Madeira, sebo bovino, suco: apesar de tarifaço, Pará aumenta em 155% exportações para EUA em agosto
Apesar de tarifas adicionais impostas pelos EUA, avanço nas exportações do Pará em agosto foi puxado por madeira, sebo bovino, sucos de frutas e minerais, com alta de 155,3%.

Mesmo diante das tarifas extras aplicadas pelos Estados Unidos a produtos brasileiros, o Pará registrou um salto de 155,3% nas exportações para o país em agosto, alcançando US$ 95,5 milhões — uma variação absoluta de US$ 58,1 milhões, segundo dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC). A alta foi impulsionada principalmente por produtos agroalimentares e florestais, como madeira, sebo bovino, sucos de frutas (com destaque para o açaí), além de minerais industriais como os silicatos.
Fontes ouvidas pelo Grupo Liberal apontam que o impacto do “tarifaço” foi mais político do que econômico, citando isenções a produtos estratégicos, antecipação de embarques e adaptação da pauta exportadora como fatores-chave para o desempenho atípico. Ainda assim, economistas alertam que o crescimento pode ter sido pontual, refletindo ajustes momentâneos diante da incerteza no comércio global.
Produtos agroalimentares e florestais puxam alta das exportações para os EUA
Segundo dados do Mapa (Ministério da Agricultura e Pecuária) e do Comex Stat, da Secretaria de Comércio Exterior (Secex/MDIC), elaborados pelo Setor de Estatística da Sedap (Secretaria de Desenvolvimento Agropecuário e da Pesca), o crescimento das exportações do Pará para os Estados Unidos em agosto foi fortemente impulsionado por produtos agroalimentares e florestais, como madeira, açaí, pargo e sebo bovino, além da continuidade nos embarques de minerais industriais como os silicatos.
Entre os destaques do mês, estão as madeiras tropicais perfiladas, com US$ 5,55 milhões em exportações, seguidas pelo sebo bovino fundido (US$ 4,84 mi), sucos de frutas, incluindo açaí (US$ 3,38 mi), o pargo congelado (US$ 2,99 mi) e os silicatos diversos (US$ 2,95 mi).
Segundo a Sedap, os dados apontam uma tendência de aceleração nos embarques de determinados produtos antes da entrada em vigor do tarifaço imposto pelos Estados Unidos.
O pargo congelado, por exemplo, teve crescimento expressivo: de US$ 390 mil em junho para US$ 1,82 milhão em julho e, por fim, US$ 2,99 milhões em agosto. O mesmo ocorreu com os sucos de frutas, cujo volume subiu de US$ 1,91 milhão em julho para US$ 3,38 milhões em agosto, refletindo uma retomada vigorosa, puxada principalmente pelo açaí.
Já as madeiras tropicais perfiladas, embora tenham registrado um pico entre junho e julho (variando entre US$ 8,0 milhões e US$ 8,4 milhões), apresentaram um ajuste em agosto. Os silicatos, por sua vez, tiveram uma alta significativa em julho (US$ 7,65 milhões), seguida de redução no mês seguinte.
O sebo bovino fundido mostrou-se mais estável, mantendo regularidade nas exportações desde abril, com variações entre US$ 4,3 milhões e US$ 5,3 milhões.
Fiepa informa que diversidade de produtos foi menor
O presidente da Federação das Indústrias do Estado do Pará (Fiepa), Alex Carvalho, ratificou que o crescimento de 155,3% nas exportações para os Estados Unidos em agosto foi influenciado, em parte, pela antecipação das vendas das empresas exportadoras. Segundo ele, muitas companhias buscaram garantir embarques antes que os efeitos das tarifas fossem plenamente sentidos.
"É importante destacar, no entanto, que ainda é cedo para avaliar a extensão real dessas medidas sobre a economia local", ressaltou Carvalho.
Ele acrescentou que o cenário segue cercado de incertezas e dependerá tanto da evolução da política tarifária norte-americana quanto da capacidade de adaptação das cadeias produtivas do Pará.
Entre os produtos que impulsionaram o resultado, Carvalho citou a alumina calcinada, que somou US$ 223 milhões em embarques, o ferro fundido bruto não ligado, com US$ 130,9 milhões, e o hidróxido de alumínio, responsável por US$ 104,7 milhões. O dirigente lembrou, porém, que agosto também marcou queda na diversidade de categorias exportadas.
"O número de NCMs [Nomenclatura Comum do Mercosul, que tem um código para cada mercadoria] caiu de 63 para 42 em relação a julho, justamente no mês em que passou a vigorar o tarifaço norte-americano", observou.
Especialista vê tarifaço como medida política e aposta em reconfiguração do comércio global
Para o doutor em Relações Internacionais Mário Tito, o impacto do tarifaço imposto pelos Estados Unidos foi mais político do que econômico. Segundo ele, desde o anúncio da medida, já era esperado que sua manutenção seria inviável.
