Projeto de energia solar da UFPA leva dignidade a moradores da Ilha das Onças, em Barcarena

Iniciativa com placas solares aumenta o bem-estar de famílias, evita acidentes domésticos e gera economia

Dilson Pimentel

Um projeto de energia solar da Universidade Federal do Pará mudou a vida de cinco famílias que vivem na Ilha das Onças, no município de Barcarena, cerca de 30 minutos de barco de Belém. Com o uso de placas solares, esses moradores agora têm iluminação em suas casas.

A energia melhorou o bem-estar das pessoas, evitando acidentes domésticos, pois tinham de fazer seus afazeres e se deslocar no escuro, e está gerando renda para elas. Antes, eles gastavam, por dia, R$ 10 com gelo para conservar os alimentos. Os outros R$ 10 eram usados para comprar óleo diesel para alimentar o gerador a diesel.

image Placa solar instalada na Ilha das Onças (Filipe Bispo / O Liberal)

Mas, por ser uma operação cara, o equipamento funcionava apenas das 18 às 21 horas. Depois, tinham que usar lamparinas (uma pequena lâmpada que fornece luz com pouca intensidade) e velas. Para não continuar mais no escuro, alguns moradores foram embora para Barcarena. Antes, e após as aulas, as crianças brincavam no rio ou andavam de canoa. Agora, podem assistir televisão – em uma das casas tem até um “cinema” - e jogar videogame. O projeto é implementado pelo Grupo de Estudos e Desenvolvimento de Alternativas Energéticas (Geadae), da UFPA, coordenado pelo professor Wilson Negrão Macêdo.

image Professor Wilson Negrão Macêdo explica como funciona a energia solar (Filipe Bispo / O Liberal)

Esses sistemas de distribuição em corrente contínua vêm ganhando espaço nas discussões acadêmicas por apresentarem grande capacidade de integração às fontes de geração distribuída, especialmente a solar fotovoltaica, além de uma maior facilidade de implementação de ações de controle e melhor desempenho do ponto de vista de eficiência energética.

Na região amazônica, o uso de sistemas fotovoltaicos individuais justifica-se como alternativa viável para a substituição de grupo geradores a diesel ou gasolina, usualmente utilizados para a geração de eletricidade nas comunidades isoladas, explicou.

Projeto conta com a colaboração de duas universidades estrangeiras

Mas esses sistemas podem ser melhor aproveitados em uma estrutura aberta de distribuição de energia em corrente contínua (c.c.). O objetivo desse projeto é desenvolver uma nanorrede de distribuição em corrente contínua aplicada a edificações ribeirinhas da Amazônia, como uma forma mais eficiente e barata da disseminação da aplicação fotovoltaica no suprimento de eletricidade a essas localidades. O projeto envolve a colaboração de duas universidades estrangeiras: Bristol University (Inglaterra), e Concordia University - Canadá.

image Placa de energia solar na Ilha das Onças (Filipe Bispo / O Liberal)

O projeto é feito em parceria com essas famílias, que, dentro de suas possibilidades, ajudam na aquisição dos equipamentos. “E a gente vem aqui e faz a etapa de instalação. E de acompanhamento da operação do sistema”, afirmou. Ainda segundo ele, a corrente contínua tem uma série de vantagens com relação à corrente alternada, principalmente quando se trata de comunidades isoladas. O professor pediu ajuda do seu João, ribeirinho que mora na ilha das Onças, e o projeto começou na casa dele.O projeto começou em 2017, contemplando inicialmente uma família. E, depois, foi ampliado, por meio de uma rede de distribuição em corrente contínua, uma rede de 24 volts. “Essa rede de distribuição funciona como você utilizar uma bateria para alimentar as cargas. Então é uma rede de distribuição, de 24 volts, em corrente contínua, onde você tem vários sistemas de geração, com energia solar fotovoltaica, que alimentam essa rede. E, a partir da rede, você alimenta as cargas”, disse o professor Wilson.

image O projeto começou na casa de João Alves de Araújo (Filipe Bispo / O Liberal)

“E, como era um projeto que não tínhamos recursos para a logística, acabamos escolhendo o seu João, por ele nos ajudar nesse processo de logística, e resolvemos implantar inicialmente aqui. Mas é um projeto que serve de modelo e pode ser replicado para outras comunidades”, explicou.

