Pirarucu é um dos pratos mais tradicionais da culinária local

Mesmo no período de defeso da espécie, vendedores do Ver-o-Peso não deixam faltar o produto garantido pelo estoque

Cleide Magalhães
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O pirarucu (Arapaima gigas) é um dos maiores peixes de água doce do planeta e uma das espécies mais representativas da Amazônia, porém, está em extinção no Brasil. A pesca é proibida durante o ano todo, conforme as Instruções Normativas (IN) nº. 34/2004 e 1/2005 do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). 

Ainda segundo a IN 34/2004 o intervalo entre 15 de novembro e 15 de março marca o período de defeso na Bacia Hidrográfica do Rio Amazonas (rio principal, seus formadores, afluentes, lagos, lagoas marginais, reservatórios e demais coleções de água) quando a pesca de alguns peixes fica proibida para possibilitar a reprodução e manutenção das espécies. 

 A Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas) destaca que nos estados do Pará, Amazonas, Pará, Acre e Amapá a pesca do pirarucu é proibida para garantir a proteção por seis meses para reprodução, entre 1º de dezembro a 31 de maio, conforme prevê a IN 34/20047. 

Já em Rondônia, de 1º de novembro a 30 de abril, e Roraima, de 1º março a 31 de agosto. A IN traz ainda que a pesca só pode ser praticada nos locais que funcionam o manejo do pirarucu, no qual determina a quantidade de peixe, com base na contagem dos indivíduos adultos em cada ambiente. 

Mesmo assim, no último domingo (3), a Polícia Federal (PF) prendeu três pessoas no Porto de Manaus, capital do estado do Amazonas, por transportarem três toneladas ilegais de pirarucu. O produto de pesca ilegal foi identificado após fiscalização da PF e da Receita Federal a embarcações no Porto de Manaus.

A Semas explica ainda que aos infratores devem ser aplicadas as penalidades previstas na Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, que prevê multas e até prisão em alguns casos. No entanto, “não constam nos registros recentes da Secretaria, denúncias relacionadas à pesca predatória do pirarucu”.

As denúncias podem ser feitas pelo telefone da Ouvidoria da Semas: 91 -  3184 3346.

Fiscalização

Em nota, o Ibama esclarece que a fiscalização e proteção da atividade de pesca é de competência regional dos estados e, no âmbito da União, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa).

“O Ibama atua, subsidiariamente, na proteção à pesca e ações de fiscalização integradas, envolvendo instituições federais e estaduais. O Ibama também vem desenvolvendo a sistematização e informatização das medidas autorizativas, como emissão de autorizações de captura e emissões de guias de trânsito e comercialização, para produtos de origem manejada, tudo pelo Sistema Eletrônico de Informações”, afirma o órgão.

O Instituto enfatiza ainda que o manejo sustentável dos recursos pesqueiros é uma importante estratégia de conservação das espécies e da biodiversidade.

Complementarmente, o Ibama reitera que a pesca do pirarucu é proibida nos estados do Amazonas, Pará, Acre e Amapá no período de 1º de dezembro a 31 de maio. “No estado do Amazonas, a pesca convencional de pirarucu é proibida o ano todo, sendo permitida, somente, a pesca, através do regime de manejo sustentável e da piscicultura”.

Legislações

Em relação aos normativos, o Ibama esclarece que a proibição da pesca do pirarucu está prevista em Lei 11.959/2009, que é a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável da Pesca e Aquicultura e a Portaria/Ibama nº 251/89, a qual estabelece o tamanho mínimo de captura.

Além das Portarias Ibama nº 745/89 e 34/2004, que estabelecem normas para o Defeso Reprodutivo; Portaria Ibama nº 08/96, a qual estabelece o ordenamento da bacia do Rio Amazonas; Portaria nº 08/96/Ibama-AM, que estabelece o regime de manejo sustentável.

“Quanto ao que dizem as normas, os órgãos de controle ambiental, devem aplicar as penalidades contidas na Lei nº 6.938/81; Lei 9.605/98 e Decretos 3.179/99 e 6.514/2008”, destaca o Instituto.

Pirarucu é um dos pratos mais tradicionais da culinária paraense

Além de ser nativo da região Amazônica, o pirarucu é um dos pratos mais tradicionais da culinária local. Em Belém, capital paraense, um dos principais pontos de comercialização de diversas espécies de pescados, inclusive do pirarucu, é na feira do Ver-o-Peso, maior complexo de feira livre da América Latina.

No Ver-o-Peso sempre é possível encontrar pirarucu para a compra tanto in natura, no Mercado de Peixe, como também salgado, na Sessão de Peixe Salgado, que fica do lado de fora do mercado, próximo ao prédio do Solar da Beira.

Existem cerca de 15 peixeiros que fazem a comercialização do pirarucu no Mercado de Peixe, mas alguns deles preferiram não falar no assunto com a reportagem.  

