PEC da Segurança Pública gera polêmica ao propor mudanças estruturais nas polícias

Em tramitação na Câmara, proposta divide opiniões ao abrir caminho para extinção da carreira de delegado e centralização das investigações na União; deputados e entidades de classe reagem

Jéssica Nascimento
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A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 18/2025, enviada pelo governo federal ao Congresso Nacional, acirrou os debates sobre o futuro da segurança pública no país. O texto, que busca desburocratizar a atuação das forças policiais, enfrenta críticas principalmente por emendas que preveem a extinção da carreira de delegado de polícia e pela possível centralização de investigações nas mãos da União, esvaziando o papel das Polícias Civis estaduais

Apresentada pelo ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, a PEC 18/2025 objetiva, segundo o governo, “dar maior eficiência ao trabalho das autoridades” no combate às organizações criminosas. O texto está em tramitação na Câmara dos Deputados e recebeu a última emenda em 2 de outubro.

Entre os pontos centrais da proposta estão o fortalecimento da atuação da Polícia Federal, a redefinição do papel das Guardas Municipais e da Polícia Rodoviária Federal — que passaria a se chamar Polícia Viária Federal — e a instituição de corregedorias e ouvidorias autônomas para fiscalizar os órgãos de segurança.

Entretanto, emendas parlamentares apresentadas ao texto original têm gerado debate, especialmente entre delegados de polícia e representantes deles.

Carreira de delegado sob ameaça: entidades denunciam tentativa de extinção

Diversas entidades ligadas aos delegados de polícia têm denunciado emendas que propõem a adoção de um modelo de “carreira única” nas Polícias Civis.

Nesse modelo, o ingresso ocorreria apenas em cargos iniciais, como agente ou escrivão, com possibilidade de progressão interna até funções de chefia e investigação, atualmente exclusivas dos delegados.

A implementação dessa estrutura significaria, na prática, a extinção do cargo de delegado como uma carreira de entrada via concurso público. Para as entidades da categoria, isso representa um retrocesso que compromete a autonomia e a qualidade das investigações criminais.

Enquanto defensores da mudança alegam que a carreira única modernizaria a polícia e valorizaria os demais servidores, os críticos alertam para o risco de “precarização da atividade investigativa” e de enfraquecimento da Polícia Judiciária.

“Esses parlamentares precisam nos ouvir porque a PEC da Segurança Pública já virou palco de conflitos relacionados às competências administrativas e legislativas, ou seja, dos entes federativos, conflito de competências entre os órgãos do artigo 144 da Constituição, e estas emendas aqui trazem mais um elemento, os conflitos entre as carreiras que compõem os órgãos da Segurança Pública”, afirma André Santos Pereira, presidente da Adpesp (Associação dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo).  

Centralização na União preocupa estados 

Outro ponto polêmico da PEC é a proposta de transferir para a Polícia Federal a competência para investigar organizações criminosas, milícias e crimes ambientais de grande porte.

A medida é vista como um esvaziamento das funções da Polícia Civil estadual e uma tentativa de concentrar poder nas mãos da União.

Para entidades de classe, essa centralização compromete a autonomia dos estados e pode gerar conflitos de atribuição entre as diferentes forças de segurança.

"Acabar com a carreira de delegado é um erro grave", diz Delegado Éder Mauro

Entre os parlamentares mais críticos à PEC está o deputado federal Delegado Éder Mauro (PL-PA), que vê na proposta um ataque direto à estrutura da segurança pública. Para ele, extinguir a carreira de delegado de polícia enfraquece o combate ao crime e compromete a legalidade das investigações.

"Eu sou totalmente contrário a essa proposta. Extinguir a carreira de delegado é um erro grave e um golpe na estrutura da segurança pública", afirmou o deputado.

Ele defende que o delegado é peça-chave na condução técnica e jurídica das investigações: "O delegado é a autoridade que conduz a investigação com base técnica e jurídica, garantindo que o trabalho da polícia seja sério, responsável e dentro da lei."

Éder Mauro, que tem origem na segurança pública, ressalta os impactos práticos da medida especialmente em estados como o Pará.

"No Pará, onde a criminalidade cresce e as facções ganham território, o que precisamos é do contrário: de mais estrutura, mais inteligência e mais valorização das nossas polícias", argumenta.

"Essa proposta, se levada adiante, representará um retrocesso histórico", completa.

Sobre o conjunto da PEC 18/2025, o parlamentar afirma que o discurso da eficiência não pode justificar a desorganização institucional: "Embora a PEC 18/2025 traga o discurso da eficiência, na prática ela pode gerar desorganização e perda de comando nas forças de segurança."

image Delegado Éder Mauro. (Foto: Thiago Gomes | O Liberal)

Segundo ele, o desafio da segurança pública em regiões como a Amazônia exige comando claro e integração entre os órgãos. "Se a PEC fragilizar a autoridade policial e criar um vácuo de coordenação, o resultado será o aumento da violência", alerta.

Para o deputado, modernizar a segurança pública é necessário, mas deve ser feito com responsabilidade:

"A modernização é necessária, mas deve vir com valorização, investimento e fortalecimento das polícias, não com o desmonte de suas carreiras e funções essenciais."

Deputado federal paraense critica proposta: “É injusto culpar os delegados”

O deputado federal Joaquim Passarinho (PL-PA) se posicionou contra as propostas que atingem a carreira de delegado. Ao Grupo Liberal, ele destacou que o problema da segurança pública no Brasil não está nos delegados, mas na falta de investimento e estrutura adequada.

image Joaquim Passarinho. (Foto: Cleia Viana / Agência Câmara)

“Culpar os Delegados de Polícia pela falta de segurança é uma injustiça. Trabalham muitas vezes sem condições e pessoal de apoio. Precisamos intensificar o investimento em inteligência e treinamento”, disse.

Passarinho também criticou a proposta de centralização:

“Centralizar o comando e organização não pode dar certo. O Brasil é continental e com muitas especificidades. Problemas diferentes pedem soluções diferentes.”

O Sindicato dos Delegados de Polícia do Pará (Sindelp) foi procurado pelo Grupo Liberal, mas não respondeu até o fechamento desta matéria.

O que muda com a PEC

Entre as principais mudanças da PEC 18/2025, estão:

  • Guardas Municipais: terão atuação reconhecida em segurança urbana, com poder de polícia, mas sem funções de polícia judiciária;
  • Polícia Viária Federal: substitui a atual PRF e amplia a atuação para hidrovias e ferrovias. Não terá competência para apurar infrações penais;
  • Polícia Federal: terá papel reforçado no combate a crimes ambientais e organizações criminosas de repercussão interestadual ou internacional;
  • Fundos: criação do Fundo Nacional de Segurança Pública e do Fundo Penitenciário Nacional, sem possibilidade de contingenciamento;
  • Conselho Nacional de Segurança: passa a contar com representantes da sociedade civil;
  • Corregedorias e ouvidorias: com autonomia funcional para apurar irregularidades nas forças de segurança.

O que permanece inalterado:

  • Autonomia dos estados: continuam responsáveis por gerir suas polícias;
  • Sistemas de informação descentralizados: sem obrigatoriedade de unificação tecnológica;
  • Sem criação de novos cargos: apenas ajustes nos já existentes conforme as novas atribuições.
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