Sistema reduziu custos e gerou renda para os moradores

Há também a parceria com outras instituições, mas a maior parte do recurso e do trabalho é do Gedae. “Tem empresas regionais, como a Tech Amazon, que nos auxilia, fornecendo, às vezes, um banco de baterias ou uma chave que a gente precisa, para poder adaptar na operação do sistema, e também universidades do Brasil, como a Universidade de São Paulo.

O professor Wilson disse que esse sistema proporciona um ganho de renda para essas comunidades. Os moradores deixam de gastar com combustível e gelo, "abrindo outras portas para a entrada de recursos, com atividades produtivas de pequeno porte. Hoje, eles têm uma geladeira, que opera diretamente em corrente contínua, em que fazem o chopp,, o famoso sacolê no sudeste, e vendem na comunidade”, disse. “O nosso objetivo, aqui, é ampliar para as  famílias adjacentes. A gente tem em mente, mas isso necessitaria de um projeto com um aporte maior de recursos, para replicarmos o que estamos fazendo aqui para outras localidades”, afirmou.

O professor  também falou sobre o custo do projeto. “Não é mais caro que com diesel. Uma subunidade dessa de geração custa em torno de R$ 8 mil, R$ 9 mil. Em algumas dessas residências aqui, os moradores gastam mais de R$ 1.200 de diesel por mês. Em menos de um ano você recupera o retorno do investimento. O caro é que, para eles, é difícil ter R$ 8 mil. Falta uma linha de crédito que possibilitasse o acesso ao recurso a juros relativamente baixo para poder aquisitar esses equipamentos

"Antes, era tudo escuro. Muita gente foi embora daqui", conta morador

O projeto começou na casa de João Alves de Araújo, 55, que mora há mais de 30 anos na ilha das Onças. A casa dele fica em frente ao rio Piramanha. “Estamos em frente à cidade de Belém, mas somos município de Barcarena”, contou. “Antes, era tudo no escuro. A gente tinha uma energia de motor a diesel. Mas o custo era muito alto. Das 18 às 21 horas. Não podia ter uma geladeira, um freezer. Nada disso”, disse. “Todo dia, a gente comprava uma garrafa de dois litros de diesel. Custava dez reais. Só dava para três horas de tempo. O resto era na lamparina. Acende a lamparina e fica até de manhã”, contou. Agora, o acesso à internet também virou facilidade.

image Graças à energia solar, Nicole Araújo (15) consegue compartilhar seus vídeos na internet (Filipe Bispo / O Liberal)

Eles optaram por ter iluminação à noite  por causa do horário da “janta” e, depois da novela. “A turma gosta”, disse. Depois do projeto da UFPA, tudo mudou. “Hoje tem geração de renda. Ela (a esposa dele, Selma Socorro Araújo, 57, vende shopp, sorvete. A geladeira funciona 24 horas”, diz João. “Paramos de comprar gelo. Era dez reais todo dia. Comprava de manhã e, quando chegava a noite, já estava aguado tudo. A comida era no sal”, completa Selma. O açaí tinha que ser consumido logo. “Tomava hoje o que desse e amanhã já tava azedo”, diz João.  “Hoje tem televisão ligado direto. Se quiser, fica 24 horas Tem internet”, contou.

Crianças, agora, não ficam mais no rio; têm cinema em casa

João lembrou que muita gente, inclusive dois irmãos dele, foram embora para Barcarena. “Hoje me sinto como se tivesse na cidade. Temos refrigerador 24 horas, tv direto. A luz fica ligada o dia todo. Antigamente, quando não tinha luz à noite, tinha ataque de morcegos. As pessoas caíam, outros usavam vela, uma casa foi incentivada, inclusive aqui próximo”, contou. A máquina de bater açaí funciona com energia solar. Antes, funcionava à base de diesel.

image Comunidade experimenta vida nova com "cinema" próprio (Filipe Bispo / O Liberal)

Na casa do Raul, filho mais velho do seu João, que é casado e pai de três filhas, as crianças se reúnem para assistir televisão. Eles fecham a janela, o ambiente fico escuro. É um cinema. Em outra residência, há uma academia ao ar livre, coberta para proteger da chuva, e que pode ser usada à noite, já que agora tem iluminação.

