Violência contra crianças cresce 17,06% no Pará em 2021 em meio à pandemia
Ocorrências contra menores tiveram disparos em relação ao ano passado. Crimes mais registrados são ameaça, estupro de vulnerável, lesão corporal e maus tratos, segundo a Segup.
Entre janeiro e abril de 2021, as ocorrências de violência contra crianças cresceram 17,06% no Pará, em comparação ao mesmo período do ano passado. Enquanto que em 2020 foram 580 casos, este ano já soma 679 notificações. Ao todo, o último ano registrou 1.998 ocorrências contra menores. Em 2019, foram 2.370, das quais 719 nos quatro primeiros meses. Os dados foram informados pela Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social do Pará (Segup), a pedido da reportagem, e consideraram vítimas entre 0 e 12 anos.
Ainda segundo as informações repassadas pela Segup, as cidades com maior quantitativo de ocorrências, em ordem alfabética, são Abaetetuba, Altamira, Ananindeua, Belém, Bragança, Castanhal, Marituba, Parauapebas e Santarém. Os registros, entretanto, não foram ranqueados pela Secretaria. Já os crimes mais registrados são ameaça, estupro de vulnerável, lesão corporal e maus tratos.
O aumento, segundo a juíza da 1ª Vara de Crimes Contra Crianças e Adolescentes de Belém, Mônica Maciel Soares Fonseca, está ligado à pandemia de covid-19 - cujo primeiro caso confirmado no Pará ocorreu no dia 18 de março de 2020 - que "certamente colocou as crianças vítimas de violência em contato direto com seus agressores por mais tempo", principalmente porque "as escolas, segundo local mais frequentado pelas vítimas, onde alunas e alunos podem ser auxiliados e protegidos, tiveram suas atividades presenciais suspensas".
Em todo o Brasil, casos de violência contra crianças - e mulheres - dispararam em meio à necessidade de isolamento social e o aumento, ou até a totalidade, do tempo diário em casa. As mortes de Henry Borel, de 4 anos, e de Ketelen Vitoria Oliveira da Rocha, de 6 anos, chocaram o país. Os casos de tortura e série de agressões e violência aconteceram no âmbito familiar e foram praticados com a ciência das mães e do padrasto e madrasta das duas vítimas.
A magistrada explica que o ambiente que deveria ser de proteção acaba sendo o palco principal dos mais diversos abusos. "A violência, seja física, psicológica ou sexual, ocorre, sobretudo no ambiente intrafamiliar, praticada por quem tem o dever legal de proteger a vítima, mas viola seus direitos", enfatiza. Os impactos do período de resguardo também foram sentidos na 1ª Vara de Crimes Contra Crianças e Adolescentes de Belém, que julga processos que envolvem crimes contra a dignidade sexual de menores de idade ocorridos tanto na capital paraense, quanto no distrito de Mosqueiro.
Em 2019, foram ajuizados 464 processos e procedimentos criminais praticados contra crianças e adolescentes menores de 14 anos de idade. Em 2020, esse número subiu para 515, o que representa um aumento de 10,99% de ocorrências judicializadas. Já em 2021, até o dia 6 de maio, foram 71.
"Mais de 50% dos processos que tramitam na Vara envolvem crimes de estupro de vulnerável", detalha a juíza Mônica Maciel
Do total de ocorrências, além da metade são de abuso sexual. "Mais de 50% dos processos que tramitam na Vara envolvem crimes de estupro de vulnerável - art 217-A do Código Penal Brasileiro - e boa parte dos autores é o padrasto ou o pai biológico", ressalta a dra. Mônica Maciel. Além dos crimes serem praticados por pessoas de confiança da criança e, na maioria dos casos, sem testemunhas, "há uma espécie de 'Pacto do Silêncio' que precisa ser rompido, para quebrar o ciclo da violência", destaca ainda a juíza.
O papel da Justiça na proteção das vítimas
A partir das denúncias, a Justiça segue com uma função essencial para a punição dos envolvidos. "O Judiciário tem um papel fundamental na rede de proteção, pois pode aplicar medidas cautelares e medidas protetivas. Por exemplo, pode afastar o agressor do lar, a pedido do Ministério Público, ou decretar a prisão preventiva do agressor, caso este coloque em risco a instrução do processo ou a integridade física e psicológica da vítima, após o registro da ocorrência, ou, ainda, caso possa oferecer risco à aplicação da lei penal, tentando se evadir para local desconhecido", exemplifica.
Somado a isso, a lei 13.431/2017 alterou o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/1990) e estabeleceu um sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência. "As vítimas são ouvidas em sala separada da sala de audiências, prestando o chamado depoimento especial, colhido por profissional capacitado na técnica de entrevista. O depoimento é transmitido, em tempo real, para a sala de audiências, e não são feitas perguntas diretas, nem indutivas, evitando-se a revitimização e também a chamada 'violência institucional', prevista no citado diploma legal", explica a magistrada.
Como identificar a violência?
A especialista em desenvolvimento infantil e psicóloga das Varas de Criança e Adolescente de Belém, Mayra Lopes, explica que cada criança reage de uma maneira em casos de alguma violência sofrida. Entretanto, alguns sinais podem indicar que algo precisa ser investigado, como o isolamento social, alterações de apetite, depressão, agressividade, choros constantes, tentativa de suicídio, automutilação, pesadelos e medo de ficar sozinha ou com determinadas pessoas, por exemplo.
Identificados os sinais, a psicóloga reitera que a principal maneira de saber se as crianças estão sendo vítimas de violência ainda é conversando. "Estabeleça uma linha de diálogo com o seu filho. Não tenha medo das respostas. Ouça com atenção. Não ponha palavras na boca da criança, não faça uma inquirição e contenha sua angústia. Uma criança com medo de apanhar, não vai falar. A gente precisa dar suporte, apoiar e não acusar", aconselha
Lopes destaca ainda que, quanto mais jovem a vítima, mais atenção é demandada. "As crianças de até seis anos são as mais vulneráveis a tudo. Não que as de 7 e 12 não sejam, mas quanto mais a fala está estruturada, mais recurso existe para defesa. E mais recurso para lembrar das coisas que aconteceram", conta.
"A criança se cala por amor e também por muito medo", afirma a psicóloga Mayra Lopes
A profissional acrescenta ainda que os responsáveis pela vítima devem explicar que a criança não precisa guardar segredos. "É importante falar sobre distinção. O agressor pede silêncio pra criança, diz que não pode contar aquilo pra ninguém. E às vezes ameaça a criança, os pais, irmãos. A criança se cala por amor e também por muito medo. A mentira que deixa triste e angustiado, não é uma boa mentira e precisa ser revelada. A gente precisa deixar isso claro", conclui.
Canais de denúncia
Casos de violência contra crianças podem ser denunciados pelo Disque-Denúncia 181, Centro Integrado de Operações 190 ou, ainda, pelo canal Disque 100, da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. Não é necessário se identificar e a ligação é gratuita.
Em Belém, o atendimento presencial da Delegacia Especializada No Atendimento À Criança E Adolescente (Deaca/CPC) é feito nos seguintes endereços: na Santa Casa, localizada na R. Bernal do Couto, 988, e também pelo email deacasantacasa@gmail.com; na sede do Centro de Perícias Científicas Renato Chaves, na Rodovia Transmangueirão, s/n e pelo deacacpc@gmail.com.
Já em Ananindeua, o atendimento é feito na rodovia Mário Covas, 50, e também por meio do email deacaananindeua@gmail.com.
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