‘É preciso estar onde o Estado muitas vezes não chega’, diz Mônica Belém sobre atuação da Defensoria

Em entrevista ao Grupo Liberal, a defensora pública-geral do Pará explicou como a instituição tem atuado para superar os entraves que marcam a garantia de direitos às .

Gabi Gutierrez
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Maio é o mês em que se celebra o trabalho da Defensoria Pública, criada para garantir o acesso à Justiça à população mais vulnerável. No Pará, a instituição enfrenta limitações que vão da presença física em todos os municípios à capacidade de atendimento diante da demanda crescente para a democratização dos direitos básicos do cidadão. Em entrevista ao Grupo Liberal, a defensora pública-geral Mônica Belém explicou como a instituição tem atuado para superar esses entraves. Entre os temas abordados estão as ações previstas para a COP 30, o combate à violência de gênero, os investimentos em tecnologia e inovação e o esforço para levar os serviços da Defensoria aos municípios do interior. 

A gestora também comenta as prioridades da atual administração e os obstáculos que ainda precisam ser enfrentados. A gestora à frente da Defensoria Pública do Pará contou quais estratégias a DPE vem adotando para ampliar sua atuação diante de desafios estruturais, como limitações orçamentárias, interiorização dos serviços e a preparação para grandes eventos, como a COP 30. 

"O Pará tem dimensões continentais, e levar justiça a todos os cantos do Estado é um desafio que exige presença institucional e sensibilidade social. A COP 30 será uma vitrine para o mundo, mas a realidade dos nossos assistidos precisa ser visível todos os dias", diz Mônica Belém.

Leia a entrevista na íntegra:

Com a aproximação da COP 30, como a instituição está se estruturando para atuar durante o evento e garantir a proteção dos direitos humanos no contexto das mudanças socioambientais?
 

Mônica Belém: A Defensoria Pública do Estado do Pará (DPE-PA) está mobilizada institucionalmente para garantir que os direitos da população mais vulnerável estejam no centro dos debates e decisões durante a COP 30, sobretudo das populações ribeirinhas, indígenas e quilombolas. Para isso, foram criados o Comitê Institucional e a Comissão Especial para a COP 30, que vêm promovendo estudos técnicos, análises jurídicas e o diálogo com órgãos públicos, entidades privadas e a sociedade civil, inclusive com o público atendido pela Defensoria.

O comitê e a comissão contam com um plano de atuação para a COP 30, com foco na promoção da justiça climática e na defesa dos direitos das populações vulneráveis. Entre as principais ações, está a instalação da Sala Verde da Defensoria Pública, espaço dedicado a debates, oficinas e atividades educativas. Também estamos preparando eventos oficiais e preparatórios da conferência, além de audiências públicas para discutir os impactos das mudanças climáticas.

Outra frente importante é o atendimento jurídico itinerante em comunidades ribeirinhas, indígenas, quilombolas, e a produção de materiais informativos em vários idiomas e a capacitação de defensoras e defensores públicos nas temáticas socioambientais também integram a agenda.

A atuação em rede com outras instituições e movimentos sociais, o monitoramento de violações de direitos durante a COP e a proposição de políticas públicas fazem parte do compromisso da DPE-PA com a sustentabilidade e a equidade. Tudo isso será amplamente divulgado por meio de uma estratégia de comunicação voltada à conscientização da sociedade paraense e internacional.

Essa preparação não é apenas formal. Ela está diretamente conectada ao trabalho que já realizamos nas comunidades tradicionais que enfrentam, há décadas, os efeitos da degradação ambiental. Temos acompanhado de perto situações como a comercialização irregular de créditos de carbono, que ameaça os modos de vida e os direitos de populações indígenas, quilombolas e ribeirinhas. Também atuamos no enfrentamento ao subregistro civil de povos indígenas, por meio do projeto Enxerga-me Brasil, porque o direito à identidade é o primeiro passo para garantir o acesso a políticas públicas.

