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Lei de Aprendizagem completa 25 anos e projeta alta de vagas para jovens no Pará

CEO do CIEE, Humberto Casagrande, destaca mudança no perfil dos jovens e prevê crescimento de até 10% nas oportunidades de emprego para 2026

Gabriel da Mota
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Ao completar 25 anos no último dia 19, a Lei de Aprendizagem se consolida como a principal porta de entrada legal para jovens menores de idade no mercado de trabalho brasileiro. Mais do que uma exigência de cota para empresas, a legislação transformou a dinâmica da empregabilidade, saltando de um cenário restrito de 50 mil aprendizes no ano 2000 para mais de 710 mil atualmente.

Em entrevista ao Grupo Liberal, o CEO do Centro de Integração Empresa-Escola (CIEE), Humberto Casagrande, analisou esse quarto de século de evolução e traçou perspectivas otimistas para a região Norte. Segundo ele, o Pará acompanha o crescimento nacional impulsionado, sobretudo, pelo setor de serviços e pelo agronegócio, com uma projeção de aumento real de vagas entre 8% e 10% para 2026.

Mas, para além dos números, Casagrande toca em um ponto sensível: a mudança humana. O jovem de hoje não é o mesmo de duas décadas atrás. Se antes havia submissão, hoje há altivez e sonhos, embora falte, muitas vezes, a resiliência socioemocional necessária para o ambiente corporativo. É nesse vácuo que a aprendizagem atua, tentando transformar o "sem-sem" (sem oportunidade e sem formação) em um profissional preparado.

Confira a entrevista completa:

O Liberal: Para começarmos, o senhor poderia destacar quais foram os principais avanços que a Lei de Aprendizagem proporcionou ao longo dessas mais de duas décadas? 

Humberto Casagrande: A lei do aprendiz, ou a figura do aprendiz, existe desde a CLT, de 1954. Só que de 54 a 2000, ela ficava restrita ao sistema S, ou seja, somente o sistema S poderia cuidar desse assunto. E aí nós conseguimos angariar 50 mil aprendizes nesse período. Muito bem, no ano de 2000, foi permitido que entidades sem fins lucrativos passassem a também fazer o programa do aprendiz. Foi essa a grande virada da lei que completou agora, dia 19, 25 anos. A partir de então, as entidades começaram a fomentar mais esse mercado e hoje nós temos 710 mil aprendizes, rumando para 1 milhão de aprendizes, que é o potencial dessa lei. Ou seja, houve um avanço muito grande no sentido de aumentar o número de aprendizes em todo o Brasil. Falo 710 mil em todo o Brasil.

O Liberal: Trazendo para a nossa realidade, como o senhor avalia a região Norte e o Pará nesse sentido?

Humberto Casagrande: Houve um avanço também importante, talvez não na mesma proporção de uma região mais industrializada. Porque o aprendiz é uma cota. As empresas são obrigadas a contratar de 5% a 15% do seu quadro de funcionários em aprendizes. Esses aprendizes, então, passam a fazer parte do quadro das empresas e são treinados com formação técnica e também formação pessoal, socioemocional. Quanto mais industrializado, quanto mais empresas tiver na região, maior vai ser o número de aprendizes. Mas há também aprendizes ligados ao setor de serviços e também ao agronegócio. Então, isso possibilitou que houvesse também expansão em regiões como o Pará, onde há uma predominância do agronegócio e setor de serviços. Cresceu bastante também. O CIEE está em Belém do Pará, tem um volume de empresas clientes bastante interessante e nós notamos que tem aumentado o interesse na região pelos aprendizes. E nós estamos também divulgando mais o trabalho, porque quem abre as vagas são as empresas, não é o CIEE. O CIEE faz todo o trabalho de capacitação, mas nós dependemos das empresas para abrirem as vagas. Nossos consultores em Belém estão visitando as empresas, explicando o programa e têm encontrado por parte delas uma boa receptividade. E dessa forma nós estamos otimistas para que possamos vir então a aumentar o número de aprendizes também em Belém do Pará, que vai ser uma coisa muito importante para a região. Porque esse jovem se desenvolve e passa a ser um grande instrumento de trabalho para as empresas.

O Liberal: Muito se fala do estigma da geração "nem-nem", aqueles que nem estudam e nem trabalham. Qual a sua leitura sobre isso?

