logo jornal amazonia

PL que endurece regras de internação de adolescentes fere princípios do ECA, avalia advogada

No início desta semana, um garoto de 13 anos, que tinha envolvimento com atos infracionais, foi morto a tiros em Marabá. O assunto ganhou grande proporção e coincidiu com o período em que há muita discussão sobre tornar mais rígidas as regras para internação de adolescentes que cometeram atos infracionais

O Liberal

No dia 27 deste mês, um garoto de 13 anos, que possuía envolvimento em atos infracionais como furtos, posse de drogas e roubos, foi assassinado a tiros na frente de uma casa em Marabá, região sudeste do Pará. O assunto ganhou grande proporção e coincidiu com o período em que há muita discussão sobre tornar mais rígidas as regras para internação de adolescentes que cometeram atos infracionais, a partir de um Projeto de Lei (PL) que está em análise na Câmara dos Deputados. O texto do PL 1.473/2025, de autoria do senador Fabiano Contarato (PT-ES), altera o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) para endurecer o tratamento aplicado a adolescentes que cometem atos infracionais graves. A advogada Emanuelle Resque, que faz parte da Comissão de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente da Ordem dos Advogados do Brasil - Seção Pará (OAB-PA), avalia que essa PL fere o princípio da brevidade da medida, que consiste na aplicação de uma medida socioeducativa privativa de liberdade, como, por exemplo, a internação, que deve ocorrer pelo menor tempo possível.

O tempo máximo de internação passa de três para cinco anos, podendo chegar a dez anos se o ato infracional for cometido com violência, grave ameaça ou corresponder a crime hediondo ou equiparado. A proposta também revoga o limite de idade para liberação compulsória — atualmente fixado em 21 anos — para permitir que o juiz mantenha a medida até o prazo máximo previsto, de acordo com a avaliação individual do caso.

 “Hoje, a medida é de no máximo três anos, com a necessidade da sua manutenção a cada seis meses. Esse Projeto de Lei vem aumentar esse prazo, falando que o adolescente pode ficar internado até cinco anos nos atos infracionais cometidos com violência ou grave ameaça. E essa pena, de até três anos, pode ser aplicada até o dobro para os atos infracionais análogos que resultem em morte ou que são cometidos contra a dignidade sexual. Fala-se em dobro, mas ela pode chegar até 10 anos”, diz ela.

Para entender a diferença entre um ato infracional e um crime, Emanuelle detalha as diferenças. “Um adolescente não comete crime, comete ato infracional análogo a crime, mas é a mesma situação. Exemplo: existe o crime de roubo, que é cometido por nós, adultos. O adolescente comete um ato infracional análogo ao roubo. Diferentemente dos adultos, que são detidos, reclusos e sofrem uma pena, o adolescente é internado”, fala. Segundo ela, o objetivo de uma prisão e uma internação é o mesmo: repensar na conduta e voltar para o convívio com a sociedade.

Resque comenta também que, atualmente, a legislação brasileira estabelece que a aplicação das medidas precisa ser reavaliada de seis em seis meses, o que pode ser alterado para até 1 ano com o PL 1.473/2025. “O que a gente está contestando muito é um Projeto de Lei recente, mas que precisa de um amplo debate da sociedade. Não é simplesmente você internar por mais tempo um adolescente que cometeu esse ato. Quando o senador propôs esse Projeto de Lei, ele não analisou todo o contexto social e de luta que a gente tem feito ao longo desses anos em prol do direito das crianças e dos adolescentes”, afirma sobre direito à convivência familiar e comunitária, que assegura que crianças e adolescentes devem ser criados e educados por sua família de origem ou por uma família substituta, em um ambiente seguro e que garanta o desenvolvimento integral.

O texto também promove alterações no artigo 121 do ECA, com a previsão de reavaliação anual das medidas. E estabelece que jovens maiores de 18 anos que ainda cumpram medidas socioeducativas deverão ser transferidos para unidades específicas, separadas dos adolescentes, não sendo transferidos para estabelecimentos prisionais destinados a adultos.

“Quando a gente deixa esse adolescente por mais tempo internado, a gente rompe esse vínculo. A adolescência até a juventude é onde tem desenvolvimento humano; tirá-lo (jovem) do seio familiar e colocar em um local de condições precárias de saúde, principalmente educação e profissionalização, é muito difícil e viola frontalmente todos os dispositivos do ECA e da Constituição Federal”, explica.

Sobre determinação das medidas impostas aos adolescentes, a advogada vê que o PL 1.473/2025 tem um caráter “punitivista”. “Na verdade, deveria ser um caráter educativo do ato infracional análogo a um crime. (...) Os senadores, quando propuseram essa lei, pouco pensaram na questão da ressocialização e reinserção social”, afirma.

“Existe a possibilidade de o adolescente ficar mais tempo internado e voltar a reiterar na prática dos atos infracionais ou até, atingindo a maior idade, continuar no mundo do crime, porque é uma questão de reinserção. Então ele vai visualizar aquela situação como a única que ele tem”, acrescenta.

O texto do projeto também muda o limite fixo da internação provisória, que deixa de ser 45 dias e passa a depender de decisão fundamentada do juiz, que deverá reavaliá-la a cada 90 dias. Advogada acredita que o juiz, ao analisar o tempo de internação, “tem que verificar e ver a condição peculiar de cada adolescente”.

Ainda de acordo com Resque, existem estudos que comprovam que as medidas mais efetivas são as que possibilitam o convívio familiar e comunitário. “Se deixar o adolescente internado por mais tempo, é mais difícil ele voltar para o convívio familiar, conseguir emprego ou estudar. A perpetuação da criminalidade tende a aumentar quanto mais tempo a pessoa ficar internada”, ressaltou. 

Outra mudança que o PL traz é a criação da audiência de custódia obrigatória para adolescentes apreendidos em flagrante, a ser realizada em até 24 horas, com a presença do Ministério Público e da defesa, para analisar a legalidade do procedimento. Para a advogada, isso é uma conquista para os direitos da criança e do adolescente. Se tratando de crimes, ela assegura que o advogado de defesa é importante para apontar a ilegalidade daquela prisão. Com isso, ela observa que essa alteração poderá ser benéfica às crianças e adolescentes.

“O que nós, integrantes da OAB como defensoras dos direitos das crianças e dos adolescentes, falamos é que precisa ter um debate amplo, que englobe a sociedade e, principalmente, o adolescente. E, a partir de tudo isso, vamos moldando conclusões e respostas. Mas, de antemão, não tem como esse Projeto de Lei ir para frente; ele viola frontalmente a Constituição Federal, que é a nossa Carta Magna, o Estatuto da Criança e do Adolescente e toda luta que tem sido feita até aqui”, conclui.

Assine O Liberal e confira mais conteúdos e colunistas. 🗞
Entre no nosso grupo de notícias no WhatsApp e Telegram 📱
Polícia
.
Ícone cancelar

Desculpe pela interrupção. Detectamos que você possui um bloqueador de anúncios ativo!

Oferecemos notícia e informação de graça, mas produzir conteúdo de qualidade não é.

Os anúncios são uma forma de garantir a receita do portal e o pagamento dos profissionais envolvidos.

Por favor, desative ou remova o bloqueador de anúncios do seu navegador para continuar sua navegação sem interrupções. Obrigado!

RELACIONADAS EM POLÍCIA

MAIS LIDAS EM POLÍCIA