"Já era sabido desde o anúncio do tarifaço que ia ser muito difícil a manutenção dele, primeiro porque os motivos não eram efetivamente econômicos, mas sim políticos", afirmou Tito.
De acordo com ele, os danos econômicos da medida acabaram recaindo mais sobre os próprios Estados Unidos. “Quem trabalha com a economia já sabia que de fato isso ia trazer muito mais prejuízo para os Estados Unidos que para o Brasil por vários motivos”, explicou.
Um desses motivos, segundo ele, é o movimento estratégico do Brasil nos últimos anos para diversificar seu portfólio de parceiros comerciais. “O impacto passou a ser mínimo na medida em que o dinheiro que não entrou de um lado, acabou entrando do outro em outros parceiros comerciais”, pontuou.
Tito também destacou que o próprio governo norte-americano deu sinais de recuo logo após o início da vigência do tarifaço.
“Houve uma espécie de passo atrás do governo Trump. Muitos dos produtos que estavam na lista inicial acabaram sendo retirados e isso de alguma forma também diminuiu ainda mais o impacto dessa medida.”
Além disso, o especialista ressaltou a capacidade de adaptação do Brasil e, especialmente, do Pará frente às novas exigências do mercado.
“O Estado do Pará, que tinha uma pauta de exportação muito forte com os Estados Unidos, conseguiu reverter isso para outros mercados, em especial a China”, disse.
A expectativa, segundo Mário Tito, é que essa tendência de crescimento se intensifique nos próximos meses, especialmente devido à retirada de tarifas sobre commodities minerais. “A tendência é que a variação positiva seja muito maior a partir dos próximos meses, porque os Estados Unidos recuaram especialmente no ferro, no níquel, em produtos minerais propriamente ditos.”
Para ele, a reconfiguração comercial não é pontual, mas sim reflexo de uma nova governança global em formação.
“Essas novas parcerias do Brasil que levam junto também a produção do Pará não são apenas pontuais. Elas vão se restabelecendo em novos arranjos de governança global do comércio internacional”, avaliou.
Ao citar os Brics como exemplo dessa nova configuração econômica, Tito reforça que o Brasil está se posicionando de maneira estratégica no cenário internacional. “Quando você amplia o número de membros de um bloco econômico não regional como é os Brics, você tem a ampliação também do consumidor. Então, eu acredito que isso não seja só pontual, mas seja um novo direcionamento do mercado internacional”, concluiu.
Economista aponta isenções e demanda específica como fatores para salto nas exportações
Para o economista Genardo Oliveira, o crescimento de 155,3% nas exportações do Pará para os Estados Unidos em agosto, mesmo após a imposição de tarifas adicionais, pode ser explicado por uma combinação de fatores estratégicos e setoriais. Segundo ele, a alta foi real, mas ainda precisa ser analisada com cautela.
Entre os principais elementos, Oliveira destaca as isenções concedidas a produtos estratégicos, muitos deles fundamentais para a balança comercial do Pará. “Cerca de 700 produtos brasileiros foram isentos das novas tarifas, incluindo itens-chave da pauta paraense como alumina calcinada, ferro fundido bruto e alumínio não ligado — juntos, responsáveis por mais de 50% das vendas para os EUA.”
Outro ponto que ajudou a impulsionar o desempenho foi a demanda consistente do mercado norte-americano por produtos específicos, mesmo em um cenário de tensões comerciais.
“Itens como castanha-do-pará, suco de laranja e minérios mantiveram forte demanda nos Estados Unidos, o que sustentou o volume de exportações”, explicou o economista.
Ele também ressalta que pode ter havido um movimento de antecipação de embarques por parte das empresas paraenses, que buscaram se adiantar aos efeitos mais severos das tarifas. “Esse comportamento é visível, por exemplo, no crescimento expressivo das exportações de açaí, que saltaram 389,17% em agosto”, observou.
Apesar da queda na diversidade de produtos exportados — que passou de 63 para 42 categorias no mês — Oliveira vê uma resiliência importante em setores como o agroindustrial e o mineral. “Houve uma capacidade clara de adaptação às novas condições comerciais por parte desses segmentos”, pontuou.
Tendência ou exceção?
Sobre a possibilidade de o crescimento representar uma tendência sustentável, Genardo Oliveira avalia que, embora os dados de agosto sejam positivos, ainda existem incertezas no cenário.
“O crescimento pode refletir uma reação imediata ao tarifaço, com empresas antecipando embarques e ajustando estratégias comerciais. Mas isso não garante que a tendência vá se manter nos próximos meses”, ponderou.
