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Lei que estabelece teto do ICMS causará prejuízo ao Pará

Especialista diz que não necessariamente o preço dos combustíveis ficará mais baixo com a medida, que teve sanção do presidente da República nesta semana

Elisa Vaz
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Sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro nesta quinta-feira (23), a Lei Complementar 194, de 2022, que limita entre 17% e 18% a alíquota do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) em cima de bens essenciais e indispensáveis, pode impactar tanto os cofres dos governos estadual e municipais do Pará como o bolso do consumidor final. A medida, resultado do Projeto de Lei Complementar (PLP) 18/2022, vale para o diesel, gasolina, gás natural, energia elétrica, comunicações e transporte coletivo.

Os prejuízos totais devem chegar aos R$ 67,7 bilhões em 2022, segundo estudos preliminares do Comitê Nacional dos Secretários de Fazenda, Finanças, Receita ou Tributação dos Estados e Distrito Federal (Comsefaz). No caso do Pará, podem girar em torno de R$ 1,5 bilhão apenas de julho a dezembro, e de R$ 2,9 bilhões em um ano, aponta a Secretaria de Estado da Fazenda (Sefa). Já os municípios paraenses perderiam, anualmente, cerca de R$ 500 milhões, diz o Comsefaz, enquanto a secretaria estima redução de R$ 383 milhões em seis meses nas cidades do Pará.

O próprio secretário da Fazenda local, René Sousa Júnior, que representou o governador Helder Barbalho durante o Fórum Nacional de Governadores, em maio, disse que a medida inviabilizaria o orçamento estadual, pondo em “grave risco” o equilíbrio fiscal dos últimos anos. Isso porque, embora a alíquota geral do ICMS sobre esses itens fique, geralmente, entre 17% e 18%, cada Estado tem autonomia para estabelecer o seu percentual de cobrança. No Pará, a alíquota atual de telecomunicações é de 30%; da gasolina, de 28%; da energia elétrica, 25%; e do diesel, transporte e gás de cozinha, 17%.

Alguns desses produtos são importantes fontes de arrecadação do Estado, que ainda são obrigados a repassar 25% do valor aos municípios. Em maio, por exemplo, último dado disponibilizado pela Sefa, de toda a arrecadação do Pará, que somou R$ 1,48 bilhão, a participação desses setores ficou da seguinte forma: combustíveis (26,5%), respondendo por R$ 393,8 milhões; energia elétrica (11,3%), com R$ 168,2 milhões; e transporte (3,3%) e telecomunicações (3,2%), respectivamente com R$ 49,7 milhões e R$ 48 milhões.

Perdas

Procurado pela reportagem, o governo do Pará não deu retorno até a publicação desta reportagem, mas uma matéria divulgada pela administração pública em junho mostra que as perdas de receitas do Estado, que em seis meses serão de 8% do ICMS e, em 12 meses, de 15%, vão impactar os percentuais aplicados em saúde (R$ 138 milhões de perdas em um ano) e educação (com retração de R$ 287 milhões no mesmo período), e também nos repasses feitos aos municípios e as transferências a outros Poderes.

O economista Mário Tito Almeida diz que é preciso entender a política tributária. O ICMS é um imposto devido aos Estados da União, então, cada um deles tem sua arrecadação, e o recurso serve para atender aos gastos de investimento do próprio Estado nas demandas da sociedade; diferentemente, por exemplo, do Imposto de Renda, que é um tributo federal, administrado pelo governo federal.

Ele explica que, quando a base de cálculo ou a alíquota do ICMS é reduzida, os Estados arrecadam menos e, por conta disso, há uma mudança no padrão de investimentos e gastos do Estado, exatamente porque a arrecadação do recurso diminui. “Há uma disputa em dizer que os combustíveis e todo tipo de produtos ligados a ele têm a sua alta por causa do ICMS que cada Estado pratica. Isso não necessariamente está justificado, mas é a voz que está recorrente no governo federal para explicar essa cobrança dos Estados”, comenta.

Influência direita e indireta

A redução impacta negativamente nas contas do Pará, segundo Mário, porque há uma influência direta e indireta a partir da mudança. Diretamente, a diminuição na alíquota do ICMS vai reduzir os recursos disponíveis para o Estado. E, indiretamente, quando o governo deixa de acessar esse recurso, vai precisar buscar de outros lugares fontes de renda para cobrir alguns gastos que eram cobertos com o ICMS. Então, a consequência indireta acaba mexendo com o próprio orçamento do Estado, que já conta com esses recursos ao longo do ano, explica o economista.

Inclusive, necessidades no campo da saúde e da educação, além do pagamento de pessoal e dos gastos correntes em geral, vão precisar de alguma realocação de recursos de outras áreas, diz Mário. No futuro mais próximo, isso pode ensejar, por exemplo, a diminuição de investimentos em projetos de construção civil, de estradas ou de infraestrutura, e até mesmo em saúde e educação. Claro que, se você tem uma diminuição da arrecadação, vai ter dificuldade para cumprir todas as suas obras, dado que houve uma diminuição nos recursos disponíveis para isso”, avalia.

Combustíveis não devem ficar mais baratos

Diferentemente do que diz o governo federal, Mário argumenta que não é o impacto do ICMS no preço dos combustíveis que faz com que eles se mantenham caro, mas o problema estaria na paridade internacional de preços que o governo continua praticando via Petrobras para atender à demanda dos acionistas que compõem a massa de investidores da Petrobras.

“Sabe-se que a Petrobras abriu capital, e os investidores disponibilizam recursos, investimentos justamente para a Petrobras, mas exigem determinadas políticas, porque querem ganhar muito mais; quanto mais você atrela o custo do petróleo aos preços internacionais, mais você vai auferir lucros. Tanto é verdade que o valor dos combustíveis está alto e a lucratividade da Petrobras não para de crescer. Isso faz com que os dividendos dos acionistas aumentem também. O governo poderia mudar essa política, mas prefere não desagradar os investidores dizendo que a culpa é do ICMS”, opina.