Humberto Casagrande: O nosso entendimento é que o que existe mesmo é o "sem-sem": sem oportunidade e sem formação. Então, nós achamos que no momento que as empresas, conscientizadas do seu papel com a sociedade e com a juventude, passam a dar oportunidade para esses jovens, haverá um crescimento muito grande. E a empresa que é permeável ao jovem se torna muito melhor, porque o jovem leva para dentro da empresa essa nova forma de ser da sociedade, a nova forma de comunicar, de consumir. Hoje o perfil do consumo é diferente do que fora no passado. O jovem ajuda todo esse processo de transformação dentro da empresa. A nossa expectativa é que também na região Norte e na região Nordeste, haja um crescimento grande e nós estamos otimistas para o ano que vem.

image Humberto Casagrande em entrevista para o Grupo Liberal (Reprodução / YouTube @OLiberalPA)

O Liberal: O senhor citou essa "nova forma de ser". Houve uma mudança drástica no perfil comportamental do jovem nesses 25 anos?

Humberto Casagrande: Sim, houve uma mudança comportamental importante. O jovem do passado era muito mais submisso aos interesses da empresa, deixando as suas vontades meio de lado. E hoje não, ele é uma pessoa muito mais altiva, ele faz referência aos seus sonhos, às suas vontades. E, por outro lado, ele precisa ser mais desenvolvido nas habilidades socioemocionais, porque o jovem, principalmente os pertencentes às camadas mais vulneráveis economicamente, trazem muitos gaps de formação familiar e escolar. Então, por um lado, ele é muito mais exigente, ele quer mais coisas, ele quer se expor, quer falar o que pensa; por outro lado, ele traz um déficit de formação importante. Então, nós temos que trabalhar nesse sentido, oferecendo cursos. A gente tem um curso de reforço de matemática, de português, pacote Office e uma série de outras coisas. Temos palestras também de formação e trabalhamos muito essas habilidades socioemocionais. Lidar com esse jovem hoje é um desafio para todo mundo. É um desafio para os pais, para as empresas, para os professores, mas é uma coisa boa. Nós não vemos isso de uma forma negativa. Eu acho que é uma coisa evolutiva e esse jovem, como disse, traz muita vontade de se desenvolver, de aprender. Vejo perspectivas boas.

O Liberal: O senhor mencionou o gap socioemocional. Na prática, como o CIEE atua para preencher isso?

Humberto Casagrande: A capacitação se dá em duas frentes. O jovem aprendiz não é o estagiário — porque o estagiário faz um trabalho normal, é um universitário ou estudante do ensino médio — aqui estamos falando do aprendiz, que é um jovem CLT, contratado pela empresa; dos cinco dias úteis, em quatro ele vai trabalhar na empresa e em um desses dias ele fica no CIEE ou no agente de capacitação. E essa questão socioemocional é muito trabalhada nesse dia que ele fica nas escolas. Aí tem que se trabalhar a questão da resiliência. O jovem hoje tende a ser pouco resiliente, ou seja, às primeiras dificuldades ele tende a desistir. Então, precisa mostrar que nem sempre as coisas acontecem na primeira ou na segunda tentativa, tem que haver uma insistência. Mostrar para ele noção de hierarquia dentro de uma empresa, que isso não necessariamente é uma coisa ruim; questão de trabalho em equipe, de saber lidar com as diferenças entre as pessoas. Tudo isso, então, a gente aborda em palestras e treinamentos. E dentro das empresas, eles vão também ter uma importante formação: saber como funciona uma empresa, como é a área de vendas, a área de recursos humanos, como uma área interage com a outra. 

Antigamente, a questão técnica era muito focada, só ensinar aquela tarefa. Era um aprendiz "tarefeiro", aquele que ia e executava uma tarefa. Hoje há uma preocupação com essa formação desse jovem como pessoa, que ele seja formado como uma pessoa melhor. E para isso contamos com assistentes sociais, professores, psicólogos, pessoas todas formadas. É desenvolvido um material que toca nesses assuntos de uma forma bastante importante. Muita coisa acontece na formação desse jovem. E ele sai depois de dois anos, que dura o programa, transformado. É visível [a diferença entre] como ele entra e como ele sai. Principalmente esses jovens mais vulneráveis economicamente. E eles passam então a ter acesso ao mundo do trabalho. A próxima etapa seria fazer uma faculdade, conseguir um estágio e ingressar efetivamente nesse mercado. E isso impacta diretamente a produtividade também. Todo mundo hoje, nas empresas, reclama da falta de mão de obra. Você conversa com o empresário e ele geralmente elenca em primeiro lugar a dificuldade de conseguir pessoas qualificadas. Então, no momento que ele recebe um jovem mais capacitado, mais treinado, ele vai certamente ter uma produtividade melhor.