 Pirarucu in natura 

Franco Brito, 32 anos, é peixeiro no lugar há duas décadas e conta que trabalha com a comercialização do pirarucu, in natura (fresco), somente no período em que não ocorre o defeso e sempre exige nota do vendedor. 

“Quando está no tempo do defeso, o pirarucu não vem pra Pedra do Ver-o-Peso nem do Amazonas (AM) nem de Santarém (PA). Nessa época, só tem o produto quem guarda ou congela. Mesmo quando está fora do defeso, ele chega só uma vez por semana. Fora o tempo do defeso, chega pirarucu de cativeiro, mas, primeiro, consulto meus clientes para ver se querem assim, porque eles dizem que muda o gosto. Mas sempre compro com nota fiscal”, conta Brito.

Cerca de 80% da venda do peixe fresco é destinada para os donos de restaurantes, que já são clientes certos do peixeiro. O restante Brito vende na banca para o público em geral. Na banca dele o quilo do filé do pirarucu custa R$ 30,00. Mas há espécies mais caras como o filhote, que varia de R$ 52,00 a R$ 55,00, e a dourada, de R$ 43,00 a R$ 45,00.   

Ainda segundo Brito, desde o início da pandemia da covid-19, em março de 2020, a venda de peixes em geral está fraca inclusive do pirarucu. “Caiu cerca de 50%. O quilo do filé de pirarucu fresco é R$ 30,00 e ganho de R$ 2,00 a R$ 3,00 em cada quilo. E ele é um peixe caro, melindroso, precisa de muitos cuidados à conservação e não pode misturar com outros peixes, porque pode absorver outros cheiros”, conta o peixeiro, que na metade da manhã desta quarta-feira (6) entregou de 40 quilos de filé de pirarucu aos donos de restaurantes de Belém.

Há muitos anos, pelo menos uma vez no mês, a técnica de enfermagem Ana Alves, 54 anos, compra produtos no Mercado de Peixe. Ela comprou dois quilos de pescada, mas afirma que também gosta de pirarucu. 

“Gosto muito porque o pirarucu tem um sabor bem diferente e é regional. Quando faço é cozido ou frito, com arroz e feijão. Porém, compro uma vez ao ano, porque está até em extinção. Mas quando compro aqui fico tranquila, porque compro sempre com os mesmos peixeiros e acho que tem fiscalização”, diz Ana.  

 Pirarucu salgado

Uma das dez bancas na Sessão de Peixe Salgado é a do Raimundo Diniz, que tem 45 anos e trabalha há 25 anos com a venda. Além de pirarucu, tem gó, pescada amarela, aviú e piracuí. Lá, ele vende de 100 a 200 quilos de pirarucu por semana. Em época festiva chega a 500 quilos semanais. O valor do quilo varia de R$ 10,00, que são ossadas e espinhas, até R$ 50,00, que é o filé sem pele do Amazonas. Tem ainda pirarucu com pele, enrolado, especial, da Amazônia e outros tipos. 

Raimundo Diniz explica que hoje o preço está mais caro devido ao defeso e só tem o produto para a venda quem fez estoque. “A pessoa que nos fornece, na Pedra do Peixe, faz estoque e a gente renova a compra toda semana. Vem do Amazonas (AM) e do Pará como Igarapé-Miri, Igarapé Açu e Marajó”. 

Ainda segundo ele, antes o lucro com as vendas do pirarucu chegava a 50%. Porém, com a pandemia e a falta de segurança no lugar houve queda nas vendas e o lucro fica de 25% a 30%. “É um produto que precisa de refrigeração para manter até a coloração nova dele”, explica Diniz, que evita deixar faltar pirarucu na banca. 

Toda semana José Ricardo Nascimento, 58 anos, que é servidor público aposentado e mora no bairro da Cremação, compra um quilo de pirarucu para o tradicional almoço de quinta-feira junto à família. 

“Compro sempre da mesma pessoa. Esse pirarucu vai virar frito com açaí e também cozido com batatas. Fazemos também feijão, arroz e vinagrete. Toda família adora, nos reunimos toda quinta e compro logo toda na quarta. Mesmo que tenha o tempo do defeso, eu compro porque ele compra de alguém que faz estoque. Isso é bom também para a espécie do peixe”, destaca Nascimento, que comprou um quilo do pirarucu especial por R$ 32,00.  

 No Ver-o-Peso, do pirarucu, tudo se aproveita

No Ver-o-Peso, do pirarucu, tudo se aproveita. Os ossos e espinhas, com preços bem mais baixos, são vendidos aos clientes para serem cozidos. Já as escamas são comercializadas junto às erveiras, as quais elaboram remédios naturais para ajudar no combate à asma. Os artesãos também são beneficiados com as escamas do pirarucu na produção de artesanatos.   

A Polícia Federal foi contatada para falar sobre as atuações que envolvem o período de defeso do pirarucu no Pará e em Belém, mas não se manifestou.

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