Dona Iraneide Alves Barbosa, mãe de João, mora na ilha “uma vida”, com ela diz. Chegou aos 14. Fará 84 anos em 23 de julho. Ela, no momento, está sem televisão. E, enquanto isso, tem um radinho. Antes, andava pela casa no escuro e também cozinhava sob a luz fraca da lamparina.

image Dona Iraneide Alves Barbosa (83) não precisa mais de pilhas para ouvir seu radinho (Filipe Bispo / O Liberal)

“A lamparina ‘apreta’ tudo”, disse, falando da cor da fumaça que sai da lamparina. “Agora melhorou, graças a Deus. O radinho tá ótimo. Agora não tem problema. Não precisa mais de pilhas. João disse que, logo, logo, a mãe terá novamente uma televisão.

Prefeitura de Barcarena realiza ações na Ilha das Onças

A prefeitura de Barcarena informou que planeja e executa ações para melhorar a qualidade de vida dos moradores da Ilha das Onças, por meio dos serviços da educação, saúde, assistência social e dos projetos de inclusão realizados pelas diferentes secretarias. O turismo passou a ser destaque da gestão municipal este ano, uma vez que o prefeito Renato Ogawa determinou o desmembramento do setor da Secretaria de Industrial e Comércio e juntou com a pasta da Cultura. Com a nova Secretaria da Cultura e Turismo, a prefeitura pretende impulsionar o segmento para atrair turistas à região insular do município e gerar trabalho e renda aos moradores, não apenas da ilha das Onças, mas de outras ilhas existentes no território.

A secretaria de Assistência Social, por exemplo, já cadastrou 876 famílias no CadÚnico para ajudá-las a acessar os programas de transferência de renda do governo federal, como o Bolsa Família. Na Saúde, a prefeitura construiu e colocou para funcionar no Furo do Nazário uma nova UBS, um prédio moderno, refrigerado, com o mesmo padrão das UBS's da cidade, substituindo um antigo posto de saúde de madeira. No mesmo furo da ilha, a prefeitura construiu uma grande escola, com o mesmo padrão de qualidade das demais escolas do município, com dez salas de aula para atender os alunos do ensino fundamental. A Secretaria de Educação de Barcarena anunciou que substituirá todas as escolas de madeira por prédios novos e modernos até o final do mandato do prefeito Renato Ogawa.

Já a Secretaria Municipal de Agricultura (Semgri) realiza o Projeto Agricultura das Ilhas, que iniciou com a entrega de 649 Contratos de Concessão de Uso, em parceria com o Incra, para promover a regularização fundiária aos ribeirinhos assentados no Projeto de Assentamento Extrativista da Ilha das Onças. O objetivo desse projeto é promover segurança alimentar e renda para 2.600 famílias ribeirinhas e o direito de uso da terra onde vivem. Com o desenvolvimento desses projetos, serão estabelecidas rotas turísticas para apresentação e reconhecimento dessas práticas e para o desenvolvimento de turismo sustentável na região das ilhas, incluindo a ilha das Onças.

Como surgiu o nome "Ilha das Onças"?

Há muitas controvérsias sobre a denominação da ilha fronteira a cidade de Belém, segundo a prefeitura de Barcarena. Há quem diga que esse nome está relacionado à Cabanagem, a existência de um indivíduo que ficou famoso chamado Domingos Onça, destacado revolucionário que alvejou o presente da província, Lobo de Souza, durante a invasão cabana de 1835. Este seria membro de uma suposta família Onça.

Poderia ser uma boa história para aquela ilha, mas não passa de um mito que cai ao observarmos o mapa do bispado do Pará mandado fazer pelo Frei Miguel de Bulhões de 1759, e já consta o nome de Ilha das Onças. Ficaremos, portanto, no plano das especulações.

Talvez houvesse felinos no passado, daí associar esse o seu nome a Onças. É muito provável, pois o grande arquipélago deste entorno possui outras ilhas com denominação de animais, como a Ilha das Mucuras, Ilha dos Patos, Ilha dos Papagaios. O que se pode dizer é que não foi a Cabanagem que deu nome a essa ilha, e que essa nomenclatura vem de tempos anteriores ao século XVIII.

Como faz para viajar para a ilha das Onças?

Tem transporte de Belém ao Furo do Nazário, na ilha das Onças, saindo de dois terminais fluviais do Ver-o-Peso, mas como frete. Bem como de Barcarena-Sede à ilha, também via frete. Ainda não há linha regular de transporte. No furo do Nazário há restaurantes na beira do rio com boa oferta de serviços.

Uma das alternativas é pegar o barco em um porto que tem na rua Siqueira Mendes. A passagem (ida e volta) custa R$ 20. O deslocamento até a ilha, em si, já é um ótimo passeio, pois a pessoa pode contemplar as belezas naturais durante o trajeto.

 

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