Casas penais do Pará têm 392 idosos encarcerados

O acolhimento digno dessas pessoas é um desafio para a administração penitenciária do Estado

Tay Marquioro
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Muito se fala em invisibilização da população idosa e, quando se trata de idosos privados de liberdade, essa parece uma parcela da população que é praticamente inexistente. Na mídia, quando há reportagens sobre temas relacionados à população carcerária, é muito comum que a abordagem seja um olhar sobre pessoas ingressando cada vez mais jovens no sistema prisional.

De acordo com informações da Secretaria de Estado de Administração Penitenciária (Seap), o Pará tem hoje uma população carcerária de 15.342 custodiados. Desses, 392 são idosos, o que representa 2,56% do total de pessoas privadas de liberdade. No Centro de Triagem Metropolitana II (CTM II), por exemplo, há 30 idosos sob custódia do Estado.

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I. P. S. é uma dessas pessoas. Aos 65 anos, ele cumpre pena no CTM II e lembra como foi difícil a ruptura social provocada pelo cárcere. “Eu vim para cá sabendo que as coisas não seriam fáceis pra mim, com a idade que eu tenho. Eu estou aqui faz um ano e cinco meses. Deixei minha família e isso sempre é ruim, mas procuro me manter ativo, andando, fazendo exercícios com as pernas e com os braços. Eu quero procurar viver dignamente”, revela.

Aos 61 anos e com mobilidade reduzida, J.G.C. precisa de cadeira de rodas para se locomover. Para ele, as atividades na área externa do Centro de Triagem são os momentos preferidos. “Aqui fora, a gente pode ver o mundo como ele é, a gente se diverte, esquece um pouco da tristeza que às vezes bate e se sente mais à vontade”, descreve.

Parte das atividades propostas aos idosos integram o projeto “Respirando a Liberdade”, desenvolvido dentro do CTM II, concebido especialmente para a população idosa privada de liberdade. O projeto consiste em promover encontros lúdicos, que envolvem práticas cognitivas, música e lazer, por meio de jogos de tabuleiro. A iniciativa surgiu após as consultas individuais prestadas pela terapeuta ocupacional, que atende na unidade, já que a maioria dos idosos da unidade não têm condições de trabalhar ou estudar, mas precisa de um momento fora do ambiente carcerário.

image O projeto “Respirando a Liberdade”, desenvolvido dentro do CTM II, é destinado aos idosos em situação de cárcere e promove práticas cognitivas, música e lazer, por meio de jogos de tabuleiro (Uchoa Silva / Seap)

Ainda segundo a Seap, cerca de dez idosos apenados trabalham no CTM II. Eles desenvolvem atividades consideradas mais leves e adequadas para a idade, considerando o cotidiano na casa penal, como serviços gerais e o auxílio no descarte das marmitas. “As marmitas são recolhidas das celas, lavadas e amassadas para reciclagem, então eles fazem esse serviço”, conta a diretora da unidade, Ruth Benassuly. Ainda assim, de acordo com a diretora, esses idosos contam também com o apoio de outros custodiados mais jovens. “Essas pessoas mais jovens foram escolhidas porque têm o perfil para ajudar os idosos. Eles auxiliam na locomoção, na hora do banho, na troca de roupa e no que for preciso”.

Pesquisadora prepara estudo sobre a população idosa encarcerada em Marabá

A professora Ana Campos, do curso de Saúde Coletiva, da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa), pesquisa essa temática há mais de dez anos. Ela se prepara para uma verdadeira imersão na vida de pessoas idosas privadas de liberdade nos centros de recuperação de Marabá. “Com a parceria das promotorias de Execução Penal e de Direitos Humanos, nós vimos a oportunidade de desenvolver um projeto específico para que a gente pudesse investigar de forma mais assertiva e até pioneira como vivem os idosos lá dentro do sistema prisional”, explica a professora. “Nós pretendemos utilizar estudos da Fiocruz (Fundação Osvaldo Cruz), do Rio de Janeiro, que dão um panorama sobre a saúde das pessoas privadas de liberdade lá para basear a construção do nosso perfil desses idosos aqui”.

Para a pesquisadora, o tema é importante sob a perspectiva da proteção desse público que, na opinião dela, é excluído não só dentro do sistema prisional. “É um desafio. Porque nós não estamos preparados para envelhecer, de um modo geral. Nenhuma instituição, nenhum gestor, nenhuma administração hoje consegue dizer que se prepara para o atendimento à pessoa idosa e essa população acaba ficando invisível”.

A população carcerária idosa em Marabá é atualmente de 26 homens e uma mulher, todos com mais de 60 anos. O trabalho de pesquisa capitaneado pela professora Ana Campos vai envolver uma equipe acadêmica multidisciplinar dos cursos de Medicina, Enfermagem, Biomedicina e Saúde Coletiva de diversas instituições de ensino superior da cidade. Neste mês de agosto, o projeto está sob análise do Comitê de Ética da Unifesspa e depois deve ser submetido à apreciação da Seap, que administra o sistema prisional no Pará.

“Nossa proposta é construir um questionário que vai rastrear os principais fatores de risco para o envelhecimento não saudável. Demência, qualidade de vida, apoio emocional, até mesmo sintomas de depressão e, principalmente, funcionalidade e autonomia, que são fatores para a capacidade do sujeito fazer suas atividades sozinho, sem ajuda de outras pessoas”, detalha. “Além disso, a gente pretende fazer uma entrevista de história de vida dessas pessoas, para entender o que levou essas pessoas a estarem no sistema prisional e aí passar por esse processo de envelhecimento que nós sabemos que é ainda um tabu”.

Após iniciado, esse trabalho deve durar aproximadamente seis meses para ser concluído em todas as etapas. Como resultado, a pesquisa deve fornecer dados para um diagnóstico que será o retrato das condições em que os idosos privados de liberdade cumprem suas penas. “Esse olhar para a população que envelhece em qualquer contexto, em qualquer cenário, é o modo como nós que já somos adultos teremos de entender o nosso próprio envelhecer. Porque o único jeito da gente não envelhecer é morrendo jovem, antes dos 60 anos”, afirma.

Em junho passado, a professora Ana Campos contribuiu, a convite do Ministério Público, com a realização de um curso de capacitação sobre direitos de pessoas idosas privadas de liberdade no sistema prisional. Na ocasião, a pesquisadora pôde interagir com servidores do sistema jurídico e prisional sobre o assunto e ressaltou a necessidade de se trabalhar uma mudança de paradigmas. “O encarceramento precisa ser tratado e pensado como uma questão pública. Em Marabá, apesar do número de idosos em cárcere ser pequeno, esta população está ainda mais suscetível aos problemas de saúde e suas consequências no processo do envelhecimento”, explica Ana Campos. “Uma cidade que é considerada boa para se envelhecer, automaticamente, é uma cidade boa para todas as faixas etárias. E é nisso que eu tenho investido anos de estudo e de energia”.

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