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A vida nas calçadas, praças e sob as marquises

853 PESSOAS - Fatores diversos levam muitos homens e mulheres de diferentes idades à situação de rua em Belém

Dilson Pimentel

Os traços suaves do rosto de Patrick, delineados pela maquiagem feita por ele mesmo, contrastam com a dureza de viver nas ruas de Belém. Aos 24 anos, o jovem dorme no Mercado de São Brás, em Belém. Os desentendimentos com sua família, que mora em um bairro periférico da capital, o levaram para a rua, há cinco anos. Da mesma forma que Patrick, muitos homens e mulheres, por fatores diversos, transformaram calçadas, praças e marquises em suas casas. Em 2018, 853 pessoas foram atendidas nos espaços do município geridos pela Fundação Papa João XXIII (Funpapa), órgão da Prefeitura de Belém responsável pela assistência.

Em 2019, e até abril, já foram 677 atendimentos. Ao sair de casa, Patrick morou inicialmente na Presidente Vargas. Depois, Batista Campos e, agora, São Brás. “É um pouco difícil. Tem a questão da segurança. É arriscado. Já aconteceu de a gente estar deitado, em grupo, e passar um carro e jogar tipo uma bomba. Foi um susto. Fizeram por maldade”, contou. “Quando chove, procuro uma loja coberta. A cama é de papelão. Me cubro com o lençol que peço nas casas. Também peço alimentação nas casas. Banho a gente paga aqui no mercado. Também tem por aí. A gente dá um jeito”, contou ele, cercado de gatinhos pequenos, que, aliás, têm aos montes no mercado.

De vez em quando, ele visita a família. “Mas não consigo estar em casa. Não sei porque”, disse. Ele contou que pede dinheiro às pessoas: “Tem umas que ajudam. Mas muitas não ajudam. Há muito preconceito. Só porque a gente está em situação de rua sofre muito preconceito”. Ele disse que um medo “constante” é ser abordado pela polícia. “Somos agredidos. Não estão nem aí. Metem porrada. Pra eles, quem está na rua não vale nada”, disse.

Ele, que parou de estudar na terceira série, sonha em ser maquiador. Adora fazer maquiagens, principalmente nele mesmo. Patrick disse as pessoas devem olhar com amor quem está em situação de rua. “As pessoas têm medo. Acham que todo mundo que está na rua é ladrão, bandido”, contou. Ele disse ter se acostumado a viver na rua: “Às vezes, acho bom. Às vezes, acho ruim. Às vezes, a gente é feliz na rua. É alegre”. Francisco da Costa Mendoza Júnior também mora no mercado de São Brás. “Moro na rua há um mês. Briguei com a minha família. Não dá certo. Discussão com irmã, sobrinha...”, disse. “Durmo aqui. Tá ali meu colchão. Aqui eu tô feliz. Todo dia almoço. Faço comida. Tá aqui o fogão. A panela. A lenha. Para o almoço, vou fazer peixe. É raio-x, que é o espinhaço do peixe”, diz, sorrindo. A comida ele ganha dos feirantes. “Me dão dentro do mercado. Eu durmo ali, pego um vento, melhor maravilha do mundo. Dentro de casa, que é de alvenaria, é um calor”, afirmou. Nesse período, disse não ter tido problemas na rua. “Nunca mexeram comigo, também não procuro confusão com ninguém. Sou muito é roubado. Levaram um monte de roupa. Camisa”. 

Há mais idosos e crianças nas ruas, diz grupo de voluntários

Muitos voluntários ajudam a amenizar a situação da população em situação de rua. Um desses grupos, a Corrente do Bem, nasceu em dezembro de 2014, formada por um grupo de amigos com o intuito de ajudar o próximo. Todas as quartas feiras, às 14 horas, um grupo se reúne para cozinhar a comida que é entregue, a partir de 20 horas, por outro grupo, em vários pontos da cidade, dentre os quais os principais são o Chapéu do Barata, em São Brás, rua Municipalidade, próximo à Praça Waldemar Henrique, e Praça da República. Ainda segundo Jamil Mendes, um de seus coordenadores, o grupo conta com cerca de 200 integrantes, que se revezam em grupos de 10 a 15 pessoas todas as semanas para levar cerca de 250 refeições às pessoas em situação de rua. O cardápio é variado e sempre muito nutritivo, com pouco sal e com bastante verduras e legumes, dentre os destaques estão o arroz de galinha, arroz com picadinho, feijoada e macarronada. “O grupo tem notado um aumento significativo no número de idosos e crianças em situação de rua nos últimos meses, porém, no geral, a quantidade de pessoas na rua é sazonal”, disse Jamil. O grupo tem o instagram @correntedobembelem, com fotos e algumas informações de suas ações.

