Maus-tratos contra pessoas idosas sobem mais de 8% em dois anos no Pará
A delegada Vanessa Souza alerta que a maioria das vítimas é dependente de cuidados e agressores costumam ser familiares próximos. Só no primeiro semestre de 2025, o Pará já soma mais de 13 mil casos

Casos de maus-tratos contra idosos continuam a crescer no Pará e revelam uma realidade marcada por negligência, abandono e violência, muitas vezes, silenciosa. Segundo dados da Secretaria de Estado de Segurança Pública e Defesa Social (Segup), entre janeiro e dezembro de 2024, foram registradas 26.817 ocorrências desse tipo no estado, um aumento de 6,3% em relação ao ano anterior: 25.220 casos.
A tendência de alta também aparece nos dados parciais de 2025. No primeiro semestre deste ano, o Pará já contabiliza 13.433 casos, um crescimento de 1,4% em comparação ao mesmo período de 2024 (13.243 casos) e de 8,3% em relação a 2023 (12.402 casos).
Segundo a delegada Vanessa Souza, titular da Delegacia de Proteção à Pessoa Idosa (Dpid), os chamados “maus-tratos” envolvem muito mais do que agressões físicas. “O Estatuto da Pessoa Idosa define como crime expor a pessoa idosa a perigo. Isso inclui negligenciar cuidados básicos, como alimentação, higiene, medicamentos e assistência médica”, explica. Ela destaca que muitas vítimas não têm mais autonomia e dependem totalmente de terceiros. A omissão nesses cuidados já caracteriza crime, ainda que não haja violência física envolvida.
Ainda segundo a delegada, a maioria das vítimas é formada por idosos adoentados, isolados ou com rede de apoio familiar reduzida. “O idoso que tem um único cuidador ou vive em um ambiente familiar desestruturado está mais vulnerável. Os agressores, em grande parte, são filhos, cônjuges ou outros parentes próximos. E, muitas vezes, além dos maus-tratos, há também crimes como apropriação indébita e desvio de proventos”, alerta.
Um dos cenários mais comuns, segundo Vanessa Souza, é o uso indevido de cartões e aposentadorias por familiares que se aproveitam da condição de vulnerabilidade do idoso. “A pessoa idosa continua bancando a casa ou pagando dívidas da família, mesmo quando precisa daquele dinheiro para medicação ou alimentação. Isso é crime e pode ser investigado mesmo sem a autorização da vítima".
A pena para o crime de maus-tratos, na forma simples, é considerada branda, de dois meses a um ano de detenção. Por ser um crime de menor potencial ofensivo, a lei dificulta medidas protetivas imediatas. “Não conseguimos, por exemplo, efetuar prisão em flagrante nesses casos, a menos que se configure violência doméstica. Quando há lesão corporal grave ou morte, aí sim a pena aumenta, podendo chegar a até 12 anos de prisão”, explica.
Combate
A delegada também destaca o papel fundamental das denúncias anônimas para a atuação da polícia. “A maioria das vítimas está debilitada, sem condições de sair de casa para registrar uma ocorrência. Por isso, os vizinhos e a comunidade têm um papel essencial. Nossa delegacia é uma das que mais recebe denúncias via Disque 100 e Disque-Denúncia 181”, afirma.
Além do trabalho investigativo, a delegacia desenvolve ações educativas para ampliar a conscientização sobre os direitos das pessoas idosas. “Muita gente ainda não reconhece situações de negligência como crime. Promovemos palestras, campanhas e, em junho, realizamos um simpósio estadual para discutir a violência contra a pessoa idosa. Atuamos também com CRAS, CREAS, entidades religiosas e grupos organizados de idosos”, conta Vanessa Souza.
Quando não há familiares aptos a cuidar da vítima ou quando o agressor é o único cuidador, a delegacia aciona a rede de acolhimento institucional. No entanto, o número de abrigos ainda é insuficiente. “Infelizmente, o acolhimento é deficitário no Pará. Muitas vezes, precisamos acionar a Justiça para garantir uma vaga. Há iniciativas em andamento para criar abrigos municipais, como em Belém, mas ainda é um desafio”, pontua.
A delegada reforça que qualquer pessoa pode denunciar situações de violência contra idosos, mesmo sem vínculo familiar. “É um crime de ação pública incondicionada. A polícia pode agir independentemente da vontade da vítima. O mais importante é garantir a proteção da pessoa idosa”, conclui.
Como denunciar:
As denúncias podem ser feitas, inclusive de forma anônima, pelos canais:
Disque 100 (nacional)
Disque 181 (estadual – Pará)
Delegacia de Proteção à Pessoa Idosa (Belém, Ananindeua e Marituba)
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