Turu: alimento ganha espaço na alta gastronomia paraense
A reportagem encerra a série especial “Gastronomia Pai D’Égua”, produzida pelo Grupo Liberal
Na região do Marajó, no Pará, um alimento inusitado vem ganhando espaço nos pratos da alta gastronomia paraense: o turu. À primeira vista, a aparência pode surpreender, uma larva branca, viscosa, retirada de dentro de troncos de madeira em decomposição nos rios amazônicos. Mas, nas mãos do chef Claudomiro Maués, mais conhecido como Chef Bola, esse molusco se transforma em ceviches, caldos e até massas artesanais. A reportagem encerra a série especial “Gastronomia Pai D’Égua”.
“Minha culinária é uma imersão na floresta”, afirma Chef Bola, natural de Soure, na Ilha do Marajó. Com mais de 30 anos de carreira e um restaurante referência na região, ele se tornou um dos principais divulgadores da gastronomia amazônica, levando seus sabores a feiras, eventos e festivais pelo Brasil. “O Pará não conhece o Pará, o Brasil não conhece o Pará. Eu conto essa história por meio da comida.”
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O turu (ou Teredo navalis, em alguns registros científicos) é uma larva planctônica que, ao encontrar troncos mortos em ambientes aquáticos, geralmente em igarapés, rios ou manguezais, se aloja e inicia sua transformação em um molusco. Vivendo em colônias, ele escava galerias dentro da madeira submersa, chegando a medir até 1,5 metro de comprimento.
“Eles não vivem em árvores vivas. São madeiras mortas que caem no rio. Lá dentro, eles se desenvolvem, seguros, até serem extraídos pelo extrativista”, explica o chef. O processo de retirada ocorre durante a maré seca. Os troncos são abertos, e os turus são cuidadosamente separados.
O turu pode ser ingerido cru, como no ceviche servido por Chef Bola, onde é marinado em limão, cebola roxa, vinagre, sal e ervas. Também pode ser servido como caldo ou em preparações mais elaboradas, como raviolis. “Ele é um molusco. Se cozinhar demais, fica duro. Tem que ser só uma fervura leve”, ensina.
Apesar de seu uso ainda ser limitado à culinária local, o turu é consumido há mais de 100 anos por comunidades amazônicas, tanto como alimento quanto como remédio natural.
O turu é considerado um superalimento. “É muito proteico, tem mais proteína que o leite, mais ferro que o fígado e mais cálcio que o leite, segundo estudos”, diz o chef. Na sabedoria popular, é conhecido como "Viagra marajoara", por seu suposto efeito afrodisíaco, associado à alta carga de nutrientes.
“Quando você toma um caldo de turu, parece que levou uma pancada de energia. Dá até um cansaço, um suadeiro, porque ele é muito forte”, comenta Chef Bola, rindo. “Os curandeiros antigos já recomendavam turu pra quem tava doente, pra recuperar o corpo”.
Sustentabilidade e riscos ambientais
Diferente do que muitos imaginam, a extração do turu, segundo Chef Bola, não representa risco ambiental quando feita de forma responsável. “Eles só vivem em madeira morta. A gente não derruba árvore pra pegar turu. É madeira que já caiu no rio”, afirma. O método de coleta segue um modelo extrativista tradicional, com cuidados para manter o equilíbrio do ecossistema.
Além disso, o sabor do turu varia conforme o ambiente onde vive. “Se a madeira é amarga ou a água é salgada, o gosto muda. Aqui, a gente tem água doce, sem poluição, e o sabor é mais suave. Isso também influencia no preparo”.
Cultura e identidade gastronômica
O trabalho de Chef Bola vai além da culinária. Ele representa uma resistência cultural e uma valorização das raízes amazônicas. “A gente não vende só comida, vende história”, diz. Sua trajetória começou com um carrinho de lanches e hoje ele é referência da gastronomia marajoara, com pratos que encantam turistas e locais.
“Minha missão é mostrar pro mundo que o Pará tem muito mais do que se imagina. A maior biodiversidade de mangue do planeta tá aqui. A maior carga de proteína tá aqui. É uma dádiva poder transformar isso em sabor e levar pras pessoas”.
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