Ele lembra que a Federação das Indústrias do Estado do Pará (Fiepa) já alertou para possíveis impactos mais profundos nas cadeias produtivas locais, sobretudo entre aquelas que dependem de itens que não foram isentados das tarifas.
No entanto, os números do acumulado de janeiro a agosto indicam um crescimento consistente de quase 49% nas exportações para os EUA, o que, segundo Oliveira, sinaliza um potencial real de integração comercial.
“Se o Pará conseguir consolidar sua presença com produtos isentos e ampliar sua competitividade, há espaço para uma integração mais sólida com o mercado norte-americano. Mas isso dependerá diretamente da manutenção das isenções e da capacidade de adaptação da indústria local”, concluiu.
Conselheiro de economia regional vê salto nas exportações como movimento pontual e alerta para efeitos transientes
Apesar do crescimento expressivo nas exportações do Pará para os Estados Unidos em agosto, o economista Nélio Bordado pondera que o aumento pode ter sido circunstancial. Segundo ele, que é conselheiro do Corecon PA/AP (Conselho Regional de Economia dos Estados do Pará e Amapá), o resultado surpreendente de 155,3% pode estar relacionado mais a fatores pontuais do que a uma tendência consolidada.
“Há fortes indícios de que esse crescimento é resultado de efeitos transientes, como a antecipação de embarques e contratos fechados antes da aplicação efetiva das tarifas”, avalia.
Segundo ele, esse tipo de movimentação é comum em períodos de incerteza comercial. “Quando se sabe que vai haver uma tarifa mais alta, exportadores tendem a acelerar suas operações para evitar os custos adicionais. Isso pode gerar picos como o que vimos em agosto.”
Outro fator citado é o comportamento dos preços internacionais, especialmente de commodities minerais e energéticas, que compõem grande parte da pauta exportadora paraense.
“Mesmo com as tarifas em vigor, se houve aumento nos preços de insumos como metais ou combustíveis, o valor exportado pode ter subido simplesmente pelo reajuste de preços no mercado internacional”, explicou.
Além disso, o especialista destaca que o próprio “tarifaço” dos Estados Unidos não foi aplicado de forma indiscriminada. “Cerca de 44,6% das exportações brasileiras para os EUA foram excluídas das sobretaxas de 50%. Isso inclui muitos produtos que fazem parte da pauta do Pará, o que pode explicar o desempenho isoladamente positivo do estado”, pontuou.
Contudo, o cenário geral do comércio exterior brasileiro indica que a situação ainda é delicada.
“As estatísticas nacionais mostram que, no total, as exportações brasileiras para os EUA caíram cerca de 18,5% em valor em agosto de 2025, em comparação com agosto de 2024. Produtos tarifados tiveram quedas mais acentuadas, enquanto os isentos oscilaram menos”, afirmou.
Diante desse contexto, o economista alerta que ainda é cedo para falar em consolidação de um novo padrão de exportação. “A avaliação mais prudente é que esse aumento do Pará em agosto seja mais um episódio pontual do que o início de uma tendência firme”, destacou.
Para que o crescimento se sustente, ele aponta que será necessário um esforço coordenado entre o setor produtivo e o poder público. “Os setores exportadores do Pará precisarão se consolidar em nichos menos afetados, adaptar suas cadeias produtivas para contornar tarifas ou buscar isenções específicas. Além disso, é fundamental que haja apoio por meio de políticas públicas, como incentivos fiscais, melhorias na infraestrutura logística e certificações de empresas e produtos”, concluiu.
Exportações do Pará para os EUA – Agosto/2025
Principais produtos (Ganho relevante) (valores em US$)
• Madeiras tropicais perfiladas – 5,55 mi
• Sebo bovino fundido – 4,84 mi
• Sucos de frutas (açaí incluso, 90% do total) – 3,38 mi
• Pargo (congelado) – 2,99 mi
• Outros silicatos – 2,95 mi
Tendências pré-tarifaço
• Pargo congelado – disparou de 0,39 mi (junho) → 1,82 mi (julho) → 2,99 mi (agosto)
• Sucos de frutas (açaí) – retomada forte: 1,91 mi (julho) → 3,38 mi (agosto)
• Madeiras tropicais – pico em junho/julho (8,0–8,4 mi), com ajuste em agosto
• Silicatos – corrida em julho (7,65 mi) antes de reduzir em agosto
• Sebo bovino – consistente, mantendo entre 4,3 e 5,3 mi desde abril
Dados do Mapa (Ministério da Agricultura e Pecuária) / Agrostat – Estatísticas de Comércio Exterior do Agronegócio Brasileiro e Comex Stat – Secretaria de Comércio Exterior (Secex/MDIC) / Elaboração: Setor de Estatística - Nuplan / Secretaria de Desenvolvimento Agropecuário e da Pesca (SEDAP).
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