado para esses estudantes, para que eles tenham interesse em continuar na escola e se sintam representados, para que aquilo que é ensinado tenha validade na vida deles", pontua a professora. Os estudantes são pedreiros, domésticas, motoristas, vendedores e outros. Pararam de estudar por falta de acesso à escola ou tiveram insucesso no começo da escolarização, retornando agora. A frequência deles é irregular, por causa dos compromissos de família, de trabalho ou até pela falta de dinheiro para pagar a meia-passagem no ônibus para ir para a escola.

Sobre a missão de alfabetizar, a professora Doracy diz que é algo gratificante. "Algo que é simples para a gente é muito valioso para eles, como apanhar um ônibus  na rua sem precisar de que alguém leia a informações no veículo", reforça.  A diretora da Escola Benvinda de França Messias, Rejane Souza, informa que são 200 estudantes da alfabetização na unidade escolar "e esse é um trabalho de conquista em todos os sentidos.

Desafios

A Secretaria de Estado de Educação (Seduc) informa que atua como programas como o “Pará Alfabetizado”, direcionado à educação de jovens e adultos. O programa tem a meta de atender mais de 18 mil jovens, adultos e idosos em 16 municípios do Marajó, região mais sensível à causa do programa de Educação de Jovens e Adultos (EJA), que funciona em todo o Estado.

Em agosto, foi aprovado na Alepa projeto do deputado Alex Santiago que institui e inclui no Calendário Oficial do Estado do Pará o Dia da Alfabetização, a ser comemorado em 8 de setembro.

image Estudantes da Alfabetização na "Benvinda de França Messias" aproveitam a biblioteca da escola (Foto: Eduardo Rocha / O Liberal)

Para a vice-coordenadora da Associação Brasileira de Alfabetização - Região Norte (Abalf), Selma Pena, professora da Universidade Federal do Pará (UFPA), a alfabetização "é a aprendizagem da leitura e da escrita como como práticas sociais, em que se desenvolvem, simultaneamente, a formação da consciência crítica dos sujeitos, sejam eles crianças ou adultos, assim como a compreensão de como funciona o sistema de escrita alfabética". "Uma criança precisa saber com quantas e quais letras se escreve uma palavra, mas para além disso, saber como transformar o mundo por meio da palavra escrita, completa.

A educadora destaca a gravidade da alfabetização no Brasil. "A Meta 9 do atual Plano Nacional de Educação, PNE, é erradicar o analfabetismo absoluto até 2024 e reduzir em 50% a taxa de analfabetismo funcional. Veja: o relatório de 2021 da Organização Não Governamental “Todos Pela Educação”, baseado em dados da Pnad Contínua do IBGE, avaliou que entre 2019 e 2021, houve um aumento de 66,3% no número de crianças de 6 e 7 anos de idade que, de acordo com seus responsáveis, não sabiam ler e escrever. Em 2019, eram 1,4 milhão de crianças. No ano passado, o número passou para 2,4 milhões, ou seja, cerca de 40% das crianças nessa faixa etária. Os dados são alarmantes e se agravaram muito com a pandemia", pontua Selma Pena.

Nesta quinta (8), a Abalf promoverá nas regionais fóruns enfocando do Dia Mundial da Alfabetização e os 90 anos da professora e pesquisadora Magda Soares. Live sobre o assunto no canal youtube do CEALE. O presidente da Abalf, pedagogo Lourival José Martins Filho, destaca que "cerca de 11 milhões de brasileiros são considerados analfabetos, isto representa 6,6% da população com mais de 15 anos que não sabe ler nem escrever uma simples mensagem". "Os dados foram divulgados pelo IBGE em julho e são resultado da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua realizada em 2019. Esta realidade está mais presente no Nordeste do país, onde 13,9% da população é analfabeta. Em seguida, aparece a região Norte com 7,6%, Centro-Oeste com 4,9% e os menores índices estão no Sul e Sudeste com 3,3%", completa.

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