Um mês de E30: nova gasolina divide opiniões de setores sobre impactos no preço e no meio ambiente
Sindicombustíveis, Dieese, consumidores e empresa têm visões distintas sobre impacto nos preços, safra da cana e desempenho ambiental.

Desde 1º de agosto, os brasileiros começaram a abastecer os veículos com a nova gasolina E30 — mistura com 30% de etanol anidro. A mudança, que faz parte do programa "Combustível do Futuro", do governo federal, visa a aumentar a participação de biocombustíveis na matriz energética nacional. No entanto, representantes de setores do Pará, consumidores belenenses e uma empresa especializada em meios de pagamento e mobilidade têm visões diferentes sobre os impactos do combustível proposto pelo governo no preço, no desempenho e na questão ambiental.
Enquanto o Sindicombustíveis alerta para possível aumento no custo por quilômetro rodado e riscos a veículos antigos, o Dieese aponta que a nova fórmula pode reduzir os preços, mas torna o combustível mais sensível à safra da cana. Já consumidores da capital se dividem entre a economia percebida e a incerteza sobre os efeitos no rendimento, enquanto pesquisa da ValeCard indica leve queda no preço médio da gasolina em 20 estados.
Sem impacto imediato no preço, conforme Sindicombustíveis
Segundo Pietro Gasparetto, advogado do Sindicombustíveis Pará, o aumento na proporção de etanol anidro na gasolina não provocou, até o momento, impacto direto no preço médio nas bombas em Belém. Contudo, ele alerta que a tendência é de alta.
"Não houve impacto nenhum que decorra do acréscimo do etanol. Ao contrário: de 25 de julho até 29 de agosto, dados do ESALQ/USP mostram que o etanol anidro aumentou de R$ 2,91 para R$ 3,12", explica.
Além disso, o advogado lembra que o período entre julho e setembro costuma ser de entressafra da cana, o que historicamente encarece o etanol e, consequentemente, a gasolina.
"Estudos sérios, como o da consultoria ARGUS, indicavam que o impacto no preço final seria em média de apenas R$ 0,02 por litro. Ou seja, nenhum alívio real no bolso do consumidor", ressalta.
Rendimento menor e custo por quilômetro mais alto
A maior crítica à E30, segundo Gasparetto, é o rendimento. Como o etanol possui menor densidade energética do que a gasolina, os veículos passam a rodar menos com a mesma quantidade de combustível.
"Aumentar sua proporção na gasolina faz o carro rodar menos por litro, gerando maior custo por quilômetro rodado ao consumidor", afirma.
Esse cenário, na visão do representante do sindicato, prejudica principalmente os motoristas que não têm veículos flex ou de modelos mais antigos, que podem não estar preparados para o novo padrão de combustível.
Riscos para veículos não flex
Além do custo maior por quilômetro, Gasparetto chama a atenção para possíveis danos mecânicos.
"Vários especialistas apontam risco de danos para veículos movidos somente a gasolina, em especial os mais antigos", alerta.
Ele compara o cenário atual ao que ocorreu na introdução do biodiesel, que também causou polêmicas e questionamentos sobre sua viabilidade técnica.
"Para beneficiar as cadeias produtivas (etanol e biodiesel), penaliza-se toda a população que consome combustíveis", critica.
Logística e explicações: o desafio dos postos
Do ponto de vista logístico, os postos não enfrentaram grandes dificuldades na adaptação à E30. Isso porque a nova gasolina já chega às distribuidoras com a mistura padronizada. O maior desafio, segundo Gasparetto, está na comunicação com o consumidor.
"O maior desafio será explicar aos consumidores que eventuais problemas nos veículos não são culpa do posto, e sim do novo combustível imposto pelo Governo", diz.
E30 é medida experimental, afirma sindicato
Apesar de o governo federal promover a E30 como um passo rumo à sustentabilidade e à independência de combustíveis fósseis, Gasparetto é categórico ao afirmar que a iniciativa é experimental — e, segundo ele, com viés econômico.
