Doença da urina preta: o que se sabe sobre o avanço dos casos no Pará e no Brasil

Rara e pouco estudada, a síndrome ainda não tem causa definida e segue em investigação

O Liberal

Em meio à pandemia de covid-19, outra enfermidade com dezenas de casos assusta o Brasil: a Síndrome de Haff, vulgarmente chamada de "doença da urina preta". O nome da doença é em referência ao local dos primeiros relatos. Em 1924, na região litorânea de Königsberg Haff, médicos identificaram um surto súbito de grave rigidez muscular, acompanhada de urina escura. Atualmente, esse local integra a cidade de Kaliningrado, que pertence à Rússia e faz fronteira com Lituânia e Polônia. No Pará, sete casos suspeitos estão em análise.

Desde então, novos casos foram registrados em outros países, como a antiga União Soviética, a Suécia, os Estados Unidos e a China. No Brasil, os primeiros casos foram identificados em  2008, em Manaus. Todos os relatos foram associados com o consumo dos peixes das espécies que são suspeitas de transmitir a doença atualmente: Pacu-manteiga, Tambaqui e Pirapitinga. As notificações seguiram nos anos 2009 e 2016, mas em 2017, foi o maior sinal de alerta. Na Bahia, 71 pacientes com reações bem parecidas precisaram de atendimento médico, 66 deles na capital Salvador.

Em 2021, a síndrome de Haff voltou a preocupar. Agora, a maior gravidade é por conta da quantidade de estados com relatos. Além do Pará (onde uma pessoa morreu, em Santarém), são 54 casos investigados no Amazonas; Na Bahia, são 21 pessoas notificadas; e no Ceará, 9 suspeitas.

Nas redes sociais, em vídeos, foram feitas associações de que vermes nos peixes poderiam ser a causa. Mas não exatamente isso. No vídeo abaixo, a professora Raquel Casaes, da Ufra, explica mais sobre os vermes vistos em peixes.

O que é rabdomiólise?

A doença de Haff é uma enfermidade rara e que foi inicialmente descrita há menos de um século. Acredita-se que uma toxina induza à rabdomiólise e cause o adoecimento. A rabdomiólise é a destruição das fibras musculares, isto é, afetam as células que compõem o tecido muscular. Conforme o quadro da doença for avançando, diferentes substâncias são liberadas na corrente sanguínea, afetando rins e sistema urinário, além de outros sintomas.

Por isso que a característica principal da síndrome é a urina com escurecida. As causas da rabdomiólise são inúmeras. Neste caso, é por conta de uma toxina, ainda não identificada, presente nos peixes e crustáceos. Além disso, a toxina não tem sabor ou cheiros específicos e nem é destruída pelo processo de cozimento.

image Filha de internado com suspeita da doença da 'urina preta' diz que pai teve sintomas após comer pacu
Valdir consumiu o peixe sozinho e cerca de uma hora depois sentiu dor muscular intensa, dores no peito, nuca, febre, câimbra nas pernas e dor de estômago

Os sintomas podem ser sentidos rapidamente após o consumo: entre duas e 24 horas. Em Santarém, o pedreiro Valdir Rufino relatou que sentiu náuseas e dor de cabeça nos primeiros minutos depois da ingestão do peixe da espécie Pacu. "É uma dor diferente, muitos sintomas ao mesmo tempo: dor lombar, pescoço, estômago, cabeça, câimbras insuportáveis.  As dores eram tantas, que não conseguia vergar minhas pernas dentro do carro, elas foram para fora", relatou. 

Por não ter uma identificação concreta, a doença só consegue ser rastreada por conta dos sintomas mais comuns. A origem é desconhecida e o Ministério da Saúde a enquadra como evento de saúde pública (ESP); uma situação que pode constituir potencial ameaça à saúde, como a ocorrência de surto ou epidemia.

image Alguns dos sintomas conhecidos até agora (Alynne Cid / O Liberal)

O que se sabe sobre a doença

Por enquanto, o diagnóstico baseia-se na suspeita. É recomendado que em qualquer sinal de sintomas relacionados à doença, é importante comunicar aos órgãos responsáveis para que as notificações sejam rastreadas. As dificuldades para encontrar um causador da doença esbarram também na variedade de relatos. Espécies como lagostins e crustáceos de água doce estão entre os prováveis portadores da toxina. Nos Estados Unidos, o peixe-búfalo e o peixe lúcio estão listados; nos mares europeus, as enguias. No Brasil, os peixes de água salgada — como a arabaiana/olho-de-boi, badejo  salmão — e os de água doce — pacu-manteiga, pirapitinga e tambaqui. O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), em nota, informou que os estudos estão em andamento.

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“Pesquisas sobre os possíveis agentes causadores estão sendo realizadas pelo Laboratórios Federais de Defesa Agropecuária (LFDA) e o Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC), a partir das amostras coletadas dos alimentos consumidos, bem como de material biológico dos próprios pacientes acometidos. Por ter sido registrada em diversos biomas (rios, lagos, mares, etc) e espécies, não é possível, até o momento, determinar, com base nos casos analisados, os ambientes e animais envolvidos”, informa.

Em entrevista para a Universidade Federal Rural da Amazônia (Ufra), a pesquisadora Rosália Souza, coordenadora do curso de Engenharia de Pesca, aponta várias suposições que precisam ser pesquisadas para que se descubra o que está causando o problema.

“Pode ser contaminação do rio, por exemplo, por dejetos humanos, dejetos da indústria, que propicia a proliferação da algas que serve de alimentação para os peixes. Os casos registrados no estado têm se concentrado na região do baixo Amazonas, que encontra-se no período de estiagem, quando há redução do volume na renovação da água nos ambientes naturais permitindo a proliferação de algas. Porém, são apenas suposições, haja visto que há casos de contaminação de peixes marinhos. A contaminação pode ser também no manuseio do pescado, que é mal acondicionado sem as condições adequadas de conservação, que também precisa ser investigado. Há várias suposições que necessitam de pesquisa e análise para que se descubra o que está ocasionando essa contaminação”, diz a professora.

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Municípios em alerta

Até esta sexta-feira (17), diversas cidades do Pará emitiram orientações para não consumir peixes e crustáceos. A prefeitura de Igarapé-Miri, por exemplo, recomenda para a população que evitem pescados das espécies tambaqui, pirapitinga, pacu, arabaiana, camarão, caranguejo, lagosta e outros. As medidas de controle da doença já iniciaram e seguirão por tempo indeterminado.

A Agência de Defesa Agropecuária do Estado do Pará (Adepará) montou equipes especializadas para atuar em conjunto com as vigilâncias sanitárias municipais, polícia militar e outras instituições. Nesta semana, a ação iniciou em Santarém, oeste do estado. O objetivo é combater a entrada de pescados suspeitos de transmitirem a doença, vindos do Amazonas.

A pesquisadora Rosália Souza acrescenta que apesar da seriedade dos sintomas, não há razão para pânico. "É recomendado para a população consumir peixe de locais em boas condições se higiene e o pescado que esteja bem acondicionado em gelo", adverte. Em caso de suspeita de infecção, a Sespa informa que é necessário buscar atendimento imediatamente na rede pública de saúde do município.

(Karoline Caldeira, estagiária sob a supervisão de Victor Furtado, coordenador do Núcleo de Atualidades)

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