Vamos realizar, ainda, o Seminário Internacional sobre Justiça Climática, Proteção de Direitos Humanos e Atuação das Defensorias Públicas Sul-Americanas, reunindo defensorias de todo o Brasil e da América Latina, além de especialistas em direito ambiental e justiça climática.

A pauta feminina é uma prioridade na sua gestão? Quais as ações que já foram executadas em quase um ano de mandato?
Sim, é uma prioridade absoluta. Ter uma gestão com olhar comprometido com a igualdade de gênero não é apenas uma escolha política, é uma responsabilidade histórica. Vivemos em um dos estados com maior índice de violência contra a mulher no país, e isso exige que a Defensoria Pública atue com sensibilidade, firmeza e estratégia.

Sob essa perspectiva, temos trabalhado para consolidar uma política institucional de enfrentamento à violência de gênero. O fortalecimento do Núcleo de Prevenção e Enfrentamento à Violência de Gênero (Nugen) é um dos pilares dessa atuação. O núcleo não apenas acolhe e orienta mulheres em situação de violência, mas também articula campanhas, forma parcerias e promove educação em direitos. Outra ação importante do Nugen é a educação em direitos durante as ações de cidadania, que alcançou mais de 20 mil pessoas durante o Marajó 360º.

No campo da dignidade e autonomia, lançamos o projeto Arara das Manas, que arrecada roupas e calçados para mulheres vítimas de violência patrimonial, com foco naquelas em vulnerabilidade extrema. Além disso, o Nugen consegue hoje capacitar essas mulheres por meio de cursos de qualificação a fim de ajudá-las a conquistar independência financeira e assim romper com o ciclo da violência.

Também estamos construindo a Casa de Defesa da Mulher, que será inaugurada ainda este ano. O espaço vai reunir em um só local diversos serviços especializados, a fim de ampliar o atendimento humanizado e multidisciplinar às mulheres em situação de violência.

Além disso, firmamos convênio com o Ministério da Justiça para fortalecer o Programa Reincidência Zero, que trabalha a educação de homens autores de violência doméstica — porque também é preciso enfrentar a cultura da violência de forma preventiva e transformadora.

Acredito que promover uma Defensoria com esse olhar significa não apenas proteger mulheres em situação de violência, mas também transformar estruturas que por muito tempo naturalizaram a desigualdade de gênero.

De forma interna, no que diz respeito ao corpo funcional, também temos trabalhado políticas afirmativas nesse sentido. Uma delas, por exemplo, é a Resolução 394, que cria condições de trabalho especiais para mães e lactantes no âmbito da Defensoria Pública do Pará. Ano passado, logo no início da minha gestão, também lançamos o “Defesa com Equidade: Manual de Comunicação Antissexista da DPE-PA", com o objetivo de difundir a utilização de uma linguagem que respeita a igualdade entre os gêneros. A iniciativa visa coibir atos que reforcem estereótipos impostos culturalmente e preconceitos dessa natureza.

Outra importante adequação feita pela atual gestão da DPE-PA é a paridade de gênero nos cargos de gestão, a fim de garantir mais equidade e inclusão dentro da instituição. O intuito é assegurar que homens e mulheres tenham as mesmas oportunidades de participação e tomada de decisões, com foco em uma instituição mais diversa e representativa.

A interiorização é uma missão da DPE. Como a Defensoria consegue alcançar os mais vulnerabilizados em todo o Estado?
A interiorização é um dos compromissos mais urgentes e desafiadores da nossa instituição. O Pará tem dimensões continentais e uma diversidade social e cultural que exige presença territorial e sensibilidade institucional. Garantir que as populações do interior tenham o mesmo acesso à Justiça que as da capital é o que move muitas das nossas decisões administrativas.

