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Sazonalidade do açaí diminui produção e eleva preços

Solução a longo prazo pode ser aumentar cultivo em terra firme com sistema de irrigação

Elisa Vaz/ O Liberal
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O Pará é o maior produtor de açaí do Brasil, respondendo por mais de 90% de tudo que é cultivado do fruto no país - quase 1,4 milhão de toneladas por safra e comercialização de quase R$ 1 bilhão apenas no mercado nacional e pelas exportações. Os dados foram disponibilizados pela Secretaria de Desenvolvimento Agropecuário e da Pesca (Sedap), com base em informações do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Mesmo assim, os consumidores sofrem com altos preços do produto durante pelo menos metade do ano, quando há a chamada entressafra do açaí. Segundo levantamento do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese), apenas em dezembro, quando a safra do fruto chegou ao fim, houve reajuste de preço da ordem dos 20% no litro do açaí, na comparação com novembro. E a tendência, apontam especialistas, é de que o número continue subindo.

Por uma questão sazonal, que é natural do meio ambiente e ocorre todos os anos, a época de produção do açaí – ou safra – se dá entre agosto e dezembro, e no restante do ano os produtores e as indústrias não têm como fazer o cultivo em larga escala. Conforme mostra a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), entre 70% e 80% da produção paraense de açaí ocorre no segundo semestre do ano, durante o verão, e apenas de 20% a 30% no inverno, no primeiro semestre. Já os municípios que mais produzem são Igarapé-Miri (30,22% do total), Cametá (11,48%), Abaetetuba (7,86%), Barcarena (5,83%) e Bujaru (5,07%).

Produção em terra firme poderia diminuir preços

O gerente de fruticultura da Sedap, Geraldo Tavares, diz que existem dois tipos de produção: a que é feita em área de várzea e a de terra firme. No Pará, o cultivo do açaí ainda é muito extrativo, diz ele, e entre 80% e 90% da produção estadual vem das áreas de várzea. “Mais ou menos de julho a dezembro tem bastante açaí. Quando chega janeiro, há uma queda drástica de produção. Alguns municípios do Estado, que têm uma condição climática diferente, como quase todos na Ilha do Marajó, são os que abastecem Belém, mas em quantidades menores”, explica.

Durante a safra, as grandes empresas aproveitam para comprar o máximo que podem e armazenam para vender na entressafra. Esse açaí fica congelado e, no primeiro semestre do ano, essas indústrias começam a repassar. Agora, não vale a pena comprar dos produtores, segundo ele, porque uma quantidade do fruto que custa R$ 70 na safra passa para R$ 150 na entressafra, mais que dobrando de valor. “Mas como suprir essa demanda reprimida?”, questiona.

Para Geraldo, a solução é clara: irrigação em terra firme associada a práticas agronômicas corretas. Com esse método, que já é aplicado, mas não em larga escala, seria possível produzir açaí em grande quantidade o ano inteiro, evitando a baixa oferta na entressafra e a consequente a alta de preço. “Eu digo que o futuro do açaí é em terra firme. Existem alguns motivos: não vamos sobrecarregar as áreas de várzea; muitos locais de várzea são muito distantes, então a produção nem chega lá, ou, se chega, não alcança a capital; e não haveria um impeditivo legal, já que existem as reservas ambientais e as várzeas não podem ser desmatadas”, argumenta o especialista.

O que falta para implantar esse tipo de sistema é a tecnologia e o recurso. Geraldo destaca que um sistema de irrigação custa entre R$ 10 mil e R$ 15 mil, o que impossibilita os pequenos produtores de fazerem parte desta mudança, em um primeiro momento. Por isso o gerente apresentou um projeto ao titular da Sedap, que pode ser levado ao governador Helder Barbalho, para que haja um projeto de irrigação no Estado, disponibilizando o recurso para os produtores menores. A intenção, de acordo com ele, não é substituir um sistema pelo outro, mas sim complementar, para que não falte produção durante a metade do ano. “Não há como trocar o método de várzea para terra firme, porque as áreas de várzea são tão grandes no Pará que fica impossível. Por isso é tão difícil algum outro Estado superar o nosso, eles não têm esse potencial de várzea”, avalia.

