Mesmo com 5G, região Norte tem 25% da população com dificuldades de acesso à internet

A parcela mais atingida pelo abismo digital observado atualmente é menos escolarizada das classes C, D e E; dificuldades acentuam diferenças socioeconômicas

Camila Azevedo

Enquanto o país comemora o recente lançamento da tecnologia 5G, que oferece dez vezes mais sinal que o 4G, as regiões Norte e Nordeste possuem 4,8 milhões de brasileiros considerados subconectados, ou seja, pessoas sem acesso de qualidade a uma rede de internet. O estudo realizado pela PwC Brasil, em parceria com o Instituto Locomotiva, mostra que essa parte da população corresponde a 25% do total nacional de 81% que encontram dificuldades em manter a conectividade. A longo prazo, os resultados dessa situação são preocupantes e atingem o futuro, uma vez que coloca o Brasil em uma delicada posição de atraso em relação a outras nações. As medidas para mudar a atualidade passam por iniciativas nacionais de qualificação digital e ações conjuntas entre governos, empresas e instituições de educação.

O cenário identificado na pesquisa escancara uma realidade de desigualdade em relação as outras áreas do país com mais recursos e investimentos, afetando majoritariamente negros e a população menos escolarizada das classes C, D e E que usam aparelho celular pré-pago. Os dados delimitam, ainda, que o período médio de acesso a internet fica em torno de 19 dias por mês, enquanto Sul e Sudeste possuem, ambos, 29 dias. 

As disparidades também são vistas quando escolas públicas e privadas são comparadas: 78% e 98% dos alunos, respectivamente, estão conectados, o que evidencia o déficit de ensino, inclusive durante a pandemia da covid-19, quando a modalidade precisou ser adaptada. 

Outra posição delicada é observada no ranking de alfabetização digital divulgado pela revista britânica The Economist: o Brasil ocupa a 80ª posição, entre 120, ficando atrás de vizinhos latino-americanos como Chile, em 14ª lugar, e Argentina, em 33º. Dessa forma, o abismo expressa o uso limitado de recursos tecnológicos para conseguir alcançar as oportunidades oferecidas no ambiente online. As razões para a desigualdade de acesso a redes de internet pode ser justificada por deficiências da infraestrutura da conexão, tendo ligação direta com a renda financeira, limitações para obter dispositivos - os hardwares- que propiciem a conectividade, como celulares, notebooks e televisões, e a qualidade do sistema educacional. 

O mundo virtual é capaz de transformar vidas, garantir educação - alicerce da cidadania digital - e inserção no mercado de trabalho. Os problemas a longo prazo desenvolvidos pelas distâncias estabelecidas entre os diferentes nichos são enormes e esbarram em diversos quesitos sociais que já são entendidos. A busca por conhecimento de forma autônoma fica mais complicada quando as pessoas não têm habilidades digitais e apresentam incapacidade de interpretar textos, gerando vítimas mais fáceis da desinformação e com menos chances de concorrer a empregos de alta qualificação, já havendo indícios dessas ocorrências.

Desde 2018, o Norte do país conta com um apoio que tem como missão diminuir os indicativos sociais que afastam jovens e crianças em posições vulneráveis de uma conexão igualitária. O Manas Digitais, originalmente criado como um projeto de extensão da Universidade Federal do Pará (UFPA), atua como uma Organização Não Governamental (ONG) na inclusão digital do ensino público por meio de materiais didáticos que envolvem, também, estratégias de comunicação desplugadas, ou seja, voltada para as instituições sem estruturas, e que visam tirar os estudantes do analfabetismo digital.

image Melissa Cordeiro e Danielle Costa, do projeto Manas Digitais, destacam os muitos desafios da inclusão digital e consequências das dificuldades de acesso (Sidney Oliveira / O Liberal)

Manas Digitais: projeto paraense busca a inclusão digital

A doutora em bioinformática e fundadora do Manas, Danielle Costa, fala que o sentimento é de necessidade de frentes que alcancem o ensino público com mais efetividade, tendo em vista que as ações devem não apenas prover o material. “O que a gente vê é um grande aparthaid digital. As escolas privadas têm condição, investimento. Mas a escola pública recebe isso de forma que não é bem planejada. Às vezes, tem o computador e não tem a pessoa capacitada. Vemos muita carência. São crianças que muitas vezes não têm acesso a computador na sua casa, só um celular que é dividido com a família toda”, explica. 

Junto com a dificuldade de ter os aparelhos, vem o fato de muitos não saberem os usar de forma a tirar o máximo proveito, porque, de acordo com Danielle, “a criança tem que aprender o que pesquisar, como pesquisar, criticar as informações, saber como usar essa computação para o dia a dia dela, para a família” e isso só vem por meio de capacitação bem organizada.  

Melissa Cordeiro, estudante de 22 anos, teve a vida amplamente transformada depois de sentir os impactos das mudanças que o trabalho de inclusão digital da ONG causou. Vinda de uma comunidade no bairro de Icoaraci, o único computador disponível na casa dela era dividido com todos os membros da família e não havia um acesso contínuo à internet. A inserção digital provocou melhora financeira e a realização de sonhos. “Eu gosto de lembrar disso porque a Melissa de 12 anos nunca imaginou que trabalharia na frente de um computador, com tecnologia, desenvolvendo e rompendo barreiras machistas. Depois das Manas, vim ter mais oportunidades, descobrir que era uma analfabeta, não sabia de nada”, conta.

Além de tudo, o empoderamento adquirido por Melissa, descrito como sendo macro, superando limites sociais históricos, é motivo de orgulho, abrindo espaço para que mais vidas sejam tocadas e digitalmente inseridas na sociedade. “A gente cresce ouvindo que tem que aprender a lavar e cozinhar. Hoje eu tenho que ser uma excelente Ux Design porque é a minha função. Eu vou construir minha vida a partir das oportunidades”, finaliza. 

Precariedades do sistema educacional público do país em números:

→ + 8 milhões dos alunos matriculados estão em escolas sem acesso a tecnologia para o ensino virtual;
→ Para outros 124 mil estudantes, as escolas não têm energia elétrica;
→ 1 em cada 4 escolas de ensino médio não tem internet;
→ 6 milhões de estudantes (da pré-escola à pós-graduação) não conseguem fazer aulas remotas por falta de acesso à internet em casa, a maioria está no ensino fundamental.

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