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Sem museus, Remo e Paysandu contam com torcedores para preservar a história do futebol paraense

Com falta de iniciativas institucionais, preservar a memória do futebol do Pará ainda é uma tarefa solitária, assumida por torcedores, estudiosos e amantes da história do esporte

Igor Wilson

“Um povo sem memória é um povo sem história.” Se a frase da historiadora Emília Viotti da Costa servir de referência, talvez o futebol paraense corra o risco de sofrer uma amnésia coletiva. As histórias de Remo e Paysandu, os clubes mais tradicionais do estado, parecem, pouco a pouco, se dissipar — seja pela falta de espaços adequados, seja pela ausência de iniciativas institucionais.

Leão e Papão são dois gigantes do futebol brasileiro, com torcidas apaixonadas e histórias centenárias, mas não possuem museus ou centros de memória que valorizem suas trajetórias. O que poderia fortalecer os laços com novas gerações — e até gerar receita — segue, por enquanto, fora das prioridades da gestão esportiva.

image Domingos, idealizador dos grafites na Curuzu, e Felipy Chaves, criador do perfil Enciclopédia do Leão, torcedores que mantêm viva a história dos clubes (Carmem Helena/O Liberal)

Para muitos, preservar a memória do futebol do Pará ainda é uma tarefa solitária, assumida por torcedores, estudiosos e amantes da história do esporte. Felipy Chaves, médico e apaixonado pelo Clube do Remo, é um exemplo. Criou o perfil Enciclopédia do Leão, onde compartilha dados e curiosidades sobre o time azulino.

Felipy começou essa pesquisa na infância, guardando recortes de jornais e livros. Mas foi durante a pandemia, em 2020, que decidiu dedicar mais tempo ao projeto, criando o perfil para divulgar as informações acumuladas ao longo dos anos. São dados sobre times e partidas desde a primeira década do século passado até hoje — muitos, desconhecidos por gerações de torcedores.

image Felipy aprecia as conquistas remistas, expostas na entrada da sede do clube (Carmem Helena/O Liberal)

“Sempre fui apaixonado por história, apesar de minha profissão não ter nada a ver. Durante a pandemia, passei a compartilhar tudo o que tinha guardado. A internet é uma ferramenta preciosa de preservação. As pessoas começaram a interagir, e isso me motivou a ir atrás de mais materiais. Meu hobby é ir ao Centur pesquisar. A memória engana, e faço isso para que a história do Remo permaneça ao alcance dos torcedores”, conta.

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Seu objetivo é catalogar todos os jogos do Remo, com informações detalhadas de cada partida, desde a formação das equipes até o local. Para isso, visita frequentemente o Centur e pesquisa em sites especializados, como a Hemeroteca Nacional. A tarefa é minuciosa, e a conclusão, distante — mas, para Felipy, o valor está no processo de resgatar essas histórias quase perdidas.

“É uma pena que a história do futebol paraense não seja mais valorizada. O Remo tem um público imenso, é líder de público na Série B, e isso mostra o quanto a paixão pela história do clube é forte. Mas, infelizmente, ainda falta um olhar mais atento para o nosso passado, conquistas e ídolos”, lamenta.

Curuzu: do ‘Carandiru’ à arte

image Márcio Caveira, o homem por trás das artes na Curuzu (Carmem Helena/O Liberal)

 

O Paysandu também preserva sua memória, embora de forma diferente. Um exemplo é o projeto gráfico que embeleza o muro da Curuzu. Desde 2016, quem passa pela avenida Almirante Barroso vê pinturas de momentos históricos e ícones do clube na fachada do estádio. A ideia foi de Domingos Coelho, torcedor apaixonado pelo Papão, que convidou o grafiteiro Márcio Caveira para dar vida às imagens que eternizam a trajetória bicolor.

 

“Antes, nosso rival chamava aqui de Carandiru, era tudo pichado. Pedi à diretoria para fazermos esse trabalho, que exibe os principais times, conquistas e torcedores do Paysandu. A repercussão foi imediata — existe um antes e depois da Curuzu com esse trabalho do Caveira”, diz Domingos. Para ele, o mais importante é que a história do clube não fique apenas nos livros, mas ao alcance de todos.

“Queríamos algo mais que um simples grafite. Era necessário trazer ao muro a memória do Paysandu, mostrar as conquistas, os ídolos, a história do clube. O objetivo é que qualquer pessoa, ao passar pela Curuzu — até mesmo nossos rivais —, consiga ver e reconhecer os feitos do Papão. O trabalho do Caveira repercutiu até na Argentina”, explica.

Um museu é possível?

Para o historiador Felipe Damasceno, a ausência de um projeto institucional de preservação no Pará reflete a realidade de muitas regiões do Brasil. No entanto, ele vê nas iniciativas de torcedores como Felipy e Domingos uma forma de resistir ao esquecimento e mostrar a importância da memória.

“O futebol é um bem cultural imaterial e material, com muitos elementos que podem ser explorados e valorizados. Os clubes têm, em seus estádios e arquivos, verdadeiros tesouros que podem ser usados não só simbolicamente, mas também economicamente. Um museu, por exemplo, poderia atrair visitantes, gerar renda e fortalecer ainda mais o vínculo entre torcedores e suas equipes”, sugere.

A ideia de um espaço de memória dedicado ao futebol paraense está em andamento. O Governo do Pará anunciou, em 2023, o projeto de um Museu do Futebol no Estádio Mangueirão, com o objetivo de contar a história do esporte no estado e promover a memória dos clubes paraenses. Segundo a Secretaria de Cultura do Estado do Pará, a previsão de abertura do espaço é no início de 2026.

“A execução do projeto será feita pelo Parque de Ciência e Tecnologia Guamá, por meio de Acordo de Cooperação Técnica. A previsão de início é para 2026. O Museu do Futebol será dedicado à promoção e defesa da memória desse esporte no Brasil, com ênfase nos fatos históricos e personagens projetados nos gramados do Pará”, informou o órgão.

A criação de museus e centros de memória não é uma realidade distante no Brasil. Em estados como São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, projetos como o Museu do Futebol, o Museu Pelé e o Museu Brasileiro do Futebol atraem visitantes e ajudam a preservar a história do esporte de forma interativa e educativa.

A esperança de Felipy, Domingos e Damasceno é que, no futuro, o Pará também conte com espaços de memória que resgatem a riqueza de sua história futebolística e gerem receita para o esporte. Enquanto isso não se concretiza, são os torcedores que seguem mantendo viva a chama do passado, com iniciativas que impedem o futebol paraense de sofrer uma amnésia completa.

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