65% das crianças estão viciadas em aparelhos eletrônicos
Isolamento social aumentou uso de dispositivos móveis, diz estudo

Onze meses após a Organização Mundial da Saúde declarar a pandemia de coronavírus, muitos desafios relacionados ao isolamento social continuam se impondo na rotina dos pais e filhos. Um deles, porém, tem ganhado atenção maior dos especialistas: o tempo de uso de aparelhos eletrônicos pelas crianças.
Um estudo realizado durante 2020 em Jaipur, na Índia, estimou que 65% das crianças em isolamento social estão viciadas em dispositivos móveis. O parâmetro dos pesquisadores foi a dificuldade das crianças que participaram da pesquisa em manterem distância de celulares ou tablets por no mínimo 30 minutos.
Carolline Otero conhece bem este problema. Fisioterapeuta trabalhando na linha de frente dos hospitais durante a pandemia, ela avalia que o tempo de uso de aparelhos eletrônicos do filho Thalles, de seis anos, aumentou bastante desde que o covid-19 obrigou ele a ficar dentro de casa.
"O uso abusivo do celular estava prejudicando a atenção dele nas aulas virtuais. Ele estava ficando impaciente e intolerante, querendo que a aula acabasse logo. Depois, não queria mais sair, nem brincar com os amigos e nem com os brinquedos dele, tampouco visitar familiares. Percebemos que o comportamento dele não estava normal, até porque ele estava bem mais irritado", afirma a mãe.
A irritabilidade que Carolline notou no filho também foi relatada por 26,9% dos pais que participaram do estudo com as crianças indianas. Já 70,7% deles apontaram outros problemas comportamentais e 23,4% disseram que os filhos ganharam peso, enquanto 36,8% descreveram os filhos como "mais teimosos". Outro dado revelado pelos pesquisadores foi o fato de que 22,4% das crianças apresentaram dores e incômodos nos olhos.
"Nós falávamos para ele usar menos o celular e ele sempre questionava, reclamando do tédio. Porém, isso implicou diretamente na acuidade visual dele, pois ele começou a lacrimejar muito. Isto é um problema sério. O Thalles também começou a apresentar dores de cabeça. Foi quando percebi que algo estava errado", lembra.
Thalles tinha uma rotina cheia de atividades, pois além das aulas no período da manhã, ele também fazia aulas de reforço e praticava caratê. Com a impossibilidade do filho de realizar essas atividades, Carolline e o marido, Silvio Otero, sentaram para elaborar estratégias e maneiras de fazer Thalles se dedicar mais às atividades offline.
"Resolvemos buscar formas de desconectá-lo. Compramos massinhas, slime e livros para pintar. Além disso, contratamos uma professora de reforço, que o acompanha duas vezes por semana. Atualmente, ele só pode usar o celular no fim da tarde, caso tenha cumprido todas as tarefas que estipulamos para ele. Se deixar algum dever de lado, são 48h sem usar", conta Carolline.
Apesar dos problemas, Carolline observou pelo menos uma vantagem para a educação do filho: o desejo de alfabetização dele aflorou por conta dos desenhos que assiste e dos jogos que ele começou a jogar durante a pandemia, por conta da influência de alguns primos mais velhos.
"Ele usa muito o Tik Tok e o Youtube. Está naquela fase do Sonic, Naruto, além de jogar Brawl Stars e Free Fire. Percebi um desejo dele de aprender as letras e juntá-las, pois queria sempre escrever o nome dele, nome dos jogos, o nome dos outros competidores. Neste sentido, ajudou muito, pois antes ele só usava o recurso de busca por áudio na [loja virtual de aplicativos] Play Store", diz.
Segundo a Sociedade Brasileira de Pediatria, crianças de menos de dois anos não devem ser expostas a nenhuma atividade em tela, enquanto as de dois a cinco anos devem passar no máximo uma hora por dia diante delas. Para crianças de 6 a 10, no máximo duas horas por dia. Carolline sabe de tudo isso, mas admite que o cotidiano é mais difícil.
"Vivemos em uma realidade onde nosso trabalho e nosso cansaço enquanto pais que trabalham fora contribuem para este cenário. Às vezes é mais fácil dar o celular logo. Não posso botar a culpa só neles. Mas essa pandemia nos requer paciência e sabedoria para superarmos as dificuldades", conta ela, que também é mãe do Thomás, de dois anos.
A psicóloga Erika Paiva, que trabalha com psicanálise de crianças e adolescentes, acredita que nas telas tudo é mais chamativo, divertido e colorido, o que pode facilmente fazer todas as atividades fora dela parecerem menos importantes.
"Colocar as crianças na frente de uma tela o dia todo faz com que ela vá perdendo a criatividade e a coloca numa posição passiva, invés das brincadeiras que a tornam crianças ativas, e, portanto, mais saudáveis. Essa posição passiva diante das telas se dá porque tudo ali já foi produzido por outra pessoa e a criança está só absorvendo, sem refletir, sem fantasiar, sem pensar em outras atividades que gostariam de praticar", afirma.
Erika observa que as brincadeiras coletivas e atividades físicas também ajudam no desenvolvimento da linguagem e da socialização, pois as crianças criam mais autonomia de pensamento e deixam de esperar por entretenimentos que já aparecem para elas prontos, sem que seja necessário algum tipo de esforço.
"Muitos pais também precisaram se virar com as tarefas domésticas durante a pandemia e aí os tablets e celulares também entram como solução, para as crianças ficarem mais quietas. Por que não chamar as crianças para atividades dentro de casa? É uma ideia. Convidar a criança para arrumar a cama, ajudar na cozinha. Isso também favorece aspectos importantes que a pandemia pode ter deixado de lado, como a disciplina e a organização", aconselha.
Para evitar problemas cognitivos e adversidades físicas, Paiva acredita que é importante observar as crianças que estão usando demais os celulares e ver se elas não estão chamando os familiares para brincar ou conversar. Também vale observar, segundo a psicóloga, se a criança para de falar com os pais ou de prestar atenção neles sem motivo aparente.
"Quando a criança para de ouvir e reagir aos sinais externos por estar olhando só para jogos e internet o tempo inteiro, talvez seja o momento de procurar ajuda profissional. Com o tempo, os pais vão percebendo o que leva aquela criança a estar ali, vidrada. E é sempre bom conversar. Perguntar o porquê daquilo [na tela] ser mais interessante que um futebol, um livro, uma brincadeira em família. Nem sempre as crianças falam igual ao adulto, mas aos poucos elas vão dando dicas", afirma.
Problemas relacionados ao uso excessivo de telas:
- Dificuldades para dormir
- Tempo de atenção reduzido
- Falta de concentração
- Irritabilidade e estresse
- Dor nos olhos e dores de cabeça
Dicas para tornar as telas mais amigáveis para a saúde dos filhos:
- Use as telas para jogos com atividades físicas, como dança
- Estabeleça horários exatos para o uso, para que se crie uma rotina
- Incentive o consumo de conteúdos mais calmos e positivos, sem tantos barulhos e efeitos visuais
- Relembre sempre a possibilidade de usar o celular para conversar com pessoas distantes
- Não demonize a internet ou tente abolir ela de vez em casa
Assista ao nosso vídeo sobre o tema:
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