Fatores internacionais

Mesmo que o preço da gasolina caia – na casa de R$ 1 ou R$ 1,2 –, Mário Tito acredita que a diminuição possa ser praticamente eliminada porque, nos últimos dias, tem aumentando o preço do petróleo em nível internacional, que deve continuar subindo. Ele considera que a conjuntura internacional não seja favorável a uma queda do custo do petróleo internacional, primeiro porque há uma inflação forte nos Estados Unidos e o dólar tem subido internacionalmente, o que significa que os preços indexados em dólar vão aumentar também; e em segundo, ainda houve alta do custo do petróleo por causa do conflito entre a Ucrânia e a Rússia, que gerou reajuste no valor do barril e também no transporte.

Advogado do Sindicato do Comércio Varejista de Derivados de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis do Estado do Pará (Sindicombustíveis-PA), Napoleão Nicolau diz que muito ainda precisa ser discutido sobre o Projeto de Lei. Por exemplo, ele afirma que o texto não estabelece um teto, mas sim classifica alguns setores como essenciais e recomenda que Estados não cobrem mais que este percentual, mas, para valer, a medida ainda precisa virar lei dentro das Unidades Federativas.

Alíquota única

Além disso, ainda há uma outra matéria, a Lei Complementar 192, de março, que estabelece que a cobrança do ICMS seja feita em alíquota única em todos os Estados, valendo a partir de 1º de julho. “Seria fixo: o valor X de ICMS seria cobrado por litro, em cada combustível, e valeria para todos os Estados. Ficaria mais transparente. O problema é que uma lei corta a outra. Então, é uma decisão que vai se prolongar. Vai gerar discussão no STF [Supremo Tribunal Federal], os Estados vão contestar, e não sabemos como tudo isso vai acontecer. Claro que a gente quer que reduza. Se houver redução de alíquota, é evidente que o consumidor vai pagar menos. Então, o Sindicombustíveis defende diminuição de impostos sobre combustíveis como produtos essenciais que são”, pontua.

Teto do ICMS deve ter impactos a curto e longo prazo

O real impacto do Projeto de Lei divide opiniões e há temor pelos seus efeitos futuros devido ao menor volume de recursos direcionado aos cofres públicos. Presidente do Conselho de Consumidores da Equatorial Energia Pará, Carlindo Lins avalia que a lei que limita a alíquota do ICMS nos produtos é favorável, pois repercute diretamente na redução dos custos com energia no orçamento familiar.

“A tributação sobre energia aqui no Pará é de 25%, mas tem Estados em que é de 30%. E isso acontece porque é uma forma muito fácil do Estado arrecadar, porque se você não paga a luz, é cortado o seu fornecimento. Então, eu acho que essa decisão foi muito positiva porque os Estados todos garantem uma grande arrecadação com contas, já que a energia é básica para fazer tudo e abrange todos os segmentos”, afirma, ressaltando que estudos apontam que o Brasil está entre os cinco países com as contas de energia mais caras do mundo.

Lins pontua ainda que, em relação à perda de arrecadação, é necessário que os Estados busquem alternativas compensatórias em outros segmentos. “Tem que ter uma melhor gestão. Não pode buscar só na energia para garantir a sua receita, porque o comprometimento no orçamento familiar é muito grande. Não pode ser desse jeito. Temos que encontrar uma conta que caiba no bolso do povo brasileiro”, defende.

Discussão mais profunda

Por sua vez, o auditor fiscal e presidente licenciado da Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital (Fenafisco), Charles Alcântara, avalia que é necessária uma discussão mais profunda sobre o tema. Ele considera evidente o fato de que o Estado sobretaxa o consumo no Brasil, logo, à primeira vista, a lei deve reduzir inicialmente os preços praticados no mercado. No entanto, Alcântara analisa que a medida é incompleta, já que lhe faltam mecanismos de compensação pela perda de arrecadação, sobretudo por conta de seus impactos em áreas estratégicas para o país.

Taxação de grandes fortunas

De acordo com o auditor, o limite da alíquota sobre o ICMS representa também a perda de R$ 11 bilhões do Sistema Único de Saúde (SUS), R$ 21 bilhões do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) e R$ 5 bilhões do Fundo de Combate à Pobreza. Isso porque 25% da arrecadação com o imposto é direcionado à educação, 25% aos municípios e 15% para a saúde. “Essa lei vai deixar as contas dos Estados e municípios em colapso porque o governo federal não quer mexer com os superricos nem nos lucros dos acionistas da Petrobras”, critica o auditor fiscal, classificando a medida como “inoportuna e irresponsável”.

Para ele, a alternativa para conter os impactos estruturais que a lei trará estaria na taxação de fortunas superiores a R$ 10 milhões. Seria cerca de 56 mil pessoas em todo o País com patrimônio desse porte que seriam taxados em 1,5%, o que geraria uma receita estimada de R$ 40 bilhões.

“Nós temos um país com 33 milhões de pessoas no mapa da fome e 14 milhões de desempregados, que precisam muito do Estado. Nós defendemos a reforma tributária solidária, que reduz a tributação no consumo, que é o que onera desproporcionalmente os mais pobres. Para que consigamos fazer isso sem que o Estado perca sua capacidade de investimento, tem que aumentar a tributação sobre as altas rendas. Isso tudo tem que ser feito ao mesmo tempo: diminuir sobre o consumo e aumentar na mesma proporção sobre a altas rendas e grandes patrimônios”, argumenta Charles Alcântara.

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