Exportação pode ter influência

Outro fator que impacta no preço do açaí é a comercialização para fora do país. De acordo com os dados divulgados pela Sedap, com base no IBGE, apenas 6% do que é processado pelas indústrias no Pará é consumido internamente. O restante é dividido entre Estados do Brasil – São Paulo (14%), Rio de Janeiro (10%), Minas Gerais (6%), Ceará (4%), Distrito Federal (3%) e outros (35%) – e exportações, que respondem por 22% do total da produção. Segundo Geraldo, esse último índice era de 10% um ano atrás, então há uma tendência de crescimento.

“Esse também é um motivo. As empresas daqui concorrem com o batedor artesanal e há uma pressão muito grande para o fruto sair do Estado. A expectativa é de que, cada vez mais, outros países importem nossa produção; é um produto que não é tão conhecido, fora os Estados Unidos, a Alemanha, a Austrália. É uma questão de oferta e demanda. Isso não é ruim, o produto tem uma demanda insatisfeita e você não tem como vender a melhores preços. É ruim para o consumidor, que paga o açaí mais caro”.

Já o pesquisador João Tomé, da Embrapa, diz que as exportações não interferem no preço do produto localmente e que cerca de 60% ou 70% do açaí é consumido dentro do Estado. Segundo ele, as indústrias no Pará que processam polpa de açaí só funcionam durante a safra e armazenam esse produto. Já o consumidor paraense gosta de ir até o batedor e ver a polpa saindo, enquanto as indústrias exportam polpa congelada. “São públicos diferentes”, diz. A entressafra é a única responsável pelo açaí mais caro, de acordo com o especialista, e ela tem diversos resultados negativos, como perda de emprego, renda e de segurança alimentar. João diz que, neste período, até 70% do total de processadores artesanais fecham seus negócios. Além disso, há o impacto no orçamento familiar do consumidor.

Como informou o pesquisador, a Embrapa tem um material que aponta que seria possível produzir cerca de 40% do açaí na entressafra com material com cultivo de irrigação, migrando da várzea para a terra firme, a médio e longo prazo. Embora o custo de implantação seja alto, João acredita que seja economicamente viável. Assim, o preço do açaí para as famílias não teria tantos reajustes. Uma alternativa seria fazer o manejo de açaizais nativos, uma tecnologia que tem resultados a curto prazo, em que são empregadas as técnicas de manejo industrial nas áreas. “Não vejo cultura que dê retorno como o açaí, tem um mercado muito forte”.

Preço subiu 200%, diz vendedor

Embora a pesquisa do Dieese aponte uma alta de 20%, em média, entre novembro e dezembro do ano passado, alguns vendedores discordam. Presidente da Associação dos Vendedores Artesanais de Açaí de Belém (Avabel), Carlos Noronha é vendedor artesanal há 34 anos e atua na área desde que tinha seis anos de idade. O costume, que iniciou com seu pai, passou de geração em geração e hoje todos os irmãos também trabalham com o açaí. Segundo ele, desde que a entressafra começou, as vendas já caíram 40% e o preço do fruto já aumentou mais de 200% entre novembro e janeiro. Uma lata de 14 quilos custava cerca de R$ 30 a R$ 35, e depois do Natal passou para R$ 100, afirma ele.

“Todo ano isso acontece, por falta de fruto e as chuvas. O açaí é como a Bolsa de Valores, se tem muito o preço diminui, se tem pouco ele sobe. Agora tem pouco. O açaí que abastece Belém agora vem de Igarapé-Miri e Marajó, e quando acabar vem de Macapá, mas quanto mais longe mais caro. E além do preço a lata só vem com 11 quilos, então a qualidade não é boa”, declara. Carlos aponta que haverá uma reunião para tratar de um decreto que garanta a medição do açaí nas feiras – a matéria deve ser votada na Câmara e encaminhada para a Prefeitura, segundo ele.