Nesse sentido, conseguimos avançar significativamente na expansão da nossa presença física com a inauguração de novas sedes em Altamira, Tailândia, Acará e Rondon do Pará. Mas sabemos que presença institucional vai além do prédio: por isso, também realizamos ações de cidadania, como o Marajó 360, que levou mais de 100 mil atendimentos jurídicos e sociais a comunidades isoladas do arquipélago.

Por meio dos Veículos de Direitos, conseguimos acessar regiões quilombolas, ribeirinhas e rurais com serviços de emissão de documentos, atendimento e orientação jurídica, educação em direitos, educação ambiental e outras demandas fundamentais. É esse tipo de atuação que fortalece o sentimento de pertencimento e cidadania nas regiões mais afastadas.

A tecnologia e inovação têm sido pautas importantes da Defensoria nos últimos anos. Quais são os avanços mais significativos nesses processos e como eles impactam diretamente a população que depende desses serviços?
A inovação tecnológica tem sido uma ferramenta decisiva para ampliar o alcance e a qualidade dos nossos serviços. A DPE-PA tem investido em soluções que unem eficiência, inclusão e transparência. Um exemplo concreto é a criação da ferramenta SÍRIO, desenvolvida pela nossa Diretoria de Inovação e Transformação Tecnológica. Por meio da inteligência artificial, ela permite maior agilidade no atendimento aos nossos assistidos, com automações que otimizam processos internos. Essa inovação foi reconhecida nacionalmente com o 3º lugar no Prêmio J.EX de Inovação Social.

A DPE-PA também foi reconhecida com o selo "Diamante" de Transparência Pública pela Atricon, ao obter mais de 99% de conformidade nos critérios avaliados. Isso reforça o nosso compromisso com uma gestão responsável, aberta e conectada com a sociedade.

Com o objetivo de dar celeridade nos atendimentos durante as ações do “Balcão de Direitos”, são disponibilizadas um rol de peças jurídicas aos defensores públicos. O uso da tecnologia na Defensoria é, sem dúvidas, um meio para tornar mais céleres os atendimentos, com foco em reduzir desigualdades e superar barreiras geográficas e burocráticas.

Quais os principais desafios que a Defensoria Pública do Pará encara nos próximos anos, considerando o cenário de crescimento populacional, aumento das desigualdades e a expansão da atuação da instituição?
Os desafios da Defensoria Pública do Pará são profundos e estruturais. O primeiro deles é o descompasso orçamentário. A DPE-PA recebe um dos menores orçamentos dentro do sistema de Justiça estadual, um número significativamente inferior ao que recebem o Judiciário e o Ministério Público. Essa realidade orçamentária ainda limita nossa capacidade de expandir, qualificar e interiorizar os serviços.

Outro desafio crucial é a expansão da presença institucional em um território tão vasto e diverso como o Pará. Ainda há muitas comarcas sem defensores públicos, embora tenhamos conquistado um crescimento de mais de 200% nos últimos quatro anos, ao sair de 44 municípios para 105 municípios com a presença da Defensoria Pública.

Ainda assim, temos muito o que fazer para chegar aos 144 municípios. Para isso, temos avançado bastante no diálogo interinstitucional com os demais órgãos do sistema de Justiça, bem como com o Poder Legislativo e o Poder Executivo.

Na Defensoria Pública, enfrentamos o desafio de combater desigualdades profundas, tanto econômicas quanto sociais, que afetam especialmente mulheres, povos originários, comunidades tradicionais e moradores de áreas periféricas. Nossa atuação precisa ser firme na proteção individual, mas também estratégica na defesa de direitos coletivos e promoção de políticas públicas.

Por fim, estamos diante de um tempo que exige uma Defensoria mais propositiva, inovadora e comprometida com o futuro da Amazônia. A COP 30 será uma vitrine para o mundo, mas a realidade dos nossos assistidos precisa ser visível todos os dias. Por isso, reafirmamos nosso papel: garantir que nenhum direito fique para trás, especialmente entre aqueles que mais precisam ser vistos, ouvidos e protegidos.

 

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