image Humberto Casagrande, CEO do Centro de Integração Empresa Escola (CIEE) (Reinaldo Canato)

O Liberal: Projetando o futuro próximo, o que podemos esperar de vagas para 2026? 

Humberto Casagrande: É difícil você cravar assim um número efetivo. O que aconteceu agora em 2025 é que nós estamos praticamente conseguindo voltar aos níveis pós-pandemia. Houve um crescimento acelerado nos últimos dois anos, muito ligados ao retorno do que a gente era em 2019. Houve taxas de crescimento de 20%, 30% nesses anos devido a isso, mas a gente simplesmente recuperou o que a gente tinha antes da pandemia. E agora as taxas de crescimento vão ocorrer, mas elas devem ser assim um pouco mais modestas. Nós estamos projetando um crescimento da ordem de 10% a 12% nas regiões mais industrializadas e da ordem de 8% nas regiões que dependem mais do agronegócio e de serviços, onde o número de vagas é um pouco menor. Mas devemos ter um ano de economia aquecida, um ano de eleições. Então é importante que o jovem esteja atento a essas oportunidades que certamente vão surgir no ano que vem.

O Liberal: O início do ano costuma ser um bom momento para buscar essas oportunidades?

Humberto Casagrande: Sim. Tem muito jovem que acha que período de férias não é bom para procurar vagas. E como há término de contratos de aprendizes no final do ano, abrem-se novas vagas em relação àqueles que saem, porque o aprendiz só pode trabalhar dois anos. É um contrato de prazo determinado. Então, ao terminar o trabalho de um, ele automaticamente abre vaga para outros. Muitos desses 710 mil contratos que existem no Brasil vão vencer, e só nessa reposição já vai haver uma quantidade grande. Você pode estimar em torno de umas 100 mil a 150 mil vagas só de renovação dos contratos em todo o país. Isso ocorre proporcionalmente em todos os estados. Então, acredito que vai ser um ano de crescimento da ordem real de 8% a 10%, além da quantidade de reposição que ocorre anualmente.

O Liberal: Para encerrar, qual o impacto desse programa na taxa de desemprego, que historicamente penaliza mais a juventude?

Humberto Casagrande: A taxa de desemprego entre os jovens é a maior de todas. O jovem realmente é sempre o grupo mais prejudicado. O Brasil hoje tem uma taxa de desemprego menor, pelo PNAD [Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios], tem menos gente procurando emprego. Mas, por outro lado, aqueles que estão procurando estão conseguindo se colocar. Então, eu acredito que o desemprego entre os jovens deve diminuir na medida em que as empresas privilegiarem o programa do aprendiz. Para você ter uma ideia, a única maneira de um jovem menor de idade no Brasil trabalhar legalmente é por meio do programa do aprendiz. Qualquer outra coisa fora disso é considerado um trabalho ilegal. Então, o desemprego do jovem está muito associado ao crescimento ou não do programa do aprendiz, porque as coisas estão muito interligadas. E há que se fazer muita coisa. O Brasil tem hoje 50 milhões de estudantes entre ensino médio e ensino superior. É muita gente, é 1/4 da população brasileira. O governo, as empresas e a sociedade têm que olhar com mais carinho para esse público, porque é um público grande e é um público que vai assumir o país no futuro. Então, se nós não olharmos para esses jovens com esse olhar de prepará-los, de dar oportunidades, de fazer crescer o número de vagas, certamente nós teremos problemas para toda a sociedade. Sem contar que o jovem acaba se perdendo nas drogas e outras coisas ruins quando não tem oportunidade no mercado de trabalho. Então, nós temos que crer que governo, empresas e sociedade vão fazer um trabalho no sentido de diminuir o desemprego dos jovens, que ainda é dos mais elevados dentro da estratificação de idade na sociedade

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