Quem fica mais prejudicado é o consumidor, na avaliação do presidente da Avabel, que paga mais caro por um produto de “péssima” qualidade. “Eu acho que a exportação tem a ver, consumiu 70% da nossa produção, eram carretas e carretas na Feira do Açaí enchendo para levar para fora. Agora os vendedores vão vender ainda menos. Até março e abril os consumidores vão sofrer muito com os preços, e algumas empresas vão ficar fechadas porque às vezes não tem como trabalhar”, diz. Durante a safra do açaí, Noronha vende até 400 litros do fruto por dia, e agora está vendendo cerca de 150. A expectativa da entidade é de que haja cerca de 10 mil vendedores hoje em Belém.

Pessoas continuam comprando

A produtora de açaí Darlene Pantoja, de 54 anos, já trabalha na área há 25 anos, tanto em terra firme como várzea, no município de Igarapé-Miri, o maior produtor do Pará. Da produção de 200 latas de açaí, ela vende a maioria no mercado interno, para as fábricas da cidade – são 11 de produção de polpa de açaí e 32 artesanais de palmito de açaí. Com o início da entressafra do fruto, Darlene opta por cultivar o cacau a partir de janeiro, para não perder dinheiro; são seis meses para cada cultivo em suas propriedades.

Em relação ao açaí, mesmo com o preço mais alto, os consumidores não deixam de comprar. “Está mais caro por causa da entressafra, fica pouco produto no Estado, mesmo com a produção sendo tão grande. Mas o consumo continua igual, acho que 40% do açaí é consumido no Pará, e independente do preço as pessoas continuam comprando”, opina.

Presidente do Sindicato das Indústrias de Frutas e Derivados do Estado do Pará (Sindfrutas), Reinaldo Mesquita adianta que, durante todo o primeiro semestre, o açaí continuará caro. Como a região diminuiu muito o volume de produção, o fruto começa a vir de outros municípios, como Breves, Anajás e Macapá, mas chega mais caro. “Vende menos porque está vendendo mais caro. Todos os vendedores de açaí passavam por isso antes da exportação. Temos uma altíssima produção no Estado, forte, tanto de fazenda quanto de várzeas, é algo normal”, afirma.

Prefeitura

Em nota enviada à reportagem do Grupo Liberal, a Prefeitura de Belém, por meio da Secretaria Municipal de Economia (Secon), informou que existem 64 pontos de comercialização do açaí processado em feiras e mercados municipais da capital, sendo que só são quantificados os pontos de vendas administrados pelo órgão. A administração ainda afirmou que 35 municípios do Estado abastecem a capital com açaí, com destaque para Ponta de Pedras, Muaná, Barcarena, Anajás e Cametá. Além disso, Belém também é abastecida pelo fruto que vem de alguns municípios dos Estados do Amapá e Maranhão.

Segundo pesquisa realizada pela Secon em 2021, uma média de 251 toneladas de açaí in natura são comercializadas nos quatro portos municipais de Belém - Feira do Açaí, Porto do Açaí, Porto da Palha e Porto de Icoaraci. A Feira do Açaí é considerada o maior entreposto de comercialização do fruto, com a média de 205 toneladas por dia, o que representa 81,67% de toda a oferta do produto in natura. De acordo com a Secon, em pesquisa de 2019, foram identificadas cerca de 155 embarcações que atuam com o transporte do açaí nos portos municipais de Belém.

INFOGRÁFICO

Produção de açaí no Pará

2020:

Volume de vendas: R$ 908.487.143

Quantidade produzida: 1.389.941 toneladas

Variação em relação a 2019: +5,29%

Participação na produção nacional: mais de 90%

Municípios que mais produzem no Pará:

Igarapé-Miri 30,22%

Cametá 11,48%

Abaetetuba 7,86%

Barcarena 5,83%

Bujaru 5,07%

Destinação da produção industrial do Pará

Pará 6%

Ceará 4%

Distrito Federal 3%

Minas Gerais 6%

Rio de Janeiro 10%

São Paulo 14%

Outros Estados 35%

Exportação 22%

Fonte: Sedap

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