Recorde de R$ 214 milhões em royalties reacende debate sobre dependência do minério no Pará

Arrecadação da CFEM em novembro foi a maior desde 2023, mas ANM e Famep alertam para a concentração de renda, inchaço da máquina pública e a falta de um "Plano B" para o fim do ciclo mineral

Gabriel da Mota
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A mineração injetou R$ 214,5 milhões nos cofres públicos dos municípios paraenses somente no mês de novembro. O valor é parte de um recorde nacional: pela primeira vez desde outubro de 2023, a arrecadação da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM) ultrapassou a barreira de R$ 1 bilhão em um único mês no Brasil. No entanto, por trás da euforia dos números, lideranças que regulam o setor e representam as prefeituras emitem um alerta conjunto sobre como esse dinheiro está sendo gasto e distribuído.

Para dimensionar o impacto dessa injeção súbita de recursos, basta observar o retrovisor de 2025. De janeiro a outubro, o Pará havia recebido um acumulado de R$ 380 milhões. Ou seja, o repasse de apenas um mês (novembro) equivaleu a mais da metade de tudo o que foi distribuído nos dez meses anteriores. A aceleração fica ainda mais evidente no recorte semestral: entre junho e outubro, o montante somado foi de R$ 192 milhões. O valor de novembro, sozinho, superou a soma dos cinco meses que o antecederam, consolidando a liderança do Estado, que hoje detém 40% de toda a participação da CFEM no país.

Enquanto a "locomotiva" de Carajás segue puxando essa receita astronômica — com Parauapebas (R$ 61,7 milhões) e Canaã dos Carajás (R$ 57,1 milhões) concentrando, neste mês, mais de 55% de todo o repasse estadual  —, a discussão se volta para a disparidade regional e a qualidade da gestão pública diante de cofres tão cheios.

Segundo a Agência Nacional de Mineração (ANM), o salto na receita não é obra do acaso, mas de um "choque de gestão". O diretor da ANM, José Fernando Gomes Júnior, explica que o resultado deriva de novas tecnologias, como o cruzamento de dados com a Receita Federal.

"A ANM tem avançado significativamente na eficiência arrecadatória. A Agência aperfeiçoou o controle econômico com a Declaração de Informações Econômico-Fiscais e intensificou a integração tecnológica com o Serpro. Com isso, reduzimos inconsistências e aumentamos a conformidade das empresas", detalha.

Contudo, o próprio diretor reconhece que a eficiência na arrecadação nem sempre encontra eco na eficiência do gasto municipal. "Observo que alguns municípios já conseguiram estruturar melhor sua gestão, enquanto outros ainda têm espaço para evoluir", pondera José Fernando.

A polêmica da partilha

A concentração de recursos em poucos municípios é alvo de críticas da Federação das Associações de Municípios do Pará (Famep). O presidente da entidade, Nélio Aguiar, defende uma revisão legislativa urgente. Para ele, o impacto da atividade mineral ultrapassa as fronteiras de onde a mina opera, mas o bônus financeiro não segue a mesma lógica.

"Com certeza seria bem mais justo se a lei da CFEM fosse revista e não houvesse tanta concentração de renda para poucos municípios. O impacto da mineração não é só num determinado município, acaba impactando a região e até mesmo o Estado todo", argumenta Aguiar.

Ele sugere um modelo mais distributivo: "Seria mais justo que todos os 144 municípios do Estado pudessem ser beneficiados dessas riquezas que nós temos no subsolo paraense".

A ANM admite que há distorções e mantém aberta uma consulta pública para discutir os critérios de rateio, especialmente para cidades cortadas por ferrovias e dutos — o chamado corredor logístico. "Municípios do corredor ferroviário convivem com impactos significativos e buscam uma distribuição mais equilibrada. A Tomada de Subsídios é uma oportunidade para discutir ajustes e corrigir distorções históricas", afirma José Fernando Gomes Júnior.

O risco do "empreguismo"

Outro ponto crítico é a dependência financeira. Municípios que antes não figuravam no topo da lista, como Água Azul do Norte (R$ 8,8 milhões) e Itaituba (R$ 6,7 milhões), agora lidam com volumes milionários.

A Famep alerta para o perigo de utilizar essa receita extra para inchar a folha de pagamento, fenômeno conhecido como "empreguismo". "Quem recebe CFEM acaba tendo uma condição privilegiada, mas, às vezes, por pressão política da própria sociedade, acabam enchendo a folha. E isso é prejudicial", critica Nélio Aguiar.

A orientação da Federação é que os prefeitos reservem entre 10% e 20% do orçamento para obras estruturantes, como saneamento e pavimentação, criando uma independência econômica.

"Os municípios mineradores têm que entender que essa situação é temporária. O ciclo da exploração mineral é finito. O dinheiro da CFEM é muito importante para ser investido na diversificação da vocação econômica, para o município não ficar refém", conclui o presidente da Famep.

Fiscalização e transparência

Embora a ANM não tenha poder de polícia sobre como o prefeito gasta o dinheiro — função que cabe aos Tribunais de Contas —, a agência aposta na transparência social. Recentemente, foi assinado um acordo com o Governo Federal para usar a plataforma Transferegov.br.

"A ANM está empenhada em criar mecanismos que assegurem à população acesso pleno às informações. Embora a fiscalização da aplicação dos recursos seja responsabilidade do TCU e dos TCEs, a transparência é fundamental, pois a sociedade passa a ter instrumentos para acompanhar e cobrar a gestão municipal", finaliza o diretor José Fernando.

RAIO-X DA MINERAÇÃO — Os números de novembro/2025

ARRECADAÇÃO

Total Brasil: > R$ 1 bilhão (recorde desde out/23)

Total Pará: R$ 214.525.848,90

PARA ONDE VAI O DINHEIRO (NACIONAL)

Municípios produtores: R$ 547 milhões

Afetados (ferrovias/portos/estruturas): R$ 282 milhões

Limítrofes (vizinhos): R$ 272 milhões

TOP 10 MUNICÍPIOS DO PARÁ

Parauapebas: R$ 61.735.334,51

Canaã dos Carajás: R$ 57.123.907,87

Marabá: R$ 24.443.497,43

Água Azul do Norte: R$ 8.819.448,31

Itaituba: R$ 6.779.306,62

Curionópolis: R$ 6.167.094,09

Faro: R$ 4.625.117,85

Paragominas: R$ 3.850.776,85

Piçarra: R$ 3.650.330,07

São Félix do Xingu: R$ 3.393.494,17

Fonte: Agência Nacional de Mineração (ANM)

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