Mortes por dengue triplicam no Pará em 2025; prevenção no inverno amazônico é essencial

Letalidade saltou de 11 para 30 óbitos no Estado. Circulação do sorotipo 2 e falhas no saneamento preocupam para 2026.

Gabriel da Mota
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O Pará encerra 2025 com um quadro sanitário grave: de 1º de janeiro a 30 de novembro, o Estado registrou 30 mortes por dengue, quase o triplo dos 11 óbitos contabilizados no mesmo período de 2024, segundo a Secretaria de Estado de Saúde Pública (Sespa). O dado torna-se ainda mais inquietante quando cruzado com a queda de infecções — de 17.858 para 14.198 —, revelando um paradoxo: adoecemos menos, mas morremos muito mais. Sob essa estatística, a volta das chuvas de inverno amazônico colabora para o cenário perfeito (e preocupante) para o ciclo de vida do Aedes aegypti.

A explicação para essa letalidade ampliada não está apenas na biologia, mas também no comportamento. A Sespa aponta a predominância do sorotipo DEN-2 no Estado, uma variante historicamente associada a quadros clínicos mais severos e complicações sistêmicas rápidas. No entanto, o fator humano tem sido determinante para o desfecho trágico: a procura tardia por socorro. Confiando na automedicação ou subestimando a febre e as dores no corpo, muitos pacientes chegam às unidades de saúde quando o quadro já é de difícil reversão.

Em Belém, a capital que concentra a maior densidade populacional e os desafios urbanos mais complexos, o cenário acompanha a tendência estadual de recuo nas notificações, mas mantém a vigilância sobre a mortalidade. Segundo a Secretaria Municipal de Saúde (Sesma), a cidade saiu de um patamar de 3.246 casos e quatro mortes em 2024, para 862 diagnósticos e dois óbitos até o dia 15 de dezembro deste ano. Os números mostram que, embora o vírus tenha circulado em menor escala, ele foi implacável ao encontrar hospedeiros vulneráveis.

RAIO-X DA DENGUE

DADOS DO PARÁ (janeiro a novembro)

2024: 17.858 casos | 11 óbitos

2025: 14.198 casos | 30 óbitos

Fonte: Sespa

DADOS DE BELÉM

2024: 3.246 casos | 4 óbitos (ano todo)

2025: 862 casos | 2 óbitos (até 15 de dezembro)

Fonte: Sesma

Projeção

O que ocorre no microcosmo paraense é o reflexo de uma tensão sanitária que atravessa o país e projeta sombras longas para o futuro próximo. O Brasil deve permanecer em um patamar elevado da doença no ciclo de 2026. Uma projeção matemática elaborada por especialistas e entregue ao Ministério da Saúde estima que são esperados 1,8 milhão de casos na temporada que se inicia agora e segue até outubro do ano que vem.

Embora a previsão aponte para um cenário melhor que o "tsunami" viral de 2024 — quando o país rompeu a barreira recorde de 6,5 milhões de infectados —, se os cálculos se confirmarem, teremos o segundo ano com mais diagnósticos de toda a série histórica, iniciada em 2000. É um aviso claro de que a dengue deixou de ser uma crise sazonal para se tornar um desafio crônico e estrutural.

Ambiente

Para compreender a dinâmica do vírus em nossa região, é preciso olhar para além do boletim médico e encarar a geografia da cidade. O médico virologista Caio Botelho, ouvido pela reportagem, sinaliza para a conexão entre a biologia do vetor e a realidade social da Amazônia. Segundo ele, nossa região possui uma "propensão natural" devido ao alto índice pluviométrico, mas a infraestrutura urbana precária atua como um catalisador da doença.

"Na estrutura biológica das plantas da Amazônia, sempre temos água sedimentada. Além disso, também somos uma cidade com baixo teor de saneamento básico. Temos muita água parada, independentemente de estar suja ou limpa, e isso é, sim, um berçário para o vetor", analisa Botelho.

O especialista toca em um ponto crucial que derruba um antigo mito: a ideia de que o Aedes aegypti seria um "mosquito de luxo", reprodutor exclusivo de águas límpidas. A adaptação do mosquito é uma realidade que pune as periferias. "A replicação não ocorre apenas em água limpa. Mesmo a água sedimentada na calha, que foge ao nosso campo de visão, ou a água suja dos canais a céu aberto e do esgoto não tratado, funcionam como fontes de replicação. Temos verdadeiros berçários espalhados pela cidade", alerta.

image Caio Botelho, médico virologista (Cristino Martins / Arquivo O Liberal)

Diagnóstico

Diante de um quadro viral complexo, o virologista chama a atenção para um risco adicional: a confusão diagnóstica. Como os sintomas iniciais da dengue se assemelham aos de outras arbovirosas circulantes na região, como Zika e Chikungunya, a avaliação apenas pelos sintomas pode ser imprecisa e perigosa. "O diagnóstico é feito somente com testes laboratoriais, não com a clínica. É importante ter essa observância, pois circula toda uma população de outros vírus", explica Botelho. Essa distinção laboratorial é crucial, pois o manejo clínico errado ou tardio frente ao sorotipo DEN-2 pode acelerar o agravamento do paciente.

Quanto à imunização, a vacina Qdenga, ofertada pelo Sistema Único de Saúde (SUS), aparece como ferramenta estratégica, mas de aplicação específica. O especialista reforça que o imunizante disponível é voltado para o público de 12 a 59 anos em regiões endêmicas e deve ser utilizado de forma racional. "A vacina tem tido boa resposta em casos hemorrágicos. Mas o objetivo principal precisa ser o controle do vetor, pois assim combatemos todo o grupo de arboviroses, e não apenas a dengue", conclui.

CUIDADOS ESSENCIAIS

Água suja: O mosquito se adaptou. Canais e poças de lama também são focos.

Diagnóstico: Não confie apenas nos sintomas. A dengue se confunde com Zika e Chikungunya. Faça o teste.

Vacina: Gratuita no SUS, é essencial para evitar formas graves, mas deve ser usada pelo público-alvo (12-59 anos).

Calhas: Verifique locais altos onde a água acumula sem ser vista.

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