"Não, muito pelo contrário. É uma medida experimental, e as cobaias são os consumidores", dispara.
Para ele, o objetivo principal seria atender aos interesses do agronegócio e da cadeia produtiva do etanol, e não necessariamente priorizar o consumidor ou o meio ambiente.
Sustentabilidade em debate
Gasparetto também contesta a narrativa de sustentabilidade associada à E30. Ele cita estudos que colocam em xeque os reais benefícios ambientais do etanol brasileiro.
"Um estudo da revista Science analisou o etanol brasileiro e concluiu que provoca mais danos do que sua alternativa fóssil, pelo alto uso de água, fertilizantes e despejo de resíduos", afirma.
Para o advogado, a discussão sobre combustíveis deve ir além da emissão de gases durante a queima e considerar todo o ciclo de produção.
Queda no preço da gasolina acompanha entrada da E30, segundo pesquisa de empresa
Segundo um levantamento da ValeCard, empresa especializada em meios de pagamento e mobilidade, o preço médio da gasolina caiu em 20 estados brasileiros na comparação entre agosto e julho. O valor médio nacional do litro passou de R$ 6,388 em julho para R$ 6,375 em agosto — uma leve queda de R$ 0,013, equivalente a -0,20%. Essa redução já pode estar ligada à maior presença de etanol na composição da nova gasolina, de acordo com Marcelo Braga, diretor de Mobilidade e Operações da empresa.
“O aumento da participação de biocombustíveis na gasolina pode estar impactando os preços, pois a produção de cana-de-açúcar está em pleno pico de safra, garantindo maior oferta de etanol no mercado. Essa abundância contribui para reduzir custos e, consequentemente, pressiona os preços da gasolina para baixo”, afirma Braga.
Conforme o levantamento, enquanto a gasolina apresentou recuo, o etanol teve alta em quase metade do país. O preço médio subiu R$ 0,005 (+0,11%), atingindo R$ 4,409. Já o diesel foi o combustível que registrou maior aumento: alta de R$ 0,029 (+0,46%), com valor médio de R$ 6,307, impactando diretamente o custo do transporte de cargas em 63% dos estados brasileiros.
Região Norte concentra os preços mais altos, indica levantamento
Segundo a pesquisa da ValeCard, apesar da queda nacional, a Região Norte ainda concentra os maiores preços da gasolina. Roraima lidera com o valor médio mais alto do país: R$ 7,582, uma alta de 0,41% em relação a julho.
No Acre, que anteriormente ocupava o topo do ranking, houve uma leve redução de 0,09%, com o litro passando de R$ 7,575 para R$ 7,568. O Amapá apresentou a maior alta percentual no país, de 1,47%, com o litro subindo de R$ 7,061 para R$ 7,165.
No Pará, o impacto da E30 aparece como uma pequena queda: o preço médio do litro passou de R$ 6,839 em julho para R$ 6,834 em agosto, uma redução de R$ 0,015 (-0,22%).
Já o etanol, que compõe agora 30% da gasolina vendida no Brasil, registrou elevações significativas em diversas regiões. No Amapá, o aumento foi de 20,98%, com o litro passando de R$ 4,390 para R$ 5,311 — a maior alta percentual do país. Mesmo com queda de 1,13%, o Amazonas manteve um dos preços mais altos: R$ 5,413.
No Pará, o preço do etanol caiu 1,96%, de R$ 4,990 para R$ 4,892. Já Rondônia teve uma leve redução de 0,04%, e o Acre manteve o preço estável em R$ 5,290.
A análise da ValeCard considerou mais de 25 mil postos de combustíveis em todo o Brasil, entre os dias 1º e 26 de agosto.