Pesquisa tem como objeto população de rua de Belém

Ligado à Reitoria da Universidade Federal do Pará, o Programa Trópico em Movimento realizou, em outubro de 2014, uma pesquisa sobre a população em situação de rua em Belém e Ananindeua, verificando que 583 pessoas estavam nesta condição de vida. “Desse grupo social, 84% era do sexo masculino, quase a metade estava na faixa etária dos 18 aos 29 anos, ¾ nasceram no Estado do Pará, sendo que a metade era natural da capital. Mais: 54% não tinham frequentado nenhuma escola ou terminado a 4º série do ensino fundamental.

Entre 60 e 80% passaram a maior parte do seu tempo nas praças, feiras e áreas comerciais dos dois municípios, onde podiam acessar com mais facilidade doações de comidas e realizar pequenos serviços para ganhar algum dinheiro, 73% faziam da rua seu dormitório noturno”, disse o professor doutor Thomas A. Mitschein, coordenador daquele programa. Não há um levantamento mais recente. Mas ele diz que, certamente, a crise econômica generalizada tem levado ao aumento das pessoas que vivem em situação de rua. “Isso vale, em princípio, para todas as capitais do Brasil, nos casos de Belém e Ananindeua torna-se necessário um novo estudo para verificar o número exato”, afirmou o professor doutor Thomas A. Mitschein, coordenador daquele programa.

No ranking dos motivos que levaram a população entrevistada a fazer da rua seu principal espaço de sobrevivência destacam-se desentendimento com familiares e decepção com o mundo lá fora que, por sua vez, estão sendo seguidos por uso de drogas e uso de álcool e drogas. “No que diz respeito aos dois últimos motivos, eles são predominantes nas faixas etárias de 10 a 17 anos e de 18 a 29 anos. 27,8% apontaram a facilidade de acessar e consumir drogas e bebidas de álcool como elemento mais atrativo de sua vida na rua e 36,7% usam drogas e bebidas alcoólicas todos os dias.

Além disso, vale realçar que a população entrevistada transmitia com clareza à equipe de pesquisa que entende o seu próprio vício como uma maneira de compensar as suas frustrações no âmbito de suas relações interpessoais e em relação à sua condição de vida no âmbito do contexto social maior”, explicou. “Contudo, é imperioso destacar que, em 2010, em Belém e Ananindeua 16% da população residente viviam entre a linha da indigência e da pobreza e embaixo da linha da indigência, representando um segmento social que, a duras penas, sobrevive e o condições altamente precárias e sempre corre o risco de ser jogado na faixa populacional mais vulnerável dos Municípios da Metropolitana de Belém”.

Ainda segundo o professor, o poder público no Pará, e mais especificamente no maior polo urbano desse Estado, “precisa incentivar a maciça geração de ocupação, emprego e renda. O Trópico em Movimento é vinculado ao gabinete da Reitoria, que visa contribuir para o desenvolvimento de sociedades sustentáveis no Trópico Úmido - no meio rural e no urbano - através da educação, com base em uma nova iniciativa interdisciplinar e interinstitucional, objetivando o incentivo e viabilização das ações no campo do ensino - aberto à integração entre as instâncias públicas nos níveis municipal, estadual, federal e internacional.

Prefeitura disponibiliza abrigos

Francisco Mendoza trabalhou em uma fábrica na avenida Bernardo Sayão. Descarregava castanha. “Agora, estou parado, estou com 60 anos a bem dizer. Não me aposentei. Faltam mais de cinco anos”, disse. De vez em quando, no final de semana, vai na casa da família, no Guamá. “Eles não sabem que estou aqui. Também não dou meu ibope pra eles. Fico tranquilo. Todo dia almoço, janto. Hoje, não vou fazer nada. Vou comer ovo frito com farinha”, contou. Chico pensa em voltar a morar com a família. Mas, ao mesmo tempo, diz que “dentro de casa é um inferno. Estou feliz aqui”. Ele é pai de um casal de filhos - 13 e 10 anos. A Funpapa disponibiliza duas Casas Abrigos para Moradores Adultos de Rua que funcionam 24 horas e dois Centros de Referência Especializado para População de Rua, que realizam atendimentos individuais e coletivos, oficinas e atividades de convívio e socialização. A Prefeitura de Belém realiza o serviço de abordagem das pessoas em situação de rua. A Secretaria Municipal de Educação (Semec) desenvolve o projeto “Alfabetização em Movimento: Inclusão e Cidadania no Município de Belém”, com o objetivo de alfabetizar pessoas em situação de rua. As duas primeiras turmas já atenderam cerca de 40 alunos, na faixa etária de 20 a 80 anos. Na área da saúde, a Sesma desenvolve o programa Consultório na Rua, composto por uma equipe multiprofissional, que atende apenas a população de rua. 

Belém