Preço da gasolina varia até 9,8% em Belém; E30 pode ser mais barata, mas depende da safra da cana, segundo Dieese
De acordo com Everson Costa, supervisor técnico do Dieese/Pa (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), a introdução da E30 altera a lógica de precificação da gasolina no país. Por conter maior proporção de etanol anidro — um insumo mais barato que a gasolina derivada de petróleo —, a nova mistura pode, em tese, resultar em preços mais baixos para o consumidor.
No entanto, ela se torna mais sensível às flutuações da safra da cana-de-açúcar, o que pode provocar variações mais frequentes nos preços.
“Enquanto a gasolina comum (E27) segue mais atrelada ao mercado internacional de petróleo e à política de preços da Petrobras, a E30 vai responder mais diretamente ao comportamento do etanol”, explica Everson Costa.
No caso específico de Belém, os dados analisados pelo Diese/Pa com base na Agência Nacional do Petróleo (ANP) revelam que os consumidores devem redobrar a atenção ao escolher onde abastecer. Na semana de 24 a 30 de agosto, o preço do litro da gasolina na capital paraense variou entre R$ 5,91 e R$ 6,49 — uma diferença de 9,8% entre o posto mais caro e o mais barato.
Além da oscilação entre postos, a escolha entre gasolina (inclusive a E30) e etanol hidratado continua sendo guiada pela conhecida regra dos 70%. Segundo Everson Costa, como o etanol tem menor rendimento energético, ele só é vantajoso se custar até 70% do valor da gasolina.
Ainda assim, conforme o representante do Dieese, a nova composição da E30 pode tornar a gasolina um pouco mais competitiva frente ao etanol, reforçando a importância de o motorista fazer as contas antes de decidir.
Consumidores: opinião dividida entre economia, incerteza e desconhecimento
Ao Grupo Liberal em um posto de combustível da capital, a professora e escritora Gleyci Rocha disse que foi uma das consumidoras que percebeu os efeitos positivos da nova gasolina.
“Senti uma pequena diminuição no preço. Uma economia de R$ 20, R$ 30, o que já dá pra comprar uns pãezinhos, né?”, comenta, bem-humorada.
Para ela, além da questão financeira, há uma vantagem ambiental importante: “O etanol geralmente ajuda mais o meio ambiente. Eu acredito que seja vantajoso pra gente, não só para mim como para o mundo inteiro.”
Gleyci também defende que o governo deve investir com mais atenção e carinho em soluções sustentáveis. “O mundo corre cada vez mais para a questão da sustentabilidade. Já degradamos muito o meio ambiente. Uma hora a conta vai chegar”, alerta.
Entre os motoristas profissionais, como o taxista Edrinal Felisberto, há cautela.
“Já vi reportagens sobre a E30, mas segundo os frentistas, ela ainda não chegou nos postos de Belém”, afirmou ao Grupo Liberral em um posto de combustível da cidade.
Mesmo sem ter abastecido com o novo combustível, ele se mostra aberto à ideia: “Se for para o bem do meio ambiente, acho válido. Desde que tenha qualidade para os motores e um preço acessível. Para mim, que sou taxista, quanto mais custo-benefício, melhor.”
Já o motorista de aplicativo Ruan Paysandu e a estudante Manuela Carvalho ainda não experimentaram a nova gasolina. Ambos afirmaram abastecer com gasolina comum ou aditivada, sem perceber mudanças no rendimento ou no preço final da conta.
O educador físico Vinícius Guimarães também afirmou que ainda não abasteceu a moto com a nova gasolina.
“Como não abasteci, não consigo ter nenhum parâmetro”, admitiu.
O administrador de empresas Eberth Wanghon, por sua vez, destaca os benefícios de longo prazo.
“Acho positiva a ideia de ter mais etanol na mistura, porque fortalece a produção nacional e tem impacto ambiental. Mas é preciso garantir preço acessível e qualidade. Se for bom pro bolso e pro meio ambiente, vale a pena”, resume.
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